sábado, 4 de janeiro de 2020

Devemos santificar todas as realidades

A tua tarefa de apóstolo é grande e formosa. Estás no ponto de confluência da graça com a liberdade das almas; e assistes ao momento soleníssimo da vida de alguns homens: o seu encontro com Cristo. (Sulco, 219)

Estamos no Natal. Acodem-nos à memória os diversos factos e circunstâncias que rodearam o nascimento do Filho de Deus e o olhar detém-se na gruta de Belém, no lar de Nazaré. Maria, José, Jesus Menino ocupam de modo muito especial o centro do nosso coração. Que diz, que nos ensina a vida, simples e admirável ao mesmo tempo, dessa Sagrada Família?

Entre as muitas considerações que poderíamos fazer, agora quero escolher sobretudo uma. Como refere a Escritura, o nascimento de Jesus significa o início da plenitude dos tempos, o momento escolhido por Deus para manifestar plenamente o seu amor aos homens, entregando-nos o seu próprio Filho. Essa vontade divina realiza-se no meio das circunstâncias mais normais e correntes: uma mulher que dá à luz, uma família, uma casa. A omnipotência divina, o esplendor de Deus passam através das coisas humanas, unem-se às coisas humanas. Desde esse momento, nós, os cristãos, sabemos que, com a graça do Senhor, podemos e devemos santificar todas as realidades sãs da nossa vida. Não há situação terrena, por mais pequena e vulgar que pareça, que não possa ser a ocasião de um encontro com Cristo e uma etapa da nossa caminhada para o Reino dos Céus.

Por isso, não é de estranhar que a Igreja se alegre, que rejubile, contemplando a modesta morada de Jesus, Maria e José. (Cristo que passa, 22)

São Josemaría Escrivá 

O Evangelho de Domingo dia 5 de janeiro de 2020

Tendo nascido Jesus em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que uns Magos vieram do Oriente a Jerusalém, dizendo: «Onde está o rei dos Judeus, que acaba de nascer? Porque nós vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-l'O». Ao ouvir isto, o rei Herodes turbou-se, e toda a Jerusalém com ele. E, convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, perguntou-lhes onde havia de nascer o Messias. Eles disseram-lhe: «Em Belém de Judá, porque assim foi escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que apascentará Israel, Meu povo”». Então Herodes, tendo chamado secretamente os Magos, inquiriu deles cuidadosamente acerca do tempo em que lhes tinha aparecido a estrela; depois, enviando-os a Belém, disse: «Ide, informai-vos bem acerca do Menino, e, quando O encontrardes, comunicai-mo, a fim de que também eu O vá adorar». Tendo ouvido as palavras do rei, eles partiram; e eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando sobre o lugar onde estava o Menino, parou. Vendo novamente a estrela, ficaram possuídos de grandíssima alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, Sua mãe, e, prostrando-se, O adoraram; e, abrindo os seus tesouros ofereceram-Lhe presentes de ouro, incenso e mirra. Em seguida, avisados em sonhos por Deus para não tornarem a Herodes, voltaram para a sua terra por outro caminho.

Mt 2, 1-12

Pois é… há tanta gente a precisar do nosso amor e solidariedade!

Não nos enxotam daqui, sabe? Nem pensar. Aqui estamos protegidos. A polícia olha por nós. Tomámos banho ali na casa de banho. Está ver a entrada para o parque de estacionamento? Do outro lado há uma casa de banho. Eu guardo os meus cartões aqui, os cobertores no fim, entalados, para que não mos roubem. Aqui ninguém rouba, mas, enfim, é uma precaução que não custa. No outro dia - eu não estava, trabalho ali fora a arrumar carros – veio uma equipa da Câmara Municipal de Lisboa. Os meus colegas pensaram que era para nos mandar embora aqui da Gare. Conversaram e deixaram indicações para um centro de reorientação, acho que é assim que lhe chamam. Para quem quiser fazer outra vida. Eu não quero. Não tenciono lá ir. Gosto de estar aqui. É abrigado, não tem correntes de ar. Lá em cima na plataforma faz muito frio e a chuva é terrível. Já sei que a plataforma foi desenhada por um arquitecto famoso. É uma merda na mesma. No Inverno, quem fica na plataforma à espera do comboio farta-se de sofrer. Faz um efeito bonito, à noite, vista à distância. Só isso. Aqui dentro é bom. Temos a polícia por perto. Há sítios muito quentes. No outro dia, montaram aqui uma exposição sobre a Terceira Via do Tejo e comboios de alta velocidade. Fui lá espreitar. Sim, que eu sei ler. Ouvi uns senhores dizer que era preciso tirar os sem-abrigo da Gare do Oriente. Estive quase para perguntar que mal é que lhes fazíamos. Como fervo em pouca água, deixei-me estar. Como é que vim aqui parar? Não tenho família, a minha mulher deixou-me. De repente, a rua pareceu-me o sítio mais certo para estar. A rua é como eu, não tem regras, nem expectativas. Há aqui quem tenha perdido tudo. Quem seja alcoólico ou tenha problemas com drogas. Há gente de Leste e até há casais. Dizem que a Câmara vai passar a ter casas onde os casais podem dormir juntos. Agora que está frio, dormimos todos juntos, apertadinhos. Não é como ter sexo, mas é bom. Uma fotografia para o jornal? Não. Eu ainda tenho a minha dignidade.

(Crónica de Patricia Reis publicada no Semanário Económico de 3 de Janeiro de 2009 - título da responsabilidade do blogue)

A UMA VELHA CRUZ, PERDIDA NUM PALMAR NA VELHA GOA

Imagem não corresponde à Cruz exaltada no poema
Amo-te, ò cruz na solidão perdida,
na sombra de um palmar amortalhada,
erguendo ao alto a fronte mutilada,
já das monções a tês enegrecida.

No silêncio da urbe adormecida,
o crocitar da gralha é gargalhada,
de ti zombando, ó cruz abandonada,
que dia a dia vais perdendo a vida.

Choras, ó cruz? Porquê? Não chores, deixa:
esquece as tuas cãs o teu degredo,
no peito faz calar a amarga queixa.

Morres, sim, mas a Fé que representas,
mais firme que a montanha, que o rochedo,
resistirá a todas as tormentas.

(Parede, Dezembro de 1962)

Luís Filipe Reis Thomaz