quinta-feira, 4 de junho de 2020

Ser amáveis

«Todos desejamos profundamente ser amados, mas, às vezes, tendemos a esquecer que para ser amados temos de esforçar-nos por ser amáveis».

Quem o diz é Mariolina Migliarese, psiquiatra italiana, no seu recente livro “Risposami! Crisi & rinascita della coppia”.

A frase vem no contexto de um lugar comum muito perigoso para o êxito de um casamento: «Se me amas de verdade, deves amar-me como sou». Por trás da sua aparência inofensiva, na realidade, trata-se de uma frase muito ambígua.
É verdade que nos amam como somos, mas isso não é uma “licença” para desleixar o esforço por sermos amáveis, ou seja, facilitar que nos amem.

Tentar ser boa pessoa é algo que todos procuramos realizar, sobretudo na fase que antecede o casamento chamada namoro. Qualquer pessoa sensata, que queira conquistar um amor humano nobre e limpo, esforça-se por dar o melhor de si mesma para que o outro se sinta atraído e enamorado.

Isto não é nenhuma hipocrisia! É um desejo de ser melhor, também por amor ao outro.

É um erro crasso deixar de o fazer simplesmente porque já estamos casados e o outro já está “conquistado”. Como se o casamento fosse um ponto de chegada e não de partida.

Demasiados casamentos morrem por falta de cuidado e, inclusivamente, por falta de educação. Porque se entende “ser amado como sou” como uma desculpa para desleixar-se e não estar pendente do cuidado do outro e do relacionamento.

Por isso, devemos cultivar sem cansaço a boa pessoa que todos somos chamados a ser. Boas pessoas por fora e por dentro, com um coração bom, não só para os estranhos, mas, sobretudo, para aqueles que convivem connosco todos os dias lá em casa.

Com a ajuda de Deus, nunca podemos desistir de cultivar e polir a nossa personalidade. É uma tarefa para a vida inteira. Ser uma pessoa interessante, profunda, amável, é o melhor modo de ser amado e não simplesmente “suportado”.

Isto aplica-se a todo o relacionamento humano (irmãos, familiares, amigos, conhecidos) mas, de um modo especial, entre marido e mulher.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

Espera-se heroísmo do cristão

Quantos, que se deixariam cravar numa Cruz, perante o olhar atónito de milhares de espectadores, não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heróico. (Caminho, 204).

Hoje, como ontem, espera-se heroísmo do cristão. Heroísmo em grandes contendas, se é preciso. Heroísmo – e será o normal – nas pequenas escaramuças de cada dia. Quando se luta continuamente, com Amor e deste modo que parece insignificante, o Senhor está sempre ao lado dos seus filhos, como pastor amoroso: Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o Senhor Deus. Irei procurar as que se tinham perdido, farei voltar as que andavam desgarradas, porei ligaduras às que tinham algum membro quebrado e fortalecerei as que estavam fracas... E as minhas ovelhas habitarão no seu país sem temor; e elas saberão que eu sou o Senhor, quando eu tiver quebrado as cadeias do seu jugo, e as tiver arrancado das mãos daqueles que as dominavam.

Apelo para a sua misericórdia, para a sua compaixão, a fim de que não olhe para os nossos pecados, mas para os méritos de Cristo e de sua Santa Mãe, e que é também nossa Mãe, para os do Patriarca S. José, que Lhe serviu de Pai, para os dos Santos.

O cristão pode viver com a segurança de que, se quiser lutar, Deus o acolherá na sua mão direita, como se lê na Missa desta festa. Jesus, que entra em Jerusalém montado num pobre burrico, Rei da paz, é quem diz: o, reino dos céus alcança-se com violência, e os violentos arrebatam-no. Essa força não se manifesta na violência contra os outros; é fortaleza para combater as próprias debilidades e misérias, valentia para não mascarar as nossas infidelidades, audácia para confessar a fé, mesmo quando o ambiente é contrário. (Cristo que passa, 82)

São Josemaría Escrivá

«Temos Mãe!»

É natural que os pais se alegrem com os êxitos dos seus filhos, mas não é comum que assumam as suas culpas quando sofrem a tristeza de um filho os ferir com a indignidade de um comportamento criminoso

Não foi sem emoção que ouvi, no dia 13 de Maio (2017), no recinto do santuário de Fátima, como muitos outros milhares de fiéis, as palavras do Papa Francisco: “queridos peregrinos, temos Mãe, temos Mãe! Agarrados a Ela como filhos, vivamos da esperança que assenta em Jesus (…). Seja esta esperança a alavanca da vida de todos nós! Uma esperança que nos sustente sempre, até ao último suspiro!”

