terça-feira, 9 de março de 2010

Alterações climáticas: A vingança dos cépticos

A nova atitude, menos ingénua, na opinião pública, é uma oportunidade para que se imponha moderação na informação sobre o aquecimento da Terra

O tom do debate público acerca das alterações climáticas mudou nitidamente desde que se trouxe à luz a troca de e-mails entre cientistas, guardados na Climate Research Unit (CRU) da Universidade de East Anglia. Vários participantes são luminárias da climatologia, em cujos estudos se baseia uma boa parte das conclusões comummente aceites acerca do aquecimento da Terra, sua origem humana e suas consequências futuras. Mas, algumas mensagens pareciam ocultar dados desfavoráveis e disfarçar cálculos para não dar armas ao "inimigo", os "cépticos do clima", descritos, às vezes, em termos pouco correctos.

Dantes, os especialistas partidários da tese de que o clima está a mudar por efeito da actividade humana - e portanto é necessário consumir menos combustíveis fósseis - tinham todo o crédito, à excepção de uma minoria recalcitrante. Agora, levantado o véu com o roubo e difusão das mensagens (operação, só por si, imoral), foram baixados do pedestal e postos sob suspeita.

Acusações

Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), acaba de ser acusado de conflito de interesses, pelo seu trabalho de assessor para empresas relacionadas com a energia. Ele pessoalmente não é remunerado por essa função no IPCC, mas é pago o Energy and Resources Institute, que fundou e preside, e do qual recebe um salário. Em sua defesa, Pachauri alega que as suas funções no IPCC lhe exigem difundir no sector os estudos do Painel. Os seus críticos sustentam que deveria ter actividade exclusiva e remuneração a cargo da ONU.

Também foram denunciadas duas falsidades no último relatório do IPCC, Climate Change 2007 (publicada em 2008). Uma, o facto de se ter apoiado num estudo que apreciava um aumento das perdas económicas por causa de fenómenos meteorológicos extremos; mas isso era uma conclusão preliminar, que depois os autores não a mantiveram. Outra, é ter subscrito uma previsão, tomada de fonte não académica, de que os glaciares do Himalaia terão desaparecido em 2035. O IPCC reconheceu um erro seu no segundo caso mas, quanto ao primeiro, contrapõe que o relatório não refere o que se lhe atribui.

É curioso que essas revelações em torno do IPCC tenham aparecido agora e, uma a seguir à outra, em menos de um mês, pois nenhuma se refere a assuntos recentes.

Pachauri está à frente do IPCC desde o seu início (2002) e, quando foi nomeado, já estava há vinte anos a trabalhar no seu Instituto. O livro, onde se encontrou a rectificação dos cálculos de perdas económicas, está no mercado há mais de um ano. O erro sobre o Himalaia foi detectado por Georg Kaser, um glaciólogo de Innsbruk, antes de se publicar a informação do IPCC; mas as suas advertências não foram escutadas porque não as enviou pelas vias competentes. Por um lado, as suspeitas levaram alguns a remexer à procura de "roupa suja"; por outro, parece que, antes do caso do e-mail na CRU, ninguém se tenha incomodado em fazer verificações.

Já não é assim. A Universidade de East Anglia empreendeu uma investigação para determinar se realmente os documentos extraídos revelam desvios ou outras más práticas, e encarregou a Royal Society de uma revisão independente dos trabalhos publicados pelos membros da CRU.

Outro dos principais implicados no mesmo caso, o norte-americano Michael Mann, foi investigado e absolvido de manipulação e encobrimento de informação por um comité de ética da sua universidade, a Estatal de Pensilvânia, se bem que um segundo comité o examinará por outra acusação menor: se, pela sua actuação imprudente, causou desprestígio à ciência das alterações climáticas.

As alterações climáticas na opinião pública

De qualquer forma, como vários cientistas se pronunciaram contra as acusações dos cépticos, nem os poucos erros comprovados nem as faltas de ética denunciadas, se na verdade houve alguma, invalidam o consenso maioritário dos especialistas sobre as alterações climáticas, suas causas e previsíveis consequências, reunido na informação do IPCC. No plano científico, tudo continua como dantes.

