sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Às quatro da tarde

O Papa Francisco enviou uma mensagem aos jovens reunidos esta semana em Medjugorje falando-lhes da possibilidade de que Deus tenha alguma coisa para lhes dizer, como aconteceu a dois discípulos, num dia preciso, às quatro da tarde.

Vários poetas exploraram o mistério das quatro da tarde. O aviador Antoine de Saint-Exupéry escolheu essa hora como referência da amizade:

– «Se vens, por exemplo, às quatro da tarde, a partir das três começarei a ser feliz. À medida que a hora se aproximar, sentir-me-ei mais feliz. E às quatro, agitar-me-ei e inquietarei; descobrirei o preço da felicidade!».

As cinco da tarde também marcaram a literatura, num sentido diferente. García Lorca celebrizou as cinco horas da tarde no poema dramático do toureiro (Ignacio Sánchez Mejías) que morre «a las cinco de la tarde», como repete o refrão. Os cornos do touro rasgaram a carne e a angústia da morte chega inevitável: «¡Ay qué terribles cinco de la tarde! ¡Eran las cinco en todos los relojes! ¡Eran las cinco en sombra de la tarde!».

Vai uma grande distância entre o fuso horário da amizade feliz de Saint-Exupéry e o da amizade atormentada do poema de Lorca. Não é só uma hora de diferença, os dois episódios estão nos antípodas, como se o relógio de cada um deles avançasse em direcções opostas.

Como o texto de Saint-Exupéry, a mensagem do Papa refere-se às quatro da tarde, à hora a que irrompe a vida e começa o amor. Só o contraste recorda uma existência adiada, à espera da morte fatídica, às cinco da tarde.

O encontro de Medjugorje (1 a 6 de Agosto) foi acerca do momento único em que Deus se mete directamente na vida de alguém. Com um sobressalto, a pessoa descobre o caminho que Deus lhe propõe para a vida. O chamamento apanha-a talvez de surpresa, como uma amizade que desemboca inesperadamente num pedido de casamento ou numa proposta de grande alcance. Sim? Não? A vida fica pendente daquele momento decisivo.

A vocação depende da iniciativa de Deus, mas também da atenção de quem escuta. Depois, a coragem da resposta marca definitivamente a vida inteira, abrindo um horizonte insuspeitado. O chamamento de Deus desvenda, de forma nova, um abismo de amor e a pessoa decide fiar-se, dar um salto para os braços de Deus. Não há aventura mais intensa.

A mensagem do Papa lembra os dois discípulos que, vendo João Baptista apontar o Messias, começaram a seguir Jesus. Voltando-se, Jesus pergunta-lhes: «Que procurais?». Disseram-lhe: «Mestre, onde moras?». «Vinde e vede».
Toda a mensagem do Papa gira à volta desta resposta, «vinde e vede», que é o começo de uma história impossível de prever. Os dois discípulos de João Baptista acompanharam Jesus e ficaram com Ele aquele dia. «Eram as quatro da tarde» (Jo 1, 39). Muitas décadas depois, quando João escreve o seu Evangelho, o encontro conserva no seu coração a emoção do primeiro instante e ele lembra-se muito concretamente de quando Jesus lhe disse «vinde e vede» naquele dia preciso, às quatro da tarde.

Passaram esta semana 75 anos sobre as explosões atómicas de Hiroshima e Nagasaki, a primeira às oito da manhã de 6 de Agosto, a segunda às onze da manhã de 9 de Agosto. Morreram centenas de milhar de pessoas sem função militar, em particular quase todos os católicos japoneses, porque a maioria dos católicos vivia nestas duas cidades. A localização geográfica, no ponto de chegada das naus europeias que viajavam para o Japão, foi a razão de Hiroshima e Nagasaki terem sido as primeiras cidades a ser evangelizadas. A sua localização e as circunstâncias meteorológicas de há 75 anos ditaram que fossem também elas a sofrer o castigo exemplar infligido ao Japão por ter desencadeado a guerra.

A violência das explosões esmagou os relógios de Hiroshima e Nagasaki à hora precisa das explosões mas, por mais que a morte violenta possa ficar registada a determinada hora, nada se compara com o momento maravilhoso em que a pessoa é visitada pelo amor, um amor que decide a vida. Aconteceu a João, lembra o Papa, às quatro da tarde.
José Maria C.S. André

Não te fias em nada de ti, e te fias em tudo de Deus

Nunca te tinhas sentido tão livre, libérrimo, como agora que a tua liberdade está tecida de amor e desprendimento, de segurança e insegurança, porque já não te fias em nada de ti, e te fias em tudo de Deus. (Sulco, 787)

O amor de Deus é ciumento; não fica satisfeito, se nos apresentarmos com condições no encontro marcado: espera com impaciência que nos entreguemos totalmente, que não guardemos no coração recantos escuros, onde o gozo e a alegria da graça e dos dons sobrenaturais não consigam chegar. Talvez pensem: responder sim a esse Amor exclusivo não é, porventura, perder a liberdade?

