A abstinência é uma decisão demasiado enigmática para uma sociedade que se diz disposta a compreender todo o campo das variantes sexuais
A nossa época, que aceita todas as inclinações sexuais, mostra-se estranhamente intolerante com o celibato sacerdotal. Num mundo em que já não faz falta militar a favor ou contra uma ou outra orientação amorosa, há gente empenhada em acabar com o celibato dos sacerdotes, como se pusesse em risco a sua própria liberdade. Parece que a abstinência é uma decisão demasiado enigmática para uma sociedade que se diz disposta a compreender tudo no campo das variantes sexuais.
Como proibi-lo seria repressivo, diz-se que o celibato deveria ser opcional. O que não deixa de ser um contra-senso. Pode-se estar a favor ou contra o celibato sacerdotal, mas declará-lo opcional é uma cortina de fumo. O celibato é sempre opcional, pois não se obriga ninguém a ser sacerdote ou religioso; cada um se apresenta como candidato a esse estilo de vida e é aceite ou não pela Igreja. Do mesmo modo que ninguém está obrigado a casar-se - seja leigo ou sacerdote, homem ou mulher, católico ou budista -, deixar que o celibato sacerdotal seja opcional é o mesmo que suprimi-lo, porque então o sacerdote fica na mesma situação de qualquer outra pessoa.
Também se teria de ter em conta que muitas outras pessoas se vêem "obrigadas" a viver em situações similares ao celibato, embora não o escolham. Nem todas as pessoas vivem em casal. Em Espanha, segundo o Censo de Poblation y Viviendas de 2001 (o último disponível), 22% dos lares eram unipessoais, ou de um adulto só com crianças. Se excluirmos os lares unipessoais de maiores de 65 anos, restam-nos 12,7% (quase 1,8 milhões de pessoas) onde não há um casal. E, dado o contínuo aumento do número de rupturas matrimoniais (umas 120.000 por ano), os lares sem casal devem ter ido crescendo desde 2001. Perante estes números de "descasalados", os 20.000 sacerdotes e 56.000 religiosas e religiosos espanhóis são apenas uma minoria.
Evidentemente, uma coisa é viver sem parceiro e outra é fazer voto de castidade. Mas, no conjunto, é muito mais provável que os que estão nessa situação durmam sós do que acompanhados.
Vidas com sentido
Então, o celibato (sacerdotal ou civil) não deveria ser visto como um modo de vida estranho nem infrutuoso. De facto, para não poucas pessoas o celibato - escolhido ou aceito - foi o modo de vida que lhes permitiu desenvolver potencialidades insuspeitadas.
E não só o celibato por motivos religiosos. A Primeira Grande Guerra fez com que 1,7 milhões de britânicas ficassem sem contemporâneos com quem casar. Mulheres em plena juventude, que haviam sido educadas para o matrimónio, e que tiveram de refazer as suas vidas. A sua reacção está magnificamente descrita no livro de Virgínia Nicholson, Ellas solas (cfr. www.aceprensa.com, 17-03-09). Essas mulheres que não puderam casar-se começaram a fazer coisas insólitas no ambiente vitoriano: saíram em busca de trabalho; viveram por sua conta; tornaram-se financeiramente independentes; pediram o voto feminino; lutaram pelos direitos das trabalhadoras; promoveram actividades culturais, eclesiásticas e de beneficência... Souberam dar um sentido à sua vida com um valor e uma liberdade que dificilmente lhes teria permitido o casamento daquela época.
Essa entrega aos outros é justamente o que surpreende a nossa sociedade, quando se encontra perante a figura do missionário, que não abandona o seu posto em situações de conflito, do sacerdote que tem um título universitário e opta por servir uma comunidade sem chegar sequer a receber mil euros, ou de uma religiosa como a Madre Teresa de Calcutá que só ia acompanhada por alguma das suas monjas para ir cuidar dos pobres. Se tivessem uma família própria, nada disso seria possível.
E, sem ser preciso recorrer a dedicações especiais, todos sabemos o que representa em muitas famílias a presença dessa tia solteira, que tem a sua vida própria, mas também está disposta a dar uma mão, a suavizar tensões, a intervir em conflitos e orientar os mais novos.
O importante, tanto no celibato sacerdotal como no civil, é o sentido que se dá à vida. Certamente ninguém vai para o seminário apenas com o propósito de viver o celibato. Essa renúncia, que o é sem dúvida, está ao serviço de uma maior liberdade para amar Jesus Cristo e servir a Igreja e os fiéis. A abstinência das relações sexuais não supõe, de maneira alguma, que o sacerdote negue a sua sexualidade, mas que a viva com liberdade dentro de um estilo de vida que deve estar cheio de sentido transcendente.
Quando se perde de vista este sentido, como acontece em muitos sectores da sociedade actual, a opção do celibato torna-se opaca. Olha-se com cepticismo que Deus possa encher o coração e, pelo contrário, pensa-se que uma mulher o conseguiria por inteiro e para sempre; fala-se do ideal do sacerdote casado como se ele fosse viver em plena lua-de-mel e constituir a família exemplar que iluminaria os fiéis. Mas depois do sacerdote casado poderia vir o sacerdote divorciado.
Um sim incondicional
A razão mais profunda do celibato sacerdotal não se reduz à maior disponibilidade que permite. É um testemunho de que "só Deus preenche", e por isso desconcerta aqueles que vêem as coisas apenas com visão humana. Bento XVI dizia há pouco, no encerramento do Ano Sacerdotal: "para o mundo agnóstico, o mundo com o qual Deus não tem nada a ver, o celibato é um grande escândalo, porque mostra precisamente que Deus é considerado e vivido como realidade".
Também observava que esta crítica permanente contra o celibato pode surpreender, numa época em que está cada vez mais na moda não casar. Mas esse tipo de celibato não tem muito a ver com os motivos do celibato sacerdotal. " Este ‘celibato moderno' - dizia Bento XVI - é um ‘não' à definitividade, um ter a vida só para si mesmo. Por outro lado, o celibato é precisamente o contrário: é um ‘sim' definitivo, é um deixar-se conduzir por Deus, entregar-se nas mãos do Senhor". Por isso, tão radical é hoje o celibato por motivos religiosos, como o casamento entendido como uma união indissolúvel, por cima das contingências da vida e dos altos e baixos dos sentimentos.
Este desafio do celibato por Deus é o que incomoda os que gostariam que a mensagem da Igreja se diluísse cada vez mais, conforme aos critérios da sociedade actual. Nietzsche observou-o com perspicácia para o combater: "Lutero devolveu ao sacerdote a relação sexual com a mulher, mas três quartos da veneração de que o povo é capaz baseia-se na crença de que um homem excepcional neste ponto sê-lo-á também noutros pontos. E aqui tem a fé do povo em algo sobre-humano no homem, seu advogado mais subtil e capcioso"(1).
Mas o excepcional não está no homem, como também se põe de manifesto nos casos em que o sacerdote falha. O extraordinário é que continua a haver candidatos a esse "sim" definitivo. A nossa sociedade, tão zelosa do "livre desenvolvimento da personalidade" deveria respeitá-lo.
NOTAS
(1) Fr. Nietzsche, Die fröhliche Wissenschaft, Leipzig, 1887, p. 295. Citado por Juan Bautista Torelló en El celibato sacerdotal, EUNSA, Pamplona (2010) pg. 205.
Assinado por Ignacio Aréchaga
Aceprensa