domingo, 28 de junho de 2020

Aprendei a fazer o bem

Quando estiveres com uma pessoa, tens de ver nela uma alma: uma alma que é preciso ajudar, que é preciso compreender, com quem é preciso conviver e que é preciso salvar. (Forja, 573)

Agrada-me citar umas palavras que o Espírito Santo nos comunica pela boca do profeta Isaías: discite benefacere, aprendei a fazer o bem. (...)

A caridade para com o próximo é uma manifestação do amor a Deus. Por isso, ao esforçarmo-nos por melhorar nesta virtude, não podemos fixar nenhum limite. Com o Senhor, a única medida é amar sem medida, pois, por um lado jamais chegaremos a agradecer suficientemente o que Ele tem feito por nós e, por outro, assim se revela o mesmo amor de Deus às suas criaturas: com excesso, sem cálculo, sem fronteiras.

A misericórdia não se limita a uma simples atitude de compaixão; a misericórdia identifica-se com a superabundância da caridade que, ao mesmo tempo, traz consigo a superabundância da justiça. Misericórdia significa manter o coração em carne viva, humana e divinamente repassado por um amor rijo, sacrificado e generoso. (Amigos de Deus, 232)

São Josemaría Escrivá

Bom Domingo do Senhor!

Saibamos sempre tomar a nossa cruz para assim sermos dignos do Senhor como Ele nos fala no Evangelho de hoje (Mt 10, 37-42) e manifestemos-Lhe o nosso amor em tudo.

Louvado seja Deus Nosso Senhor pelo seu infinito e misericordioso amor por todos nós!

A liberdade religiosa

A Comissão Teológica Internacional, organismo da Santa Sé que estuda temas de especial envergadura, publicou recentemente um livro sobre o sentido da liberdade religiosa, com cerca de uma centena de páginas, fruto de 5 anos de trabalho. O documento foi aprovado por todos os membros da Comissão e depois pelo Papa. Saiu o original em francês e já existe uma tradução em italiano.

Como resumir em poucas linhas uma análise tão complexa?

Certos casos não oferecem dúvida. Como o dos ditadores, incluindo os de convicções católicas, cuja oração, imagino eu, poderia ser assim: «Eu vos louvo, Senhor, por terdes feito o Universo maravilhoso! Na verdade, ter criado os seres humanos livres não foi tão acertado, mas não há problema: eu encarrego-me de lhes condicionar a liberdade, para que só façam o bem». A Igreja rejeita liminarmente a boa intenção de corrigir a obra de Deus. Outra situação clara é o direito da sociedade a defender-se dos criminosos, limitando a sua liberdade, se for necessário. É igualmente claro que não se pode invocar o direito à liberdade para vender produtos tóxicos como se fossem saudáveis, ou transaccionar moeda falsa, porque o direito do povo a não ser enganado sobrepõe-se aos desvarios individuais. Estes exemplos não são polémicos, mas até onde deve ir a ingerência do Estado? Existe um mundo de gradações que têm de ser discernidas com sabedoria e – acrescenta o documento (nº 80) – com oração.

Em primeiro lugar (nºs 4-5), uma política de procedimentos puramente formais, sem inspiração ética e religiosa, não se sustenta, porque não responde à pergunta: «porquê?». Só reconhecendo a autoridade de onde deriva a justiça podemos dizer que algo «é» justo, ou «é» injusto. Sem essa referência ao que «é» real, fica o arbítrio de quem tem força para mandar.

Assim, descobrimos que Deus é a fonte da liberdade. Porque nos criou livres e porque o seu respeito por nós nos dá direito a ser respeitados por todos: «Deus chama todos os homens, mas não força ninguém. É por isso que a liberdade se torna um direito fundamental que o homem pode revindicar em consciência e de forma responsável perante o Estado» (nº 27).

A origem do direito à liberdade é esta: Deus criou-me livre, com que direito alguém se atreve a roubar-me o que Deus me concedeu?! Os direitos fundamentais fundam-se na dignidade da pessoa, tal como Deus a criou e a respeita (nºs 31-39). Quando se perde de vista o desígnio divino a respeito do homem e da sua liberdade, põe-se em causa a própria pessoa humana.