Do que é ser mãe fala um desconhecido episódio que, depois de reveladas as três partes do segredo de Fátima – a visão do inferno, a conversão da Rússia depois da sua consagração ao Imaculado Coração de Maria e o atentado mortal contra ‘o bispo vestido de branco’ – bem poderia ser considerado como um novo segredo de Fátima. Não é que eu tenha sido vidente de qualquer aparição ou visão sobrenatural, mas fui confidente de um facto que está relacionado com a primeira vinda de São João Paulo II à Cova da Iria e que não me consta que já tenha sido revelado.

Corria o ano de 1982 e, em acção de graças por ter sobrevivido ao atentado que sofrera no dia 13 de Maio de 1981, em plena praça de São Pedro, em Roma, São João Paulo II veio a Fátima, em igual data do ano seguinte, para agradecer a protecção que, nesse dia, aniversário da primeira aparição mariana na Cova da Iria, Nossa Senhora lhe dispensara, salvando-lhe a vida. Mas, já em Fátima, viria a acontecer um lamentável incidente: um cidadão espanhol, Juan Fernández Krohn, envergando a batina sacerdotal, aproximou-se do Santo Padre com uma arma branca. Graças à pronta intervenção das forças de segurança, o atentado não resultou e o seu autor foi rapidamente imobilizado e retirado do local.

Juan Fernández Krohn nasceu em 1948 e frequentou o Seminário de Ecône, na Suíça, onde foi ordenado presbítero pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre, mas rapidamente se desvinculou dessa organização tradicionalista. Pelo facto de ter atentado contra o romano pontífice, ficou automaticamente excomungado, ou seja fora da Igreja Católica, da qual eventualmente já se excluíra ao aderir ao movimento integrista do cismático bispo francês. Depois do seu atentado contra o Papa foi condenado, por um tribunal português, a seis anos de prisão mas, cumprida apenas metade da pena, foi libertado e expulso do território nacional. Estabeleceu-se então na Bélgica e, tendo já abandonado o ministério sacerdotal, que praticamente nunca exerceu, trabalhou como jornalista.

Pouco mais haveria a dizer sobre este triste episódio desta tão triste personagem, se não fosse um desenvolvimento ocorrido num dos dias seguintes ao da sua falhada tentativa de assassinar São João Paulo II. O facto foi-me então relatado por uma testemunha ocular, entretanto já falecida, mas como não corro o perigo de trair a confiança em mim depositada, nem de cometer nenhuma inconfidência, nada obsta a que, trinta e cinco anos depois, aqui o revele.

Num dos dias seguintes ao do frustrado atentado contra São João Paulo II, um muito discreto casal espanhol bateu à porta da Nunciatura Apostólica, em Lisboa, onde se alojou o Santo Padre durante a sua estada no nosso país. O semblante de ambos era grave, pesaroso até e a sua atitude era tão reservada, que deles não se apercebeu a comunicação social. Eram os desolados pais do frustrado assassino que, logo que souberam pela imprensa do acto tresloucado do seu filho, quiseram vir, pessoalmente, pedir perdão ao Papa. Nada os obrigava a fazê-lo, porque o autor do atentado era maior e, por isso, os seus progenitores não tinham qualquer responsabilidade naquele seu acto criminoso. A natureza infamante da acção até tornava compreensível que, pelo contrário, se tivessem remetido a um compreensível silêncio ou mesmo ocultassem um parentesco que, naquelas tão penosas circunstâncias, era particularmente vergonhoso. Mais pôde, contudo, o seu enorme sentido de justiça e de dignidade que, quanto mais os honra, tanto mais acusa o seu filho, cuja actuação desmerecia aqueles pais.

É compreensível que os pais se alegrem com os êxitos dos seus filhos, porque são seus também. Mas não é tão comum que assumam as suas culpas, que deem a cara quando sofrem a tristeza de um filho os ferir com a indignidade de algum comportamento criminoso. Estes pais, não obstante a sua imensa dor por saber que um seu filho atentara contra o Santo Padre, não se esconderam num cómodo anonimato, antes fizeram sua a culpa dele e tiveram a valentia de pedir perdão pelo seu hediondo crime.

Assim faz também a Igreja com os seus filhos pecadores: não os enjeita nem abandona na hora da desonra porque, como boa mãe que é, os acolhe e perdoa, se verdadeiramente arrependidos. Mais pode o seu amor à verdade e a sua caridade, do que a sua autoestima ou imagem pública.

Como dizia o Papa Francisco, na conclusão da sua homilia na celebração eucarística da canonização de Francisco e Jacinta Marto, a Igreja “brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor”. Numa palavra, quando “o rosto jovem e belo da Igreja”, se manifesta não como poderosa organização, mas como mãe.

