sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

21 mortos na praia

Na segunda-feira, 15 de Fevereiro, o Papa difundiu uma vídeo-mensagem em memória dos 21 mártires coptas assassinados pelo ISIS na Líbia há seis anos (15 de Fevereiro de 2015).



Eram gente normal, que tinha ido para aquele país trabalhar e sustentar a família, e que, confrontados com a brutalidade do ISIS, se mantiveram fiéis até ao fim e morreram exclamando «Senhor Jesus!». Mais precisamente, na sua língua, o árabe: «Ya Rabbi Yassou!» — viva o Rabi Jesus!



O ISIS (iniciais de «Islamic State of Iraq and Syria») é uma organização terrorista constituída na sequência da invasão do Iraque em 2003 que, por sua vez, foi uma resposta aos atentados de 2001 contra as Torres Gémeas nos EUA. Os 21 trabalhadores mortos, a maior parte originários de uma pequena aldeia do Egipto, foram apanhados nesta espiral de vinganças e acabaram decapitados à vista de todo o mundo. De facto, os executores quiseram dar publicidade à sua façanha: alinharam as vítimas na praia de Sirte, amarrados e ajoelhados, e transmitiram a cena para todo o mundo. A um deles, da África Ocidental, ofereceram com insistência a liberdade se renegasse a fé, mas ele respondeu calmamente que era cristão. Hoje em dia, pode assistir-se a um martírio pela internet...


Na vídeo-mensagem de segunda-feira, Francisco abriu o coração, falando sem papéis. Referiu a brutalidade do ISIS mas apenas para sublinhar a fé dos que deram a vida por Cristo. A Igreja não guarda uma lista de agravos, mas cuida com amor da memória dos que são fiéis. Agradece a Deus o dom desta lealdade e confia em que os amigos que temos no Céu nos aproximem cada vez mais de Deus. Disse o Papa:


— «Agradeço a Deus ter-nos dado estes irmãos corajosos. Agradeço ao Espírito Santo que lhes deu a força e a coerência de confessarem Jesus Cristo até darem o sangue por Ele».


— «Agradeço às mães destes 21 homens que “aleitaram” a sua fé: são as mães do povo santo de Deus que transmitem a fé “em dialecto próprio”, um dialecto que está para além das línguas, o dialecto das pertenças».


O Patriarca copto ortodoxo Tawadros II e o Primado anglicano Justin Welby quiseram juntar-se ao Papa na comemoração destes 21 mártires, porque há um atractivo extraordinário na rectidão dos mártires, que ultrapassa as diferenças doutrinais e nos une apesar delas. João Paulo II falou magistralmente deste poder de convicção na sua Encíclica «Fides et ratio». E várias vezes, João Paulo II afirmou que «o testemunho daqueles que confessaram Cristo até derramarem o seu sangue por Ele se tornou um património comum dos católicos, ortodoxos, anglicanos e protestantes» (Carta apostólica «Tertio millennio adveniente», 37).


Na vídeo-mensagem, Francisco disse que os 21 mártires da Líbia «são santos nossos, santos de todos os cristãos, santos de todas as confissões e tradições cristãs». Referindo-se a uma imagem do livro do Apocalipse, acrescentou: «Eles lavaram de branco a sua vida com o sangue do Cordeiro, pertencem ao povo de Deus, ao povo fiel de Deus».


O facto de serem coptos, uma comunidade cristã não inteiramente unida à Igreja católica, não nos impede de os sentir como próprios e de os tomar como exemplo. Talvez por isso, o Papa tenha querido manifestar a sua proximidade com «o santo povo fiel de Deus que, na sua simplicidade, com a sua coerência e com as suas incoerências, com as graças e os pecados, mantém a confissão de Jesus Cristo». Sim, porque realmente este povo santo tem as suas coerências e incoerências, as suas graças e pecados: junta a fragilidade humana com o fruto da acção divina.


Ao canonizar os mártires do Uganda em 1964, Paulo VI quis lembrar que morreram juntamente católicos e anglicanos. João Paulo II sublinhou o mesmo, quando visitou os santuários católico e anglicano de Namugongo e, mais recentemente, Francisco, quando lá esteve. Estes mártires realizam um fecundo «ecumenismo do sangue».


