domingo, 20 de fevereiro de 2011

Meditação de Francisco Fernández Carvajal

TRATAR BEM A TODOS
– Devemos viver a caridade em qualquer ocasião. Compreensão com os que estão no erro, mas firmeza na verdade e no bem.
– Caridade com os que não nos apreciam. Oração por eles.
– A caridade leva-nos a viver a amizade com um profundo sentido cristão.


I. OUVISTES QUE FOI DITO: Olho por olho e dente por dente. Mas eu vos digo...: àquele que te levar a juízo para tirar-te a túnica, deixa-lhe também o manto; e se alguém te forçar a andar uma milha, vai com ele duas... São palavras de Jesus no Evangelho da Missa1, que nos convidam a viver a caridade para além dos critérios dos homens.
No nosso relacionamento, não podemos ser ingénuos, sem dúvida, e devemos exigir os nossos direitos dentro do que for justo, mas não nos deve parecer excessiva qualquer renúncia ou sacrifício em prol dos outros. Assim nos assemelhamos a Cristo que, com a sua morte na Cruz, nos deu um exemplo de amor acima de toda a medida humana.
O homem não tem nada de tão divino – tão de Cristo – como a mansidão e a paciência na prática do bem2. “Fomentemos aquelas virtudes – aconselha-nos São João Crisóstomo – que, juntamente com a nossa salvação, aproveitam principalmente ao próximo... Nas coisas terrenas, ninguém vive para si próprio: o artesão, o soldado, o lavrador, o comerciante, todos sem excepção contribuem para o bem comum e para o serviço do próximo. Com muito mais razão há de ser assim no terreno espiritual, porque esta é a verdadeira vida. Quem vive só para si e despreza os outros é um ser inútil, não pertence à nossa linhagem”3.
As múltiplas chamadas que o Senhor nos dirige para que vivamos a todo o momento a caridade4, devem estimular-nos a segui-lo de perto com actos concretos, procurando oportunidades de ser úteis, de proporcionar alegrias aos que estão ao nosso lado, sabendo que nunca progrediremos suficientemente nessa virtude. Ao mesmo tempo, consideremos hoje na nossa oração todos esses aspectos em que seria fácil faltarmos à caridade se não estivéssemos vigilantes: juízos precipitados, críticas negativas, faltas de atenção para com os outros por estarmos excessivamente preocupados com os nossos assuntos, esquecimentos que são fruto do desinteresse ou do menosprezo... Não é norma do cristão retribuir olho por olho e dente por dente, mas fazer continuamente o bem, ainda que, por vezes, não obtenha em troca, aqui na terra, nenhum proveito humano. O coração certamente se terá enriquecido.
A caridade leva-nos a compreender, a desculpar, a conviver com todos, de maneira que aqueles que “pensam ou actuam de um modo diferente do nosso em matéria social, política ou mesmo religiosa, devem ser objecto também do nosso respeito e do nosso apreço [...]. Esta caridade e esta benignidade não se devem converter de forma alguma em indiferença no tocante à verdade e ao bem; mais ainda, a própria caridade exige que se anuncie a todos os homens a verdade que salva. Mas é necessário distinguir entre o erro, que sempre deve ser evitado, e o homem que erra, pois este conserva a dignidade da pessoa mesmo quando está dominado por ideias falsas ou insuficientes em matéria religiosa”5.
“Um discípulo de Cristo jamais tratará mal pessoa alguma; ao erro chama erro, mas, a quem está errado, deve corrigi-lo com afecto; senão, não poderá ajudá-lo, não poderá santificá-lo”6, e essa é a maior prova de caridade.
II. O PRECEITO DA CARIDADE não se estende somente àqueles que nos querem e nos tratam bem, mas a todos sem excepção. Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos aborrecem e orai pelos que vos perseguem e caluniam.
Devemos também viver a caridade com aqueles que nos tratam mal, que nos difamam e roubam a honra, que procuram positivamente prejudicar-nos. O Senhor deu-nos exemplo disso na Cruz7, e os discípulos seguiram o mesmo caminho do Mestre8. Ele nos ensinou a não ter inimigos pessoais – como o testemunharam heroicamente os santos de todas as épocas – e a considerar o pecado como o único mal verdadeiro.
A caridade terá diversas manifestações que não se opõem à prudência e à defesa justa, à proclamação da verdade em face da difamação, e à defesa enérgica do bem e dos legítimos interesses pessoais ou do próximo, e dos direitos da Igreja. Mas o cristão deve ter sempre um coração grande para respeitar a todos, mesmo aqueles que se manifestam como inimigos; e deve fazê-lo “não por serem irmãos – diz Santo Agostinho –, mas para que o sejam; para tratar sempre com amor fraterno aquele que já é irmão e aquele que se manifesta como inimigo, a fim de que venha a ser irmão”9.
