Como pegar num dilema moral que só tem alternativas más? Se nos inclinamos para um lado, morre a avó; se nos inclinamos para o outro, despenha-se um autocarro com crianças; e se não fizermos nada, alguém morre afogado. Qual a solução? Na cidade bávara de Augsburgo, na igreja jesuíta de Sankt Peter am Perlach, a solução está pintada num quadro.
Corria o ano de 1615. O casal Wolfgang e Sophie vivia numa complicação tremenda que ia acabar em divórcio. Na iminência da desgraça, o marido pede ajuda ao Pe. Jakob Rem S.J., que, não podendo fazer por si grande coisa, pede com eles ajuda a Nossa Senhora. A vida daquela família era um nunca mais acabar de nós-cegos, mas Maria foi-os desatando, um a um, e voltou a paz.
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Maria Knotenlöserin, na igreja jesuíta
de Sankt Peter am Perlach |
Para agradecer o milagre, o neto Hieronymus encomendou e ofereceu à igreja de Sankt Peter um quadro de Maria Desatadora dos Nós (Maria Knotenlöserin). Nuvens de anjos rodeiam Nossa Senhora, mas dois destacam-se em primeiro plano. Um anjo passa-lhe uma fita emaranhada e o outro recebe a fita direita.
A imagem está carregada de símbolos bíblicos. No rodapé, o anjo Rafael guia Tobias para um bom casamento. Maria aparece como Esposa do Espírito Santo, representado em forma de pomba no cimo do quadro, a iluminar toda a cena. A figura de Maria corresponde à descrição do Apocalipse: uma mulher vestida de sol, a lua a seus pés, sobre a sua cabeça uma coroa de doze estrelas, pisando com o pé o dragão infernal. Este gesto contrapõe Maria a Eva, a mãe universal, que se deixou enganar pela serpente. Maria é a nova Eva, prometida por Deus no livro do Génesis «...esmagará com o calcanhar a cabeça da serpente». Maria, concebida sem Pecado Original, é a vencedora do mal. Santo Ireneu de Lião, um grande sábio e santo do século II, expressou esta contraposição numa frase que se repete na liturgia católica e é citada pelo próprio Concílio Vaticano II: «o nó atado pela desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou com a sua incredulidade, a virgem Maria desatou-o com a sua fé».
Os nós mais complicados são os que ferem o amor sensível e belo, como aquele amor que ronda a loucura, de um homem e uma mulher que se entregam mutuamente no casamento, com toda a intensidade, para toda a vida. Mais forte ainda que a vontade humana, o vínculo desse amor é divino: «não separe o homem o que Deus uniu!», foi o aviso de Jesus àqueles que se propõem rebentar as fitas quando não são capazes de desatar os nós.
O Pe. Bergoglio, que se tornaria mais tarde o Papa Francisco, teve oportunidade de ver este quadro na igreja de Sankt Peter no ano de 1986 e percebeu que tinha encontrado a solução para a dificuldade das nossas famílias, amarradas por tantos nós impossíveis de desfazer. Levou para a Argentina uma grande quantidade de reproduções e promoveu que se colocasse uma pintura igual numa igreja de Buenos Aires. A devoção a Maria Desatadora dos Nós juntou imediatamente dezenas de milhares de pessoas e multidões crescentes cada ano, impelidas pela necessidade e agradecidas a Maria por tantos nós que as suas mãos já desfizeram milagrosamente.
Em alemão, aglutinam-se frequentemente vários substantivos numa só palavra, como é o caso de «Knotenlöserin» e os argentinos copiaram a devoção alemã tão à letra que cunharam a palavra «Desatanudos», tudo pegado.
As multidões que acorriam ao santuário de «María Desatanudos» em Buenos Aires foram tão grandes, os efeitos da confiança em Maria tão inesperados, que Bergoglio comentou alguma vez que nunca se tinha sentido tanto nas mãos de Deus.
Em Fátima, citando Paulo VI, lembrou que «se queremos ser cristãos, devemos ser marianos; isto é, devemos reconhecer a relação essencial, vital e providencial que une Nossa Senhora a Jesus e nos abre o caminho que leva a Ele», mesmo que seja um caminho cheio de nós. Porque ainda está para aparecer um nó que lhe resista.