sexta-feira, 17 de julho de 2020

Estas crises mundiais são crises de santos

Chegou para nós um dia de salvação, de eternidade. Uma vez mais se ouvem os assobios do Pastor Divino, as suas palavras carinhosas: "Vocavi te nomine tuo". - Chamei-te pelo teu nome. Como a nossa mãe, Ele convida-nos pelo nome. Mais: pelo apelativo carinhoso, familiar. Lá, na intimidade da alma, chama, e é preciso responder: "Ecce ego, quia vocasti me". Aqui estou, porque me chamaste; decidido a que desta vez não passe o tempo como a água sobre os seixos rolados, sem deixar rasto. (Forja, 7)

Todos os que aqui estamos fazemos parte da família de Cristo, porque Ele mesmo nos escolheu antes da criação do mundo, por amor, para sermos santos e imaculados diante dele, o qual nos predestinou para sermos seus filhos adoptivos por meio de Jesus Cristo para sua glória, por sua livre vontade. (...)
A meta que proponho - ou melhor, a que Deus indica a todos - não é uma miragem ou um ideal inatingível: podia contar-vos tantos exemplos concretos de mulheres e de homens correntes, como vocês e como eu, que encontraram Jesus que passa quasi in occulto pelas encruzilhadas aparentemente mais vulgares e decidiram segui-lo, abraçando com amor a cruz de cada dia. Nesta época de desmoronamento geral, de concessões e de desânimos, ou de libertinagem e de anarquia, parece-me ainda mais actual aquela convicção simples e profunda que, no princípio da minha actividade sacerdotal e sempre, me consumiu em desejos de comunicar à humanidade inteira: estas crises mundiais são crises de santos. (...)
Vida interior: é uma exigência do chamamento que o Mestre fez à alma de todos. Temos de ser santos - di-lo-ei com uma expressão castiça - da cabeça aos pés: cristãos de verdade, autênticos, canonizáveis; se não, fracassámos como discípulos do único Mestre. Pensem também que Deus, ao reparar em nós, ao conceder-nos a sua graça para lutarmos por alcançar a santidade no meio do mundo, nos impõe também a obrigação do apostolado. (Amigos de Deus, 2-5)

Sâo Josemaria Escrivá

A santidade

E fixo-me agora noutra das notas características da Igreja: a santidade. Bento XVI, para nos ajudar a fruir desta realidade, indicava que, ao longo deste ano, «será decisivo voltar a percorrer a história da nossa fé, que contempla o mistério insondável da encruzilhada da santidade com o pecado» [4]. Refletir sobre a santidade da Igreja, manifestada na sua doutrina, nas suas instituições, em tantas filhas e filhos seus ao longo da história, levar-nos-á a uma profunda ação de graças ao Deus três vezes santo, fonte de toda a santidade, a saber que estamos contidos na manifestação de amor da Santíssima Trindade por nós: como recorremos diariamente a cada Pessoa divina? Sentimos a necessidade de as amar, distinguindo cada uma?

Ao expor a natureza da Igreja, o Concílio Vaticano II destaca três aspectos nos quais o seu mistério se exprime com maior propriedade: o Povo de Deus, o Corpo Místico de Cristo, o Templo do Espírito Santo; e o Catecismo da Igreja Católica desenvolve-os amplamente [5]. Reverbera em cada um a nota da santidade, que, tal como as restantes notas, distingue a Igreja de qualquer agrupamento humano.

A denominação Povo de Deus remete para o Antigo Testamento. Yahvé escolheu Israel como seu povo peculiar, como anúncio e antecipação do definitivo Povo de Deus, que Jesus Cristo iria estabelecer mediante o sacrifício da Cruz. Vós sois linhagem escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido em propriedade, para que apregoeis as maravilhas d’Aquele que vos chamou das trevas à sua admirável luz [6]. Gens Sancta, povo santo, composto por criaturas com misérias. Esta aparente contradição marca um aspecto do mistério da Igreja. A Igreja, que é divina, é também humana, porque está formada por homens e os homens têm defeitos: omnes hómines terra et cinis (Sir 17, 31), todos somos pó e cinza [7].

