A catedral de Notre-Dame, em
Paris, construída há cerca de 850 anos numa ilha no meio do rio Sena é mais do
que uma igreja e uma obra de arte, é um monumento da engenharia dedicado a
Nossa Senhora.
Cada um é tocado por Deus a seu
modo e a seu tempo. Por exemplo, o grande escritor francês Paul Claudel (1868 –
1955) escreve o seu encontro com esta catedral quando tinha 18 anos: «...o meu
estado habitual continuava a ser a sensação de asfixia e de desespero. Eu era esse
miúdo infeliz que, no dia 25 de Dezembro de 1886, foi a Notre-Dame de Paris ver
as cerimónias do Natal. Tinha começado a escrever e pareceu-me que iria
encontrar nos ofícios católicos, apreciados com superior diletantismo, a
inspiração e o assunto para uns exercícios decadentes. Foi com essas
disposições que, acotovelado e empurrado pela multidão, assisti, com um prazer
medíocre, à missa solene. Depois, como não tinha nada melhor para fazer, voltei
para as vésperas. Os meninos de coro de túnicas brancas e os alunos do seminário
menor de Saint-Nicolas-du-Chardonnet cantavam o que, soube mais tarde, era o “Magnificat”.
Eu estava em pé, no meio da multidão, perto do segundo pilar na entrada do coro,
do lado direito da sacristia. E foi então que o acontecimento que dominou toda
a minha vida ocorreu. Num instante, o meu coração foi tocado e ACREDITEI. Acreditei
com tanta força de adesão, com tal arrebatamento de todo o meu ser, com uma
convicção tão poderosa, com uma tal certeza que não deixava espaço para
qualquer espécie de dúvida, que desde então todos os livros, todos os
raciocínios, todos os azares de uma vida agitada, não conseguiram abalar a minha
fé, nem, sequer, tocá-la. Experimentei, de repente, o sentimento inebriante da
inocência, da eterna filiação de Deus, uma revelação inefável» (“Ma Conversion”,
Oeuvres en Prose, 1913).
Para um escritor, está bem. Não
serei eu a tirar valor a todas as conversões e a todos os acontecimentos
históricos que tiveram lugar nesta catedral, mas ela tem igualmente uma faceta tecnológica
que merece ser contada.
Até àquela época, os edifícios mais
altos tinham 15 ou 20 metros de altura e estavam parcialmente abrigados por
árvores ou pelas construções circundantes. Em contrapartida, o telhado de Notre
Dame eleva-se a 43 metros de altura, as torres têm 69 metros e a flecha alta
chega quase aos 100 metros. A subida de 20 para 43 metros foi a ocasião de os
construtores descobrirem os efeitos do que hoje chamamos a camada limite
atmosférica, isto é, o progressivo aumento da velocidade do vento com a altura
ao solo.
Na Idade Média, o projecto de uma
catedral já se baseava em cálculos relativamente sofisticados, mas a grandeza
do desafio não dispensava a verificação experimental. Uma das técnicas
consistia em pintar as paredes com cal, para detectar o aparecimento de
fissuras: onde elas aparecessem, as tensões eram demasiado grandes e devia-se
reforçar a estrutura. Em Notre-Dame, verificou-se que se produziam fissuras na
base das paredes quando sopravam ventos mais fortes e compreendeu-se que isso
era devido a uma força lateral aplicada na parte superior do edifício. Ao mesmo
tempo, constatou-se que a catedral era mais escura que o habitual, porque as
únicas janelas ficavam a grande altura.
Assim, decidiu-se apoiar
lateralmente a parte superior do edifício com arcos botantes e abrir grande
janelas mais abaixo. Tinha surgido o estilo gótico na arquitectura!
Os construtores de catedrais da
Idade Média mantinham entre si um estreito contacto, de modo que a notícia
correu por toda a Europa em poucos meses e as modificações de Notre-Dame começaram
a ser aplicadas a todas as grandes igrejas em construção, incluindo algumas
menos altas, que não precisariam deste sistema de apoio. Em poucos meses, em
toda a Europa se passou a construir no estilo gótico.
Os quase 850 anos da catedral de
Notre-Dame presenciaram muitas histórias decisivas da vida da Igreja e do
mundo. Durante a Revolução Francesa, em nome da cultura, deitaram abaixo a
flecha de quase 100 m de altura, destruíram 28 estátuas do interior e todas as
estátuas do exterior à excepção de uma. Ao longo destes séculos, houve tempo
para partir muita coisa, mas também houve tempo para reconstruir este triunfo
do engenho humano sobre a força da camada limite atmosférica. Em honra de Nossa
Senhora.
José Maria C.S. André