Os mártires ugandeses, que morreram por rejeitarem os convites impuros de um rei homossexual, têm alguma relação com o nosso presente: como o tribunal deu razão à família de Famalicão, que não quer que os filhos sejam sexualmente doutrinados pela escola, o Governo recorreu da sentença, para que, se os pais mantiverem a sua posição, os filhos tenham de recuar três anos na escola. Crianças que tiveram a classificação máxima em todas as disciplinas, exceptuando esta!

José Maria C.S. André

domingo, 14 de fevereiro de 2021

14 de fevereiro no Opus Dei - grande surpresa e alegria

Em 14 de Fevereiro de 1930, estando São Josemaría em Madrid, compreendeu, enquanto celebrava a Santa Missa, que devia começar o trabalho do Opus Dei com mulheres. Em 1943, recebe uma luz de Deus para resolver a incardinação de sacerdotes no Opus Dei, provenientes dos leigos já incorporados à Obra: nasce assim a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.

"A fundação do Opus Dei saiu sem mim; a Secção de mulheres, contra a minha opinião pessoal, e a Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, querendo eu encontrá-la e não a encontrando. Também durante a Missa. Sem milagrices: providência ordinária de Deus. Para mim é tanto milagre o nascer e o por do sol todos os dias como se se detivesse".

"Se – em 1928 – tivesse sabido aquilo que me esperava - comentava muitos anos mais tarde -, teria morrido. Mas Deus Nosso Senhor tratou-me como a um menino: não me apresentou de uma só vez o peso todo e foi-me levando para diante, a pouco e pouco…. A um menino pequeno não se lhe dão quatro encargos de uma vez. Dá-se-lhe primeiro um, e depois outro, e outro mais quando já fez o anterior. Já vistes como uma criança brinca com o seu pai? O menino tem uns pedaços de madeira, de formas e cores diversos... E o seu pai vai-lhe dizendo: põe este aqui, e esse ali, e aquele encarnado mais além... E no fim – um castelo!"

14 DE FEVEREIRO DE 1930
Desde el 14 de Fevereiro de 1930, Mons. Escrivá de Balaguer pôs-se a trabalhar, para iniciar a Secção Feminina do Opus Dei. O seu trabalho foi mais lento porque, por delicadeza e prudência, não podia ter, com as mulheres que se sentiram atraídas pela mensagem da Obra, a relação constante e contínua que tinha com os homens (e assim seria sempre: concretamente, jamais viveu num Centro da Secção de mulheres).

A primeira: María Ignacia García Escobar

No entanto, atendeu sacerdotalmente, com um zelo extraordinário María Ignacia García Escobar, uma das primeiras associadas do Opus Dei, que faleceu no Hospital do Rei a 13 de Setembro de 1933, de uma maneira verdadeiramente santa. Sofreu muito, porque sofria de tuberculose intestinal e teve que fazer várias operações. É emocionante ler os cadernos que María Ignacia escreveu naquele hospital de incuráveis, com um estilo que recorda a mais clássica literatura espiritual espanhola. Tinha pedido a admissão na Obra a 9 de Abril de 1932 –"uma nova era de Amor", anota no seu caderno dois dias mais tarde –, mas antes dessa data estava a oferecer pela intenção do Pe. Josemaría a sua febre, as suas múltiplas moléstias, as suas intensas dores que, por exemplo, lhe impediam escrever durante semanas seguidas. María Escobar teve consciência certa de estar a fazer a Obra de Deus na sua cama do hospital: "É necessário colocar bons alicerces. Para isso, procuremos que estes alicerces sejam de granito, não nos aconteça o que aconteceu àquele edifício de que fala o Evangelho, que foi edificado em areia. Os alicerces antes demais; depois, virá o resto"...

14 DE FEVEREIRO DE 1943
Tinha a certeza sobrenatural de que os sacerdotes deviam proceder dos seculares da própria Obra, mas não sabia como resolver os graves problemas jurídicos que isso apresentava. A sua oração de anos foi escutada.

Também para sacerdotes diocesanos

Na alma de São Josemaría houve, durante anos, uma inquietação sobrenatural: e os sacerdotes diocesanos: como poderiam fazer parte do Opus Dei? De novo se colocavam problemas de carácter canónico difíceis de resolver... O seu amor e vontade de servir os seus irmãos sacerdotes era tão forte e as dificuldades jurídicas pareciam tão insuperáveis naquele tempo que, por volta do ano 1950 pensou iniciar uma nova fundação que prestasse aos sacerdotes uma assistência espiritual adequada.