Este modo de actuar, que exige uma profunda vida de oração, distingue-nos claramente dos pagãos e daqueles que realmente não querem viver como discípulos de Cristo. Pois, se amardes os que vos amam, que recompensa tereis? Também não fazem isso os publicanos? E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis a mais? Também não fazem isso os gentios? A fé cristã pede não apenas um comportamento humano correcto, mas virtudes heróicas.
Com a ajuda da graça, estenderemos, pois, a nossa caridade aos que não se comportam como filhos de Deus, aos que o ofendem, porque “nenhum pecador, enquanto tal, é digno de amor; mas todo o homem, enquanto tal, é digno de ser amado por Deus”10. Todos continuam a ser filhos de Deus e capazes de converter-se e de alcançar a glória eterna.
A caridade incitar-nos-á à oração, à exemplaridade, ao apostolado, à correção fraterna, confiando em que todo o homem é capaz de rectificar os seus erros. Se vez por outra as ofensas, as injúrias, as calúnias forem particularmente dolorosas, pediremos ajuda a Nossa Senhora, que contemplamos frequentemente ao pé da Cruz, sentindo muito de perto todas as infâmias contra o seu Filho: grande parte daquelas injúrias, não o esqueçamos, saíram dos nossos lábios e das nossas acções. Os agravos que nos fazem hão de doer-nos sobretudo pela ofensa a Deus que representam e pelo mal que podem ocasionar a outras pessoas, e hão de mover-nos a desagravar a Deus e a oferecer-lhe toda a reparação que pudermos.
III. O CORAÇÃO DO CRISTÃO tem de ser grande. A sua caridade, evidentemente, deve ser ordenada e, portanto, deve começar pelos mais próximos, pelas pessoas que, por vontade divina, estão à sua volta. No entanto, o seu afecto nunca pode ser excludente ou limitar-se a âmbitos reduzidos. O Senhor não quer um apostolado de horizontes tão estreitos. A atitude do cristão, a sua convivência com todos, deve ser como uma generosa torrente de carinho sobrenatural e de cordialidade humana, que banha tudo à sua passagem.
Pedimos a Deus na nossa oração pessoal que nos dilate o coração; que nos ajude a oferecer sinceramente a nossa amizade a um círculo cada vez mais vasto de pessoas; que nos anime a ampliar constantemente o campo do nosso apostolado, ainda que num caso ou noutro não sejamos correspondidos, ainda que seja necessário enterrarmos frequentemente o nosso próprio eu, ceder nalgum ponto de vista ou nalgum gosto pessoal. A amizade leal exige um esforço positivo – que será alimentado pelo trato assíduo com Jesus Cristo – “por compreender as convicções dos nossos amigos, mesmo que não cheguemos a partilhar delas nem a aceitá-las”11 por não poderem conciliar-se com as nossas convicções de cristãos.
O Senhor não deixa de perdoar as nossas ofensas sempre que voltamos para Ele movidos pela sua graça; tem uma paciência infinita com as nossas mesquinhezes e com os nossos erros; por isso nos pede – e assim nos ensinou expressamente no Pai Nosso – que tenhamos paciência em face de certas situações e circunstâncias que dificultam que os nossos amigos ou conhecidos se aproximem de Deus. A falta de formação e a ignorância da doutrina que as pessoas revelam, os seus defeitos patentes, mesmo a sua aparente indiferença, não nos devem afastar delas, antes hão de ser para nós chamadas positivas, prementes, luzes que indicam uma maior necessidade de ajuda espiritual; hão de ser um estímulo para intensificarmos o nosso interesse por cada uma dessas pessoas e nunca um motivo para nos afastarmos delas.
Formulemos um propósito concreto que nos faça aproximar-nos dos nossos parentes, amigos e conhecidos que estejam espiritualmente mais necessitados, e peçamos graças à Santíssima Virgem para levá-lo a cabo.
(1) Mt 5, 38-48; (2) cfr. São Gregório Nazianzeno, Oração, 17, 9; (3) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 77, 6; (4) cfr. Jo 13, 34-35; 15, 12; (5) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 28; (6) São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 9; (7) cfr. Lc 23, 34; (8) cfr. At 7, 60; (9) Santo Agostinho, Comentário à primeira Epístola de São João, 4, 10, 7; (10) idem, Sobre a doutrina cristã, 1, 27; (11) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 746.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal) 

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