(…)Cada um de nós sabe por experiência que, algumas vezes, seguir Cristo Nosso Senhor implica dor e fadiga. Negar esta realidade significaria não se ter encontrado com Deus. A alma apaixonada sabe que essa dor é uma impressão passageira e bem depressa descobre que o seu peso é leve e a sua carga suave, porque Ele a leva às costas, tal como se abraçou ao madeiro quando estava em jogo a nossa felicidade eterna. Mas há homens que não entendem, que se revoltam contra o Criador – uma rebelião impotente, mesquinha, triste , que repetem cegamente a queixa inútil que o Salmo regista: Quebremos os seus laços! Para longe de nós o seu jugo. Resistem a realizar, com silêncio heróico, com naturalidade, sem brilho e sem lamentações, o trabalho duro de cada dia. Não compreendem que a Vontade divina, mesmo quando se apresenta com matizes de dor, de exigências que ferem, coincide exactamente com a liberdade, que só reside em Deus e nos seus desígnios.

São almas que fazem barricadas com a liberdade. A minha liberdade, a minha liberdade! Têm-na e não a seguem; olham-na e põem-na como um ídolo de barro dentro do seu entendimento mesquinho. É isso liberdade? Que aproveitam dessa riqueza sem um compromisso sério, que oriente toda a existência? Um tal comportamento opõe-se à categoria própria, à nobreza, da pessoa humana. Falta a rota, o caminho claro que oriente os seus passos na terra; essas almas  decerto já as encontraram, como eu depressa se deixarão arrastar pela vaidade pueril, pela presunção egoísta, pela sensualidade. (Amigos de Deus, 28–29)

São Josemaría Escrivá

A epidemia da solidão

A última década deixou as coisas claras. Não é só o facto de a “superpopulação” ser uma quimera ideológica que vacilou, mas que precisamente se verificou o seu contrário. Um grande número de pessoas, especialmente no Ocidente, cada vez mais envelhecido e estéril, estão a sofrer precisamente aquilo a que os especialistas destas sociedades afligidas apelidam de a “epidemia da solidão”. Este fenómeno não surpreenderia o Papa Francisco, que numa entrevista recente com la Repubblica em 2013 considerou a “solidão dos velhos” um dos piores “males” no mundo de hoje. Cinquenta anos depois da adopção da pílula, inegavelmente, devido à adopção da pílula, a solidão está em expansão através daqueles países no mundo que prosperam materialmente.

No final do ano passado, o New York Times, publicou uma história horrível sobre a queda da natalidade: 4.000 mortes em completa solidão numa semana. Cada ano, no Japão, alguns morrem sem ninguém dar por isso e os seus vizinhos só se dão conta mais tarde através do cheiro.

A primeira vez que aconteceu, ou pelo menos a primeira vez que chamou a atenção nacional, o corpo de um homem de 69 anos que vivia perto da Sra. Ito estava jazido no chão há três anos, sem que ninguém se tivesse dado conta da sua ausência. A sua renda mensal e outros pagamentos eram debitados directamente da sua conta bancária. Finalmente, quando as suas poupanças se esgotaram no ano 2000 é que as autoridades foram a casa dele e se deram conta do seu esqueleto junto da cozinha, o seu corpo fora completamente devorado por insectos e larvas, isto a uns meros metros dos seus vizinhos do lado.

O artigo continua dizendo: “A extrema solidão dos idosos japoneses é tão comum que toda uma nova indústria nasceu em torno dela, especializada em limpar apartamentos onde restos em decomposição são encontrados”. De acordo com outro relatório publicado pelo The Independent, as empresas de limpeza estão em grande e algumas empresas de seguros oferecem apólices que protegem o senhorio em caso de um “solitário” falece na sua propriedade.

