Este ano inicia-se com uma espécie de chek list: a lista de todas as coisas que têm de acontecer.
O Governo vai ter de governar. Isto significa uma ideia de Portugal, uma perspectiva do futuro e uma mão-cheia de escolhas. Obriga a valores, imaginação, capacidade de decisão. O Governo não poderá governar no confronto histórico ou na nostalgia ideológica, tão-pouco o poderá fazer na colisão de um realismo imprescindível com profissões de fé assentes mais no preconceito do que na convicção.
A ser assim, ao Partido Socialista, de que saiu o Governo, competirá resolver algumas contradições internas geradas sobretudo pela óbvia discordância entre os guardiães do templo, a consciência histórica da resistência e as feridas ainda abertas com aqueles que, pela sua postura e discurso convenceram a maioria dos portugueses de que a esquerda ainda tinha soluções para os novíssimos problemas.
A oposição não poderá comportar-se como uma força de bloqueio primário ou, menos ainda, como um punhado de desmancha-prazeres, entre a birra e a traquinice. Pelo contrário a oposição tem, este ano, o dever de impedir que os portugueses tomem como inevitabilidades históricas aquilo que são apenas ideias, projectos ou metodologias discutíveis. Tem de combater aquilo que constitui hoje a pior ditadura que cresce no seio da nossa democracia: o totalitarismo das ideias feitas, a apropriação monopolista das consciências e dos sentimentos, escorada no défice de cidadania, no politicamente correcto e nalgum sensacionalismo mediático.
Assim sendo, todos em 2010 têm de cumprir uma agenda que não escamoteie ou maltrate as grandes questões nacionais. E, aqui, distinguir aquilo que sendo próprio está ainda no nosso livre arbítrio, daquilo que sendo alheio nos condiciona ou nos obriga, nos salva ou nos destrói neste mundo globalizado.
É preciso discutir se vamos condenar à regressão a nossa classe média; se vamos travar o processo de incapacitação e iliteracia dos portugueses; se vamos reconstruir uma solidariedade assente em direitos e deveres num quadro de responsabilização geral, arrumando de vez o logro da igualdade; se vamos deixar de confundir instrumentos com desígnios e a força com a violência.
É preciso encontrar um ponto de coexistência combativa com o desemprego, com a corrupção, com as novas formas de pobreza, com a diminuição dos rendimentos, com a falta de horizontes, eventualmente com o desespero de muitos. Com mais resultados e menos retórica, com mais eficácia e menos leis.
É urgente descobrir o essencial da nossa coesão ética, cultural e social e defendê-la num imperativo de colaboração geral e nacional.
É urgente estabelecer com clareza as nossas diferenças, fazer a síntese histórica, descobrir o futuro, olhar para o mundo exterior e escolher os modelos certos e reformistas. E não desperdiçar o tempo que já quase não temos.
Neste ponto suponho que deveria dar exemplos concretos. Simplesmente, hoje, os factos, duros, duríssimos, que pautam o quotidiano de um número crescente de portugueses tornam redundante a sua própria exemplificação. Todos sabemos o que não está feito ou está mal feito, o que deve ser prosseguido e o que pode ser melhorado, o que é urgente e o que pode esperar.
Não é possível disfarçar mais. Não em 2010. Não é possível passar ao lado das coisas, estando nelas histórica e responsavelmente.
Portugal precisa de um projecto e um desígnio. Se para isso não tivermos imaginação, tenhamos ao menos a coragem de reconhecer que assim é. E mudar já. Este ano.
Maria José Nogueira Pinto
(Fonte: DN online)
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