Isso não foi necessário, o Senhor inspirou-lhe de novo que também os sacerdotes diocesanos podiam fazer parte da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, mantendo a sua dependência exclusiva do Bispo da diocese em que estivessem incardinados.

(Fonte: site São Josemaría Escrivá em http://www.pt.josemariaescriva.info/artigo/14-de-fevereiro3a-grande-surpresa-e-alegria)

sábado, 6 de fevereiro de 2021

10 Razões civis contra a Eutanásia | D. José Tolentino de Mendonça


1. A vida tem, desde o seu princípio ao seu fim natural, a mesma dignidade absoluta que deve ser salvaguardada e protegida. Os grandes textos civis e sagrados, médicos e filosóficos que são a matriz das nossas sociedades, e formam a nossa consciência moral, recordam-no incessantemente. Ir contra o primado da vida é atentar contra a humanidade de todos os seres humanos.


2. Não é o primado da vida que tem de estar sujeito às circunstâncias (económicas, políticas, culturais, etc.) de cada tempo, mas sim as circunstâncias que devem estar ao serviço incondicional do primado da vida. A verdadeira missão que compete à política é o suporte infatigável à vida.


3. Nenhuma vida vale mais do que outra. Nenhuma vida vale menos. A vida dos fracos vale tanto como a dos fortes. A vida dos pobres vale o mesmo que a dos poderosos. A vida dos doentes tem um valor idêntico à vida dos saudáveis. Passar a ideia de que há vidas que, em determinadas situações, podem valer menos do que outras é um princípio que conflitua com os valores universais que nos regem.


4. O sofrimento humano é uma realidade do percurso pessoal, que pode atingir formas devastadoras, é verdade. Mas o próprio respeito devido ao sofrimento dos outros e ao nosso deve fazer-nos considerar duas coisas: 1) que temos de recorrer aos instrumentos médicos e paliativos ao nosso alcance para minorar a dor; 2) que temos de reconhecer que o sofrimento é vivido de modo diferente quando é acompanhado com amor e agrava-se quando é abandonado à solidão. É fundamental dizer, por palavras e gestos, que “nenhum homem é uma ilha”.


5. Recordo o que me contou, emocionada, uma voluntária que trabalha há anos numa unidade oncológica: “O que me faz mais impressão é o número de pessoas que morrem completamente sós.” Devia-nos impressionar a todos a desproteção familiar e social que tantos dos nossos contemporâneos experimentam precisamente na hora em que se deveriam sentir sustentados pela presença e pelo amor dos seus. A solução não é avançar para medidas extremas como a eutanásia, mas inspirar modelos de maior coesão, favorecendo práticas solidárias em vez de deixar correr a indiferença e o descarte.


6. Por trás da vontade de morrer subjaz sempre uma vontade ainda maior de viver, que não podemos não ouvir. Claro que a vida dá trabalho. Que o serviço à vida frágil, à vida na sua nudez implica muitos sacrifícios e uma dedicação que parece maior do que as nossas forças. Mas coisa nenhuma é mais elevada do que essa. Talvez em vez dos heróis que sonambulamente festejamos, as nossas sociedades deveriam colocar os olhos no verdadeiro heroísmo: o heroísmo daqueles que enfrentam o caminho do sofrimento; o heroísmo daqueles que se dedicam ao cuidado dos outros como testemunhas de um amor incondicional.


7. As nossas sociedades têm de se perguntar se já fizeram tudo o que podiam fazer para promover e amparar a vida, sobretudo a daqueles que são mais frágeis.


8. Os paradigmas de felicidade da sociedade de consumo são paraísos artificiais talhados à medida do indivíduo, que passa a preocupar-se apenas por si mesmo e que se apresenta como o seu começo e o seu fim. Em nome dessa felicidade assiste-se facilmente ao triunfo do egoísmo. Porém, a pergunta ancestral “onde está o teu irmão?” será sempre um limiar inescusável na construção da felicidade autêntica.