Desrespeitar a liberdade de alguém é opor-se a Deus, porque é a voz de Deus que ressoa no íntimo da consciência. Nesse sentido, obrigar alguém a agir contra a consciência é forçá-lo a ir contra Deus. Daí deriva a enorme responsabilidade de purificarmos a própria consciência e o imenso respeito que devemos ter pela consciência dos outros (nºs 40-42). Tudo isto está em profunda harmonia com a adesão cristã que, por sua natureza, só pode ser livre.

Desde o tempo dos Apóstolos, a Igreja aceitou a legitimidade da autoridade política, porque foi isso que aprendeu do próprio Jesus (nº 58). Por outro lado, «o Reino de Deus não é deste mundo» (Jo 18, 36): «a Deus o que é de Deus, a César o que é de César» (Mt 22, 21).

Deus quer que a sociedade se organize livremente, mas não corresponde ao Estado inventar o que é justo ou injusto. As formas legítimas de vida em sociedade não rejeitam Deus, nem pretendem impor uma «ética do Estado» como se este tivesse poderes divinos para inventar a ética (nº 62). Citando o Papa Francisco: «quando, em nome de uma ideologia, se quer expulsar Deus da sociedade, acaba-se por adorar ídolos e depressa o homem se arruína a si mesmo, vê a sua dignidade espezinhada, os seus direitos violados» (discurso de 2014, citado nº 64).

Um Estado que prescinda das referências religiosas arruína os alicerces da cultura humana (nºs 45-48). Por outro lado, nem todas as experiências religiosas têm o mesmo valor (nº 70). Isto é evidente porque as suas doutrinas se contradizem e a verdade não pode ser contraditória, no entanto, há algo de comum que é valioso (nº 79) e, sobretudo, não compete a nenhuma autoridade humana privar as pessoas da liberdade que o próprio Criador lhes concedeu, salvo os casos que comprometem gravemente o bem comum.

Em resumo, a visão cristã da liberdade religiosa inspira-se na verdade da fé e na forma de actuar de Deus, livremente e sem forçar ninguém (nº 76). O diálogo é a forma justa de anunciar o Evangelho (nº 77). Se o respeito pelos outros levar ao martírio, isso não é fraqueza, é fidelidade a Deus (nº 82), como escrevia S. Pedro aos primeiros cristãos: anunciai, «mas com tal doçura e respeito, tendo uma boa consciência, para que naquilo que vos caluniam sejam confundidos os que difamam a vossa boa conduta em Cristo» (I Pe 3, 16, cit nº 86).
José Maria C.S. André

«E quem der de beber a um destes pequeninos [...], por ser Meu discípulo, [...] não perderá a sua recompensa.»

São Patrício (c. 385-c. 461), monge missionário, bispo 
Confissão, 56-62 conclusão

Vede: eu encomendo a minha alma ao Criador, que é fiel (1 Pe 4, 19), de Quem «eu sou embaixador» (Ef 6,20), apesar da minha baixeza; porque Ele não faz acepção de pessoas e escolheu-me para este serviço, para que seja Seu servo, a mim, um dos Seus «irmãos mais pequeninos» (Mt 25,40). «Como retribuirei ao Senhor todos os Seus benefícios para comigo?» (Sl 115,12) Mas que posso eu dizer ou prometer ao meu Senhor, visto não ter mais capacidades para além das que Ele próprio me deu?

Que, por vontade de Deus, nunca me aconteça perder o povo que Ele formou para Si nos confins da terra! (Is 43,21) Peço a Deus que me dê a perseverança e a vontade de d'Ele dar sempre um testemunho fiel, até ao dia da minha partida. Se me acontecer realizar uma boa obra para o meu Deus, que tanto amo, peço-Lhe que me conceda derramar o meu sangue com os estrangeiros e cativos, em honra do Seu nome [...]. Tenho a certeza de que, se tal me acontecesse, ganharia como recompensa a minha alma com o meu corpo, pois naquele dia ressuscitaremos sem dúvida na claridade do sol, isto é, na glória de Cristo Jesus, nosso Redentor [...].

Dirijo uma prece aos homens crentes e tementes a Deus que se dignarem acolher este escrito que Patrício, um tão ignorante pregador, compôs em terras da Irlanda: se alguma coisa fiz ou disse de acordo com a vontade de Deus, ninguém diga que foi este ignorante quem a fez, antes pensai – e tende-o mesmo por certo – que tal foi um verdadeiro dom de Deus. Esta é a minha confissão antes de morrer.