O que mudou foi o clima. Parece haver em tudo isto uma espécie de vingança dos cépticos, mas também a atitude do público, que dantes não lhes costumava conceder tanto crédito, já é outra. Segundo uma sondagem de Populus, publicada a 7 de Fevereiro, depois do affaire East Anglia, os eleitores britânicos, de acordo com a tese de que se está produzindo uma mudança climática causada pela actividade humana, passaram dos 41% para 26%; os que não acreditam na mudança climática quase já os igualam, pois subiram de 15% para 25%.

Com efeito, não influiu somente a difusão das mensagens roubadas de East Anglia. Um mês antes, uma sondagem do Pew Reasearch Center, nos Estados Unidos, mostrava a seguinte evolução da opinião das pessoas sobre as alterações climáticas, entre Abril de 2008 e Outubro de 2009: a convicção de que existem provas firmes do aquecimento da Terra baixou de 71% para 57%; a de que as temperaturas sobem por causas humanas, de 47% para 36%. No Eurobarómetro publicado em Setembro último, os cidadãos da UE, para quem as alterações climáticas eram o problema mundial mais grave, tinham baixado para 50%, quando estavam nos 62%, um ano antes. Na Austrália, uma averiguação do Lowy Institute revelou, em Julho, que os eleitores dispostos a aceitar "custos significativos" para travar a mudança climática já não passam de 48%, quando em 2006 eram de 68%.

A crise económica tem influência nesta mudança de perspectiva. Mas, provavelmente, também houve uma reacção contra o prolongado matraquear a que foi submetida a opinião pública com afirmações contundentes acerca das alterações climáticas, previsões apocalípticas sobre as suas consequências e receitas radicais para a deter. A partir de 2050, haverá anualmente mais 365.000 mortes por efeito do calor, publicou o IPCC; no século XXI, o nível dos mares subirá 6,1 metros, advertia Al Gore. Foi uma contínua avalanche de números redondos e de juízos sumários, enquanto precauções e atenuantes ficavam sepultadas na letra pequena das informações e dos estudos, não fossem deitar achas na fogueira aos cépticos ou debilitar a adesão do povo simples a esta causa. Assim, os que não subscreviam as certezas proclamadas, chegaram a ser comparados aos que negam o Holocausto.

Regresso da honestidade

Agora, pelo contrário, começa-se a ouvir que a ciência não é infalível, que nela é normal propor e anular hipóteses, com uma modéstia herdada de Popper que dantes não era normal nesta matéria. Num artigo para El País (4-02-2010), o especialista espanhol Cayetano López (Centro de Investigaciones Energéticas, Medioambientales y Tecnológicas), salienta que os dados comprovados acerca das alterações climáticas (evolução da temperatura, da concentração de CO2, dos ciclos vegetativos das plantas, dos glaciares, etc.) continuam válidos. Pelo contrário, acrescenta "as previsões sobre o tempo em que se atingirá determinada temperatura, ou em que se derreterá determinada massa de gelo, ou as inundações ou secas nesta ou naquela região, são discutíveis e estão sujeitas à incerteza própria de um sistema tão complexo como o clima". Portanto, "enganam-se aqueles que insistem em previsões concretas a 50 ou 100 anos de distância, certamente para dar maior ênfase aos perigos potenciais das alterações climáticas, porque não é provável que as mesmas sejam exactas".

Como essa ênfase tem sido tão frequente, hoje em dia, quando as pessoas descobriram que "o rei vai nu", corre-se o risco de atribuir também às observações a incerteza que têm as previsões. Neste inverno boreal, mais agreste que de costume, os cépticos invocam o frio e a copiosa neve como argumento contra as alterações climáticas. Os cientistas contestam que um inverno glacial ou um verão tórrido nada demonstram, nem a favor nem contra, da mudança climática, que é uma tendência de décadas ou melhor, de séculos. Assim é. Mas em Uma verdade inconveniente, Al Gore salienta a extraordinária onda de calor na Europa, no verão de 2003, como sinal de que a Terra está a aquecer e, quantos se adiantaram a desmenti-lo, à excepção dos cépticos? Como na história de Pedro e o Lobo, os que durante anos não quiseram dar contributos, matizando a opinião pública, são os menos indicados para a convencer a partir de agora.

A actual onda de cepticismo pode ser uma boa correcção dos exageros passados, se não se vier a cair no pólo oposto. É preciso transformar a vingança dos cépticos no triunfo da moderação.

Rafael Serrano

Aceprensa

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