Numa das muitas capelinhas destas catacumbas, hoje conhecidas pelo nome de catacumbas de Santa Priscila, existe um fresco com a imagem de Nossa Senhora com o Menino. Os primeiros que exploraram este mundo novo compreenderam imediatamente a raridade e importância do achado: este fresco é a mais antiga representação de Nossa Senhora que chegou até nós.
Em 1992, as intervenções de limpeza e consolidação do fresco, permitiram datá-lo com rigor, entre os anos 130 e 140 depois de Cristo. Alguns outros frescos da mesma zona, de tema cristológico, também são desta data, nomeadamente a imagem de Cristo Bom Pastor, com uma ovelha aos ombros. Em paredes próximas, há representações de defuntos, pintadas por volta do ano 160, durante os anos mais terríveis da perseguição de Diocleciano.
Neste fresco, por cima da figura de Maria com o Menino, situa-se uma estrela e, ao lado de Nossa Senhora, uma figura masculina, de pé, a apontar a estrela. Desde o princípio, essa personagem foi identificada como S. José, atribuição que prevaleceu até ao século XIX, quando começaram a multiplicar-se as teorias. Ninguém se lembraria de pintar S. José num presépio! Concluiu-se assim que o homem a apontar a estrela deveria ser um profeta do Antigo Testamento, a indicar com o gesto que o Messias seria a Luz do Mundo. É essa, hoje, a convicção dos especialistas.
Seguindo este raciocínio, Giovanni Battista de Rossi concluiu que esse profeta era Isaías, que fala do Messias como Luz do Mundo. Pelo contrário, Raffaelle Garrucci pensou que o profeta seria Balaão, que também fala na estrela. Joseph Wilpert voltou a Isaías, embora citando uma passagem diferente da de Rossi, mas depois reviu a teoria e considerou que afinal o Profeta seria Miqueias, que também fala na estrela. Giorgio Otranto pensou que a enigmática figura seria o Rei David, que se refere à estrela nos seus salmos. As hipóteses sucedem-se, porque muitos profetas mencionam a estrela e anunciam o Messias como Luz do Mundo. Quando já parecia impossível propor ideias novas, Pasquale Testini desenterrou mais uma: a figura seria a personificação colectiva de todos os profetas e não um deles em particular.
Chegados a este ponto, as alternativas parecem esgotadas, para quem sonhe em imortalizar o seu nome com uma hipótese original. A não ser... Sim! Que, em vez de procurar no Antigo Testamento, olhemos para os Evangelhos: os Reis Magos! Óbvio! Como é que ninguém se lembrou? Infelizmente, a ideia não é inteiramente original, porque houve quem dissesse que os Reis Magos estavam implícitos, ocupando a posição do espectador, a olharem o profeta apontar a estrela de Belém para que, seguindo-a, encontrassem Maria com o Menino. Resta-nos Zacarias, pai de João Baptista, que aclama o Messias que «há-de iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e dirigir os nossos passos no caminho da paz» (Lc 1, 68), ou os Pastores que viram uma grande claridade, ou Simeão que louva Deus pelo Menino, «luz para iluminar as nações» (Lc 2, 28), ou... Há ainda esperança para uma proposta original?
Desisto. Os que nasceram primeiro esgotaram as possibilidades.
Que pena, não sermos nós a descobrirmos quem acompanha a mais antiga imagem de Nossa Senhora. Decerto ficaríamos célebres e talvez ricos. Porque é uma imagem a vários títulos invulgar. Uma imagem simultaneamente arcaica e cheia de movimento, com o Menino irrequieto a saltar do colo da Mãe. Uma imagem com o sabor do tempo dos Mártires, que morreram confiantes em que o Jesus Menino vale mais que o Imperador. Mas é inútil, já se exploraram todas as alternativas.
Por mim, está decidido. É S. José quem aponta a Luz do Mundo nas catacumbas de Priscila. Por alguma coisa, o Papa dedicou este ano ao santo Patriarca.
José Maria C.S. André