Esta realidade deve levar-nos à contrição, à dor de amor, à reparação, mas nunca ao desalento ou ao pessimismo. Não esqueçamos que o próprio Jesus comparou a Igreja com um campo em que crescem juntos o trigo e o joio; com uma rede de arrasto que apanha peixes bons e maus e que só no final dos tempos se fará a separação definitiva entre uns e outros [8]. Ao mesmo tempo, consideremos que já agora, na terra, o bem é maior que o mal, a graça mais forte que o pecado, ainda que a sua ação seja por vezes menos visível. Mas acontece que a santidade pessoal de tantos fiéis - dantes e de agora - não é uma coisa aparatosa. É frequente que não a descubramos nas pessoas normais, correntes e santas, que trabalham e convivem no meio de nós. Para um olhar terreno o pecado e as faltas de fidelidade, ressaltam mais; chamam mais a atenção [9]. Nosso Senhor quer que os seus filhos e filhas no Opus Dei, e tantos outros cristãos, recordem a todos os homens e mulheres que receberam essa vocação para a santidade e hão de esforçar-se por corresponder à graça e ser pessoalmente santos [10].

[4]. Bento XVI, Carta apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 13.
[5]. Cfr. Catecismo da Igreja Católica, nn. 781-810.
[6]. 1 Pe 2, 9.
[7]. S. Josemaria, Homilia Lealdade à Igreja, 4-VI-1972.
[8]. Cfr. Mt 13, 24-30; 47-50.
[9]. S. Josemaria, Homilia Lealdade à Igreja, 4-VI-1972.
[10]. S. Josemaria, Homilia Lealdade à Igreja, 4-VI-1972.

(D. Javier Echevarría na carta do mês de agosto de 2013)
© Prælatura Sanctæ Crucis et Operis Dei

Direitos humanos, dignidade

Um primeiro elemento é o caráter incondicional com que a dignidade humana e os direitos humanos devem apresentar-se, como valores que precedem toda a jurisdição estatal. Estes direitos fundamentais não são criados pelo legislador nem são concedidos aos cidadãos, "mas existem por direito próprio e sempre devem ser respeitados pelo legislador, a quem são entregues como valores de ordem superior" [Anteprojeto para a Constituição Europeia 2004]. Esta validade da dignidade humana prévia a qualquer actuação ou decisão política remete-nos ao Criador: só Ele pode estabelecer valores que se fundam na essência do homem e que são intangíveis. Que existam valores não manipuláveis por ninguém é a garantia verdadeira e própria da nossa liberdade e da grandeza humana; a fé cristã vê nisto o mistério do Criador e da condição de imagem de Deus que Ele conferiu ao homem.

Ora bem, hoje em dia quase ninguém negará diretamente a preeminência da dignidade humana e dos direitos humanos fundamentais em face de toda a decisão política; são ainda demasiado recentes os horrores do nazismo e da sua teoria racista. Mas no âmbito concreto do assim chamado progresso da Medicina, há ameaças muito reais para estes valores: quer pensemos na clonagem, ou na conservação de fetos humanos para a pesquisa e na doação de órgãos, ou ainda em todo o âmbito da manipulação genética, a lenta erosão da dignidade humana que nos ameaça aqui não pode ser desconhecida por ninguém. Acrescentam-se a isso, de maneira crescente, o tráfico de pessoas humanas, as novas formas de escravidão, o comércio de órgãos humanos para transplantes. Sempre se aduzem finalidades boas para justificar o injustificável.

(Cardeal Joseph Ratzinger in ‘Fundamentos espirituales de Europa’)

O dia em que tudo muda

Quando este artigo chegar aos leitores, na manhã de Domingo (17-07-2016), eu estarei a assistir ao casamento de dois noivos, muito amigos. Desde que me deram a notícia, comecei a rezar. E, depois, com aquela dose de impertinência que se concede às pessoas muito íntimas, perguntei-lhes se estavam a rezar muito. «Sim! Muito!» Recusei-me a ficar descansado: só quatro ou cinco vezes por dia?, ou mais?

