Reproduzimos (Aceprensa) excertos do discurso pronunciado pelo Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado, na apresentação ao Senado italiano da encíclica Caritas in veritate, em 28 de Julho do ano passado
Uma mensagem importante que a Caritas in Veritate nos transmite é o convite a superar a dicotomia já obsoleta entre a esfera económica e a esfera social. A modernidade deixou-nos em herança a ideia segundo a qual para poder operar no campo da economia é indispensável procurar o lucro e mover-se sobretudo pelo próprio interesse; isto equivale a dizer que não se é plenamente empresário si não se perseguir a maximização do lucro. Caso contrário, haveria que contentar-se fazendo parte da esfera social.
Esta conceptualização, que confunde economia de mercado, que é o género, com uma das suas espécies, como é o sistema capitalista, levou a identificar a economia com o lugar da produção da riqueza (ou do rédito) e o social com o lugar da solidariedade para uma distribuição equitativa da mesma.
Outros modos de fazer empresa
A Caritas in Veritate diz-nos, pelo contrário, que se pode fazer empresa também na prossecução de fins de utilidade social e actuando por motivações deste tipo. Esta é uma maneira concreta, embora não única, de colmatar a brecha entre económico e social, dado que uma gestão económica que não incorporasse a dimensão social não seria eticamente aceitável, como também é verdade que uma gestão social meramente redistributiva, que não tenha em conta o vínculo dos recursos, a longo prazo não seria sustentável, pois antes de poder distribuir é necessário produzir.
É de agradecer a Bento XVI de modo especial por ter sublinhado que a gestão económica não é algo de separado e alheio aos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja, que são: centralidade da pessoa humana, solidariedade, subsidiariedade e bem comum. É preciso superar a concepção prática segundo a qual os valores da doutrina social da Igreja unicamente deveriam encontrar espaço nas obras de índole social, enquanto que aos especialistas em eficiência corresponderia a tarefa de guiar a economia. Esta encíclica tem o mérito, por certo nada secundário, de contribuir para colmatar essa lacuna, cultural e política ao mesmo tempo.
Ora bem, a Caritas in Veritate proporciona-nos o benefício, bem grande, de tomar em consideração aquela concepção de mercado, típica da tradição de pensamento da economia civil, segundo a qual se pode viver a experiência da sociabilidade humana dentro de uma vida económica normal e não fora dela ou à margem dela. Esta é uma concepção que se poderia designar alternativa, quer em relação à que vê o mercado como lugar da exploração e do atropelo do forte sobre o fraco, quer em relação à que, na linha do pensamento liberal anárquico, o vê como lugar capaz de dar solução a todos os problemas da sociedade.
Este modo de fazer empresa diferencia-se da economia de tradição smithiana, segundo a qual o mercado é a única instituição realmente necessária para a democracia e para a liberdade. A doutrina social da Igreja recorda-nos, pelo contrário, que uma boa sociedade é fruto do mercado e da liberdade, mas que existem exigências, atribuíveis ao princípio de fraternidade, que não se podem iludir nem remeter unicamente para o âmbito privado ou para a filantropia. Propõe antes um humanismo de mais dimensões, em que não se combate ou "controla" o mercado, mas que se contempla como momento importante da esfera pública - esfera que é muito mais ampla que o meramente estatal - que, se for concebida e vivida como lugar aberto também aos princípios de reciprocidade e de dom, pode construir una sadia convivência civil.
Aceprensa
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