Que o Criador abençoe o trabalho dos agricultores com colheitas abundantes e torne sensíveis os povos mais ricos ao drama da fome no mundo
1. Respeitar os agricultores
Ao longo dos séculos, um dos trabalhos mais menosprezados tem sido aquele do qual depende tudo o resto: a agricultura. Aos agricultores coube quase sempre a pior das sortes entre as diversas classes sociais: explorados pelos grandes senhores das terras ou pelos grandes grupos económicos que comercializam os alimentos; trabalhando todo o ano, de sol a sol, sem horários, férias ou salário fixo; dependentes do clima favorável ou inclemente; considerados incultos, ignorantes e olhados com ares de superioridade, sobretudo pelos citadinos; abandonados à sua sorte nas aldeias, sempre os últimos a dispor dos bens da civilização e do progresso... O seu trabalho é ignorado pela maior parte e desprezado por muitos; no entanto, são eles quem coloca na mesa de todos os alimentos indispensáveis à vida. Nos países economicamente mais desenvolvidos, esta atitude foi-se alterando, sobretudo porque o número de agricultores foi diminuindo. Continua, porém, a ser comum a sua discriminação: porque os outros trabalhadores têm direitos de que eles nunca gozam; porque os bens por eles produzidos são constantemente desvalorizados e pagos a preços irrisórios; porque muitos os vêm como “parasitas”, sempre à busca de subsídios governamentais. E, no entanto, repito, todos nos alimentamos com o fruto do seu trabalho!
2. O cuidado da terra
Muito antes de a ecologia se tornar moda, já os agricultores cuidavam da terra com carinho e velavam para que ela produzisse os seus frutos. A industrialização da agricultura foi meio caminho andado para se perder esta sabedoria ancestral de quem vivia ao ritmo das estações e tratava a terra, as plantas e os animais com respeito amigo e reconhecido. A crise alimentar vivida no ano passado, embora mais especulativa do que real, foi um alerta para a urgência de voltar a uma relação de proximidade com a terra, não deixando campos produtivos ao abandono e promovendo a ocupação humana dos espaços rurais. Esta ocupação é uma “reserva estratégica” que nenhum país deveria descuidar e só ela permite uma verdadeira ecologia, protagonizada por quem cuida daquilo que conhece – sem idolatrias nem agressões próprias de gente que da terra e dos seus ritmos conhece, quando muito, o que lê nos livros.
3. Alimentos para todos
Noutros séculos, as grandes fomes eram motivadas, ou pelas guerras ou por colheitas escassas. Na segunda metade do século XX, depois das grandes fomes causadas pelas duas guerras mundiais, surgiu um fenómeno novo: populações inteiras, sobretudo em África e também em certas regiões da Ásia, foram deixadas à fome, por incúria dos respectivos governos e desinteresse dos países economicamente mais desenvolvidos. E, ao contrário do que muitos proclamavam e continuam a proclamar, estas situações não resultam da falta de alimentos – antes coincidem com produções excedentárias e enormes desperdícios. Basta atender aos números: mais de mil e 400 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia; metade dos alimentos produzidos actualmente é desperdiçada – se assim não fosse, chegariam para alimentar toda a população actual e aquela que se prevê venha a existir em 2050; um terço do leite produzido nunca é utilizado; um quarto da produção americana de frutos e vegetais apodrece na distribuição; metade do lixo dos aterros australianos é constituída por restos alimentares; um terço dos alimentos comprados na Grã-Bretanha nunca é consumido...
4. Urgência planetária
São números arrasadores, os números da nossa vergonha. E a aumentar esta vergonha, pulula entre nós, os da sociedade da abundância e do desperdício, gente sem-vergonha, empenhada em alarmismos ecológicos, falando do esgotamento dos recursos naturais, da sobrepopulação do planeta, da incapacidade da Terra para alimentar a todos, da necessidade de reduzir a natalidade, da urgência em promover o aborto nos países mais pobres... A urgência é outra: um comércio mundial mais justo; maior respeito pelas nações menos desenvolvidas economicamente; verdadeira solidariedade entre as nações; e, sobretudo, um empenho claro em promover formas de governação rigorosas, respeitadoras dos povos e promotoras de verdadeiro desenvolvimento ao serviço de todos e não apenas dos poderosos.
O Criador abençoou-nos com colheitas abundantes, mercê da inteligência que nos concedeu e tantos colocam o serviço do bem comum. Falta-nos usar esta bênção com sabedoria e gratidão, não permitindo a uns poucos apropriarem-se dos bens da terra, enquanto multidões nem sequer podem mitigar a fome com as migalhas desta abundância. Enquanto assim for, bem podemos esperar ouvir: “Já colhestes a vossa recompensa”.
Elias Couto
Internacional Elias Couto 31/03/2009 10:20 4832 Caracteres 271 Bento XVI
(Fonte: site Agência Ecclesia)
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