Redobrei, por minha conta, a oração pelo novo casal.

Quem os veja talvez não compreenda a preocupação. Sorriso feliz, sereno, responsável; algum sinal discreto de ternura; e garantem que rezam muito. Que se pode pedir mais?

Neste Domingo de manhã, na Missa, ele vai jogar a vida inteira, para sempre, num projecto comum. E ela vai entregar-se completamente, para sempre, nessa aventura.

Tanto quanto sei, só há uma vida nesta terra. Eles são novos e, se Deus lhes der saúde, têm dezenas de anos pela frente, os únicos anos de que dispõem. Tudo isso, com todas as possibilidades ainda em aberto, vai ficar decidido, de uma vez para sempre, numa aposta sem retorno, na manhã de Domingo.
– Meus queridos, vocês rezam mesmo? Sim (muito forte!), querido Tio!

Eu sei, mas percebo que tenho de rezar mais. Quando Deus passa pela vida, precisamos de Lhe responder. Mais tarde ou mais cedo, há um momento em que nos convida a decidir o futuro. Podemos aceitar o desafio, ou adiar, ou preferir uma alternativa, mas a voz de Deus soa clara, para cada um. Não responder, também é resposta, porque o convite existe e não se consegue anular. A voz de Deus é tão clara como o sussurro da consciência: pedimos à consciência que não nos lembre qualquer coisa, mas a voz íntima não se cala. É preciso muito barulho interior para abafar a consciência e, também – quando é o caso –, para calar a vocação. Mal nos descuidamos, as palavras nítidas ressurgem em primeiro plano.

Alguns, rejeitam os mergulhos radicais de Deus. A um «vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres...», a outro «vem e segue-Me...», a outro «vai para tua casa, para os teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor te fez, e como teve misericórdia de ti...». As vocações são tão diferentes como as impressões digitais de cada alma. Deus não Se repete. Mas chama, «radicalmente», e toca cada vida com um desafio divino.

Na sua primeira Encíclica, «Lumen Fidei», o Papa Francisco descreve a vocação ao casamento, ao compromisso para sempre, como resposta ao amor de Deus. Essa «união estável no casamento nasce do amor, é sinal e presença do amor de Deus». Deus olha de forma pessoalíssima aquelas duas almas. Num vislumbre, situa-as entre um caminho sem retorno e todas as estradas largas que brilham nas outras direcções. Naturalmente, aquelas duas almas sentem uma sacudidela fortíssima, na oração, como se a oração ficasse interrompida, à espera de uma resposta.

Alguns, já não continuam. Adiam, perdem-se na conjectura, não dão o passo. Outros, percebem o passo imenso que Deus lhes pede e lançam-se nos seus braços.

Fora deste contexto, o casamento tem pouco sentido. Nenhuns braços, senão os de Deus, têm força para segurar uma vida inteira que se entrega num ímpeto de generosidade.

Depois, vem a felicidade que ultrapassa o deleite humano. Uma alegria que não se conhece nesta terra, porque é antecipação do Céu. Unem-se os cônjuges numa só carne e – diz o Papa nessa Encíclica – desce sobre eles a bênção do Amor: «geram uma nova vida, manifestação da bondade do Criador, da sua sabedoria e do seu desígnio de amor».

– Rezam mesmo? – insisto com ternura. Eu sei que sim, mas não quero que eles se sintam satisfeitos, como se fosse suficiente.

Olhos nos olhos, contemplo um brilho sereno, feliz, responsável, que me faz tanto bem à alma. Um brilho responsável de quem reza (mas não é suficiente, meninos!). As mãos dadas reflectem já a bênção que vão receber no Domingo de manhã. A confiança que têm um no outro chama-se «amor incondicional» e é um dom altíssimo do Criador. Aquele «sim», vai ecoar sem prazo como um carrilhão na glória. E a bêncão de Deus, cheia de fecundidade...

E minha insistência, cheia de afecto e de intimidade, que eles compreendem e agradecem: meus queridos, rezam?
– Sim, muito! Quer dizer, ...agora vamos rezar ainda mais.

José Maria C.S. André
Spe Deus
17-VII-2016