segunda-feira, 2 de março de 2020

O Tio Google

«Ensinar os alunos a pensar é ligeiramente diferente de ensiná-los a procurar uma resposta recorrendo à “sabedoria acumulada” pelo Tio Google».
Quem o diz é o Professor Damodaran da Universidade de Nova York.
Ele fala a partir da sua vasta experiência como professor. É necessário ensinar os alunos a desmontar os problemas, para ser mais fácil dar-lhes uma solução, e não reduzir a aprendizagem à capacidade de consultar a internet de um modo mais ou menos eficaz.
Damodaran cunhou uma expressão para significar a facilidade com que hoje se encontram soluções diante de qualquer desafio que a inteligência nos apresente: a “Maldição Google”. Em virtude dessa “praga”, o aluno, em vez de raciocinar por si mesmo procurando a resposta, acede ao motor de busca e encontra milhares de respostas que outros deram a essa mesma pergunta. Algumas verdadeiras, outras falsas e muitas profundamente simplistas.
É um fenómeno tremendamente destrutivo, entre outros motivos, porque implica que as pessoas deixam de pensar por si mesmas.
Parece muito óbvio recordar que o modo como se aprende a resolver um problema não é lendo a resposta, mas pensando sobre ele e procurando a solução.
Se deixamos que outros nos deem essa solução, até pode ser que ela seja correcta, mas nós deixamos de aprender a solucionar problemas. E isso não é uma perda insignificante!
As respostas aos problemas não caem do céu. Vêm por meio de um processo. O aluno, se na verdade quer aprender, tem de se questionar sobre os processos através dos quais se chega a uma solução.
Isso é algo que exige tempo, energia e esforço.
E Damodaran deixa um conselho aos professores: «Ensinar é 95% de preparação e 5% de inspiração. Para que uma aula corra bem, tens de te preparar para a dar. A preparação é parte fundamental do ensino. Não podes ver a preparação como o trabalho sujo que deves fazer para depois poderes deslumbrar e divertir os alunos na sala de aula».
Pe. Rodrigo Lynce de Faria

Que não me apegue a nada

Pede ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, e à tua Mãe, que te façam conhecer-te e chorar por esse montão de coisas sujas que passaram por ti, deixando – ai! – tanto depósito... E ao mesmo tempo, sem quereres afastar-te dessa consideração, diz-lhe: – Dá-me, Jesus, um Amor como fogueira de purificação, onde a minha pobre carne, o meu pobre coração, a minha pobre alma, o meu pobre corpo se consumam, limpando-se de todas as misérias terrenas... E, já vazio de todo o meu eu, enche-o de Ti: que não me apegue a nada daqui de baixo; que sempre me sustente o Amor. (Forja, 41) 

O Senhor ouve-nos para intervir, para Se meter na nossa vida, para nos livrar do mal e encher-nos de bem: eripiam eum et glorificabo eum, Eu o livrarei e o glorificarei, diz do homem. Portanto: esperança do Céu. E aqui temos, como doutras vezes, o começo desse movimento interior que é a vida espiritual. A esperança da glorificação acentua a nossa fé e estimula a nossa caridade. E, deste modo, as três virtudes teologais – virtudes divinas que nos assemelham ao nosso Pai, Deus – põem-se em movimento. (...)

Não é possível deixar-se ficar imóvel. É necessário avançar para a meta que S. Paulo apontava: não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim. A ambição é alta e nobilíssima: a identificação com Cristo, a santidade. Mas não há outro caminho, se se deseja ser coerente com a vida divina que, pelo Baptismo, Deus fez nascer nas nossas almas. O avanço é o progresso na santidade; o retrocesso é negar-se ao desenvolvimento normal da vida cristã. Porque o fogo do amor de Deus precisa de ser alimentado, de aumentar todos os dias arreigando-se na alma; e o fogo mantém-se vivo queimando novas coisas. Por isso, se não aumenta, está a caminho de se extinguir. (Cristo que passa, 57–58)

São Josemaría Escrivá

Podemos ser felizes fora da realidade?

Depois de algum tempo de ansiosa espera, a criança nasceu. Foi uma grande alegria. O pai estava radiante. Pegou no telemóvel e comunicou a notícia aos familiares. Deram-lhe os parabéns e perguntaram-lhe se era um rapaz ou uma rapariga. É a pergunta mais natural numa situação destas. O pai da criança, ainda com a voz emocionada, respondeu do corredor do hospital: «Nasceu rapaz. Já temos um nome para ele. Vai-se chamar Fernando. No entanto, tanto eu como a Cristina respeitamos desde já a sua liberdade. Se mais tarde ele decidir mudar de género, passará a ser ela, e chamar-se-á Fernanda».

