sexta-feira, 5 de março de 2021

Quatro dias de susto

Sexta-feira dia 5, o Papa saiu de Roma para uma viagem de pouco mais de três dias ao Iraque. João Paulo II quis ir lá, há 21 anos, mas o pedido foi rejeitado pelo Governo da época.


A agenda de Francisco inclui obviamente a capital, Bagdad, mas também numerosas outras cidades. Entre elas, cidades martirizadas como Mosul, Qaraqosh e Erbil, onde os cristãos sofreram muito. Nos últimos anos, milhares foram mortos e uma multidão imensa teve de fugir à pressa para salvar a vida, perseguida pelo chamado «Estado Islâmico». Neste momento, restam poucos, do milhão e meio de católicos que havia em 2003, quando Saddam Hussein foi deposto. A primeira intenção do Papa é encorajar os sobreviventes e dizer à igreja do Iraque, tão duramente provada, que não é secundária, que faz parte da Igreja universal.


Outro objectivo é contactar com os muçulmanos e para isso tem encontros ecuménicos e vai à cidade de Najaf falar com o Grande Ayatollah Ali al-Sistani. Espera-se que este encontro produza bons frutos, como aconteceu em 2019 com Ahmed al-Tayeb, o Grande Imã de al-Azhar (Cairo), que subscreveu com o Papa uma declaração histórica acerca da fraternidade humana.

Na região fala-se uma língua próxima da de Nosso Senhor e a cidade de Ur é a origem do povo judeu. Abraão vivia bem instalado na grande Ur dos caldeus quando Deus lhe pediu que se pusesse em marcha, que abandonasse o património e os direitos adquiridos, o apoio da família, as garantias de segurança pessoal e económica e se pusesse a caminho de forma absolutamente singular, como Deus lhe havia de indicar.



Não era só uma questão de coragem, a proposta de se lançar no vazio só fazia sentido na base de uma confiança inabalável em Quem o convidava. Porque Abraão não foi um conquistador, cobiçando mais terras, Abraão será sempre, até ao final dos seus dias, um forasteiro, um vagabundo do espaço aberto em que o deixam habitar. Aproximando-se o fim da vida, compra aos hititas uma sepultura, onde enterra a mulher, Sara, e onde, mais tarde, o enterraram a ele, e depois o filho e as mulheres do filho. Abraão também não é um nómada no sentido habitual. Ele vive sem um chão próprio porque o seu chão é Deus.


Toda a vida de Abraão é um diálogo intenso entre a generosidade de Deus e a generosidade de Abraão.


Sara era estéril e de idade muito avançada, de modo que a família parecia caminhar para a extinção. No entanto, Deus, em quem Abraão confiava, disse-lhe «olha para o Céu e vê se consegues contar as estrelas» e acrescentou: «assim será a tua descendência» (Gen 15, 5). De facto, nasceu Isaac.


Deus pede-lhe então que ofereça Isaac em sacrifício e, mais uma vez, Abraão, mesmo sem compreender o plano de Deus, confia. Sobe com Isaac ao monte Moriá (em Salém, actual Jerusalém) para imolar o filho e aí lhes aparece um Anjo segurando a mão de Abraão e garantindo-lhe, da parte de Deus, uma linhagem numerosa. Renova-se a promessa, cada vez mais ampla:


— «Juro por Mim mesmo —oráculo do Senhor—  (...) que na tua descendência serão abençoados todos os povos da terra, porque obedeceste à minha voz» (Gen 22, 16.18).


As sucessivas alianças de Deus com Abraão são a resposta cada vez mais magnânima de Deus à generosidade cada vez mais completa de Abraão. Olhando em perspectiva a vida deste homem, o próprio Deus reconhece que tem uma espécie de dívida de amor para com ele:


— «Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair de Ur dos Caldeus» (Gen 15, 7).


Este Zigurate, na cidade de Ur dos caldeus, data do IIIº milénio antes de Cristo. Fazia parte de um complexo grandioso de templos e palácios desta enorme cidade.

É nesta Ur dos Caldeus que Francisco irá falar de Jesus Cristo, descendente de Isaac, descendente de Abraão.


As viagens de um Papa são sempre arriscadas, mas esta é mais que todas. A Igreja, de coração apertado, está a acompanhar Francisco e não vamos respirar fundo enquanto o avião não aterrar de novo no aeroporto de Roma. O Papa conta com as orações de todos (Bento XVI anunciou que ficou em casa a rezar por esta importantíssima viagem) e Francisco fez questão de pedir a Nossa Senhora que o acompanhe: como símbolo, leva consigo a imagem de Nossa Senhora do Loreto e, antes de partir, como sempre, foi à basílica de Santa Maria Maior, a mais importante basílica dedicada a Nossa Senhora, deixar o seu destino nas mãos de Maria.

José Maria C.S. André

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