9. Àqueles que, movidos pelos melhores sentimentos, veem na eutanásia um passo em frente da nossa civilização recomendo a leitura do conto de James Salter intitulado “A Última Noite” (Porto Editora, 2016). Tem razão quem escreveu que a literatura é uma lente para olhar o humano.


10. Diga-se o que se disser, a vida é a coisa mais bela.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

O preço da santidade


No dia 21 de Janeiro, com o decreto de reconhecimento das virtudes heróicas, o Papa Francisco deu um passo decisivo para a canonização do Prof. Jérôme Lejeune, o mais importante geneticista do século XX.


O elemento essencial de um processo de canonização é este reconhecimento de que a pessoa é santa, no sentido mais forte da expressão. Para o averiguar, equipas de especialistas da diocese e da Santa Sé levam a cabo uma investigação histórica muito completa. Se a pessoa tem grandes qualidades, mas não se distinguiu por uma santidade «heróica», como lhe chama a Santa Sé, o processo termina logo. Se a investigação evidencia uma dedicação verdadeiramente extraordinária, a Deus e aos outros, o Papa, apoiado no parecer de várias equipas de consultores, manda publicar o decreto das virtudes heróicas e o processo de canonização segue para a fase final.


Embora Jérôme Lejeune tenha sido um dos cientistas mais brilhantes do século XX e o mais destacado no campo da genética médica, esse aspecto não foi directamente tido em conta na análise das suas virtudes. Por exemplo, a sua inteligência extraordinária não o ajudou e teria sido um obstáculo para concluir positivamente o processo se ele tivesse sido preguiçoso e não a tivesse feito render devidamente. Igualmente, essa capacidade intelectual seria um obstáculo se o tivesse levado ao orgulho.


O processo histórico que analisou as virtudes heróicas de Jérôme Lejeune também não se apoia no facto de ele ter sido duramente perseguido e prejudicado na sua carreira profissional pelos interesses ligados ao aborto. O facto de alguém ser vítima de grandes injustiças não implica santidade e pode até deixar nela algum rancor. Neste caso, ficou demonstrado que os atropelos de que este cientista extraordinário foi vítima não o transformaram numa pessoa amarga ou ressentida.


Depois dos mártires do nazismo e do comunismo, a indústria do aborto foi talvez a maior causa de injustiças e de obstáculos ao progresso da ciência em todo o século XX. Também em Portugal, os abortistas fanáticos conseguiram expulsar dos hospitais do Estado vários médicos que se recusaram a colaborar com o aborto e, noutros países, cientistas de grande categoria foram igualmente perseguidos.


Causar a morte deveria repugnar, por isso muitas pessoas pensam que há qualquer coisa de demoníaco nesta atracção pelo aborto, pela tortura e, mais recentemente, pela eutanásia. Independentemente do papel que o demónio possa ter nesta atracção depravada, não podemos esquecer que o aborto junta o interesse económico dos capitalistas sem escrúpulos com a cultura do sexo promovida pelas correntes políticas decadentes: o resultado é a catástrofe ética a que assistimos nalgumas sociedades ocidentais.



O Papa escolheu o dia 21 de Janeiro para ordenar a publicação do decreto das virtudes heróicas do Prof. Jérôme Lejeune por ser o aniversário da descoberta do mistério da Trissomia 21 (também conhecida como síndrome de Down, ou mongolismo), um dos mais extraordinários êxitos científicos de Lejeune.

Num primeiro momento, as descobertas científicas do Prof. Lejeune geraram entusiasmo por todo o mundo mas, quando se soube que ele rejeitava a morte de crianças e de adultos, o «lobby» abortista entrou em acção. Perseguido pelos Governos de direita e por interesses capitalistas corruptos, ameaçado de morte pelos revolucionários que pretendiam generalizar o aborto, Jérôme Lejeune não cedeu.


No seu caso, a santidade teve um preço muito elevado, mas Lejeune nunca cedeu.


Por contraste, a sua vida deixou um fruto imenso. Tratou milhares de doentes, chegados à sua consulta vindos de todo o mundo. Ficaram para a posteridade as suas descobertas científicas notáveis. Deixou uma inspiração forte a todos aqueles que têm de defrontar os interesses obscuros da cultura da morte. E, melhor que tudo isso (é essa a opinião do Papa Francisco) Lejeune reza intensamente por todos nós junto de Deus.

José Maria C.S. André