O Japão é apenas um dos países a enfrentar alterações demográficas pós-pílula. “A solidão está a converter-se num fenómeno comum em França” noticiava o Le Figaro há uns anos. O artigo, citando um estudo sobre as “novas solidões /novos isolamentos” da Fondation de France, apontava como principal factor para esta solidão: a “ruptura familiar”, especialmente o divórcio. De forma semelhante, em 2004 um estudo sobre “Socio-Demographic Predictors of Loneliness Across the Adult Life Span in Portugal” concluía que o divórcio aumenta a probabilidade de solidão – ainda que não estudasse a influência de ter ou não crianças. Curiosamente, podemos ler vários estudos sobre solidão sem que seja feita qualquer referência a filhos, uma omissão gritante que diz muito sobre a nossa época.

Mary Eberstadt (excerto artigo sobre a encíclica ‘Humanae Vitae’ publicado pela Aciprensa)

Respeitar a liberdade de escolha dos filhos

São Josemaria aconselhava séria e carinhosamente aos pais, que eles mesmos se ocupassem de falar para os filhos sobre a origem da vida, utilizando exemplos inteligíveis. É também um grande horizonte para os casais aos que Deus não concedeu a descendência, para colaborar com seu exemplo e sua palavra em defesa da estupenda virtude da castidade.

Recordava que Deus chama a maior parte dos homens e mulheres ao estado matrimonial. Na preparação deste passo, um papel importante corresponde ao namoro. O Catecismo da Igreja Católica afirma que os filhos têm o direito e o dever de escolher a sua profissão e seu estado de vida, e acrescenta: «Devem assumir as novas responsabilidades numa relação de confiança com os seus pais, a quem pedirão e de quem de boa vontade receberão opiniões e conselhos. Os pais terão o cuidado de não condicionar os filhos, nem na escolha duma profissão, nem na escolha do cônjuge. Mas este dever de discrição não os proíbe, muito pelo contrário, de os ajudar com opiniões ponderadas, sobretudo quando tiverem em vista a fundação dum novo lar»[7].

O nosso Fundador recomendava que o tempo do namoro não se prolongasse muito: o lógico para chegar a conhecimento mútuo suficiente e comprovar a existência de um amor, que depois deverá crescer sempre mais. Enquanto isso, é preciso ater-se com temperança e domínio às exigências da lei de Deus.

Infelizmente, também neste campo estão difundidas ideias e comportamentos indevidos, que contrastam frontalmente com a lei natural e a lei divina positiva. O Papa Francisco, numa audiência, expunha há meses atrás alguns pontos do ensinamento tradicional da Igreja. Entre outros, recorda que a aliança de amor entre o homem e a mulher, aliança para a vida, não se improvisa, não se faz de um dia para outro. Não há o matrimónio rápido: é preciso trabalhar sobre o amor, é necessário caminhar. A aliança do amor do homem e da mulher aprende-se e aperfeiçoa-se [8]. E acrescenta com realismo: quem pretende tudo e imediatamente, depois também cede sobre tudo — e já — na primeira dificuldade (ou na primeira ocasião) [9].

Se os pais estiverem atentos ao desenvolvimento físico e espiritual dos filhos, poderão advertir com maior facilidade quando precisam de um conselho oportuno ou de uma orientação. Ao mesmo tempo, deverão reconhecer a possível e magnífica chamada de algum, para dedicar-se ao serviço de Deus e das almas no celibato apostólico. Quando os pais se assustam perante esta circunstância, e se opõe radicalmente a essa eleição, demonstram – pelo menos – que o espírito de Jesus Cristo penetrou pouco nas suas almas, que seu cristianismo é muito superficial. É lógico que considerem o assunto na presença de Deus e que, se tinham uma postura intransigente, mudem de atitude. Penso que só aqueles que amam o caminho do celibato, entenderão com mais profundidade a grandeza de um casamento limpo.

[7] Catecismo da Igreja Católica, n. 2230.
[8] Papa Francisco, Discurso na audiência geral, 27-V-2015.
[9] Ibid.

(D. Javier Echevarría na carta do mês de agosto de 2015, excerto a partir do site do Opus Dei no Brasil com uma ligeiríssima adaptação)
© Prælatura Sanctæ Crucis et Operis Dei

A oração como arma

«A oração é, sem dúvida, a arma poderosíssima pela qual o Senhor nos dá a vitória contra todas as paixões malvadas e tentações infernais; mas esta oração deve fazer-se com espírito, isto é, não só verbalmente mas de coração. Deve, além disso, ser continua e em todas as circunstâncias da vida, porque assim como as batalhas são contínuas, assim há-de sê-lo também a oração (…).».

(Santo Afonso Maria de Ligório - Reflexões sobre a Paixão, cap. 9,3)