— «Meditar é uma necessidade de
todos. Meditar, por assim dizer, assemelha-se a parar e a dar um respiro à vida»
(28-IV-2021).
Todos concordarão que respirar é
importante. O que faz pensar é o que o Papa se distancie um pouco deste objectivo
tão consensual:
— «No entanto, quando é aceite no
contexto cristão, a palavra meditação assume uma especificidade que não deve
ser posta de parte».
Alguns destes aspectos peculiares
da oração cristã são de tal maneira próprios que não são partilhados por mais
nenhuma religião. Na última quarta-feira, o Papa referiu um destes elementos
centrais:
— «O cristão entra na meditação
pela porta de Jesus Cristo».
Quem participa na Eucaristia ou
assiste a alguma cerimónia litúrgica terá reparado que todas as orações ditas
pelo celebrante se dirigem a Deus Pai ou ao Espírito Santo. E todas são ditas
em nome de Jesus Cristo. Isto significa que o cristão que reza toma o lugar de
Cristo ao falar com Deus Pai ou com o Espírito Santo e é por essa identificação
que se atreve a interpelar Deus com toda a confiança.
O primeiro passo para rezar de
maneira cristã é tomar consciência daquilo que a Igreja chama a nossa «filiação
divina», que não é uma dignidade comum a todas as criaturas. O Baptismo
transforma-nos em Jesus Cristo e, portanto, em filhos de Deus, tal como Cristo
é Filho de Deus Pai. Há uma diferença, claro, mas há sobretudo uma verdade que
ultrapassa tudo o que a humanidade poderia alguma vez imaginar: pelo Baptismo,
participamos realmente da divindade de Cristo. Não da divindade de Deus Pai ou
do Espírito Santo: somos configurados com Cristo, levantados acima da nossa
natureza de meras criaturas e tornamo-nos participantes da filiação divina de
Jesus.
É este o sentido, por exemplo, deste texto de S. Pedro: «O divino poder [de Cristo] (...) alcançou-nos os preciosos e maiores bens prometidos, para que chegásseis a ser participantes da natureza divina» (II Pe 1, 3-4).
— «Quando o cristão reza, não
aspira à plena transparência de si, não procura o núcleo mais profundo do seu eu.
(...) A oração do cristão é, antes de mais, um encontro com o Outro, com “O”
maiúsculo, o encontro transcendente com Deus».
O Papa citou diversas vezes o
Catecismo para insistir neste ponto. «o importante é avançar, com o Espírito
Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus» (Catecismo da Igreja Católica, 2707).
Outro elemento específico da
oração cristã consiste na intensidade do empenho, porque «é um acto total da
pessoa: não reza apenas a mente, reza o homem todo, a totalidade da pessoa,
assim como não reza só o sentimento. O Catecismo especifica: “A meditação põe
em acção o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo”» — diz o Papa.
Afinal, há aqui um paradoxo
porque, quando desistimos de nos buscar a nós próprios e procuramos Deus com
todas as forças, descobrimos quem somos. Disse-o o Papa nesta quarta-feira: «Para
nós cristãos, meditar é um modo de encontrar Jesus. E assim, só assim, de nos
encontrarmos a nós mesmos. (...) Nele, encontramo-nos a nós mesmos».
José Maria C.S. André