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador AQUI
(seleção de imagens 'Spe Deus')

A «Casa da vida» (Life House)

Terça-feira, 30 de Maio (2017), o Pontifício Colégio Português de Roma foi condecorado pelo Raoul Wallemberg Institute com o título de «Casa da vida», por ter escondido meia centena de pessoas, sobretudo judeus e famílias de opositores ao regime fascista.

Entre as personalidades presentes na cerimónia, além dos representantes do Wallemberg Institute, estavam a Dra. Ruth Dureghello, Presidente da Comunidade Hebraica de Roma, D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca e Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e o Dr. Luigi Priolo, um dos refugiados do Colégio Português nos anos 1943 e 1944. Luigi Priolo, que na altura era um adolescente, viria a ser um político conhecido, secretário-geral do Senado italiano durante muitas décadas e maçon.

Em 2010, o responsável efectivo do Colégio nos anos 1940 a 1954 já tinha sido condecorado pelo Estado de Israel como «Justo entre as Nações».

Qual a causa de tanto agradecimento? O Pontifício Colégio Português, que ocupava naquela época o palácio Alberini, no extremo Sul da Ponte de Sant’Angelo, era o mais pequeno dos colégios eclesiásticos de Roma e por isso um dos que acolheu menos pessoas. De todos os modos, como é que meia centena de refugiados, a somar aos seminaristas e padres, conseguiu viver e esconder-se durante vários anos naquelas instalações? Todo os inquilinos normais do Colégio, padres e seminaristas, colaboraram na protecção dos refugiados e, quando os soldados das SS apareciam, os refugiados eram tratados como se fossem padres e freiras. Naturalmente, houve momentos de grande emoção.

O ponto de partida foi o apelo muito forte de Pio XII, durante a segunda guerra mundial, mobilizando as instituições da Igreja para acolherem todas as vítimas das perseguições.

Por contraste, este Papa é muito denegrido, sobretudo em sociedades que não conheceram directamente a perseguição aos judeus. Alguns dos «best-sellers» sobre a época declaram que «a Igreja católica é a principal responsável do Holocausto» (Susan Zuccotti, «Under His Very Windows. The Vatican and the Holocaust in Italy»); um comentador do «New York Times» escreveu que Pio XII «era o eclesiástico mais perigoso da história moderna» e «colocou o interesse particular católico acima da consciência». Outros, historiadores identificam João Paulo II como o continuador do antisemitismo de Pio XII (por exemplo, John Cornwell, «Hitler’s Pope», Garry Wills, «Papal Sin. Structures of Deceit», James Carroll, «Constantine’s Sword. The Church and the Jews: A History»).

Nalguns casos, estes livros parecem uma vingança, o ajuste de um contencioso pessoal, porque muitos destes autores são ex-padres, ou ex-seminaristas que continuam aborrecidos com a Igreja católica. O que os levou a concentrarem-se em Pio XII? E por que razão a opinião pública se deixou intoxicar por estas fontes tão enviesadas?

De uma maneira geral, os líderes judaicos da velha geração, como o primeiro Presidente de Israel, Chaim Weizmann, os Primeiros-Ministros de Israel Golda Meir e Moshe Sharett, o Rabino Chefe de Israel Isaac Herzog, o secretário-geral do Congresso Hebraico Mundial Leon Kubowitzky ...exprimiram o seu grande reconhecimento à Igreja e a Pio XII.

Albert Einstein, escrevia em plena guerra, em Dezembro de 1940, na revista «Time»: «Só a Igreja enfrenta verdadeiramente a campanha Hitleriana de supressão da verdade. Até hoje, nunca me tinha interessado pela Igreja, mas agora sinto um enorme afecto e admiração porque só a Igreja tem a coragem e a perseverança de defender a verdade intelectual e a liberdade moral. Aquilo que antes eu desprezava, agora admiro sem reservas».

O Cônsul Israelita em Milão, Pinchas Lapide, escreveu que Pio XII «foi o instrumento de salvação de pelo menos 700 mil, talvez até 860 mil, hebreus que teriam morrido às mãos dos nazis». O Rabino Chefe da Sinagoga de Roma nos anos da perseguição converteu-se e adoptou o nome de Eugenio, em agradecimento a Pio XII (que se chamava Eugenio Pacelli). Elio Toaff, que também sofreu o holocausto e se tornaria o Rabino Chefe de Roma não poupou elogios. E, tantos, tantos outros... Assim, pela mão de organizações judaicas, sobretudo relacionadas com a história do Holocausto, a memória santa de Pio XII tem vindo a ser recuperada. À conta disso, até o Pontifício Colégio Português, que ocupa desde 1975 um edifício diferente, recebeu o título de «Casa da Vida».
José Maria C.S. André
04-VI-2017
Spe Deus