Se observarmos com calma, veremos que é cada vez mais habitual utilizar a palavra "género" para substituir a palavra "sexo". Fala-se com frequência da igualdade de género, da violência de género, do direito a escolher o próprio género. Pretende-se instaurar uma sociedade na qual todas as pessoas sejam radicalmente iguais e radicalmente livres. Na qual cada um possa escolher a sua identidade de género e a sua orientação sexual com total independência da biologia.

A natureza com a qual nascemos é vista, por alguns, como um limite à nossa liberdade. Porque é que uma pessoa tem de aceitar nascer rapaz ou rapariga? Porque é que não pode livremente escolher? Quem é que escolheu por mim? Tenho ou não o direito de ser aquilo que quero ser? Quem me pode impedir?

Em nome desta "liberdade", promovem-se leis para o "matrimónio" entre pessoas do mesmo sexo ou para a "mudança" de sexo no Registo Civil. Todos aqueles que não concordam com isto são vistos como homófobos e intolerantes. São vistos como pessoas arcaicas que querem impor os seus valores aos outros e não respeitam o valor supremo da liberdade sem limites.

O problema é que quando nos esquecemos da verdade, a liberdade perde o seu norte e o seu sentido. E a verdade é que o sexo com o qual nascemos não depende da nossa liberdade de escolha. Para a grande maioria das pessoas isto é evidente. No entanto, em nome de um falso conceito de tolerância, existe um medo no ambiente de fazer tais afirmações. São consideradas intolerantes, homófobas e politicamente incorrectas.

Mas a realidade continua a ser a mesma. Nós só podemos escolher de verdade, com verdadeira liberdade, a partir daquilo que somos. Nenhum de nós escolheu existir, ser pessoa, ser livre, ser homem ou ser mulher. Nenhum de nós escolheu o dia do seu nascimento nem os seus pais. Estas condições iniciais da nossa biografia não foram escolhidas por nós. São a "natureza" com a qual nascemos. Podemos revoltar-nos contra a realidade das coisas. Podemos procurar viver como se ela não fosse assim. O que não podemos é evitar que essa revolta passe a sua "factura". Uma factura que nos impede de sermos genuinamente felizes. Porque a própria vida nos demonstra que não há verdadeira felicidade fora da realidade.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

O camponês e o burro

Era uma vez um camponês que tinha um burro. Um dia o animal caiu acidentalmente num poço e não conseguia sair de lá. O camponês tentou várias vezes libertar o burro, mas não era possível. Pediu ajuda a uns amigos, mas mesmo assim não conseguiram nada. Ao fim de vários dias desistiu. O poço estava seco, o burro estava velho e a única solução era enterrá-lo lá.

Pegou numa pá e começou a deitar terra no poço. O burro ficou desesperado ao aperceber-se do que estava a acontecer. Começou a zurrar cheio de amargura. Fazia dó ao camponês, mas ele não via outra solução. Até que num momento determinado deixou de ouvir o animal. Aproximou-se com temor da boca do poço para contemplar o cemitério. Com espanto viu algo insólito. Cada vez que o burro recebia a terra em cima, sacudia-a com decisão e pisava sobre ela. Com esta operação, na qual estava profundamente concentrado, já tinha subido mais de um metro dentro do poço. O camponês sorriu. Continuou a deitar terra e em pouco tempo o burro estava cá fora.

Todos nós temos dificuldades na vida. A diferença está no modo como reagimos diante delas. Existem pessoas que passam a existência a queixar-se, deixando-se soterrar pelas contrariedades. São pessimistas por natureza. Olham com ironia para aqueles que parecem felizes. Pensam que são ingénuos, doidos, que ainda não descobriram que esta vida não tem nenhum sentido. Não respeitam nada. Para eles não há nada que seja sagrado. Tudo se pode banalizar, ridicularizar, porque nada tem sentido. E se tem, não pensam dedicar nem cinco minutos a pensar nele. Talvez tivessem que mudar de vida, de atitude. Isso exige esforço e dá trabalho. Nada vale a pena, porque a alma é pequena.

Um cristão sabe que isso não é verdade. Sabe que foi criado por Deus por amor e que está chamado a viver com Ele para sempre na eternidade. Sabe que a sua vida tem um sentido e que as dificuldades que lhe surgem também. Tem uma profunda confiança em Deus e não duvida que, como diz São Paulo, “tudo é para bem” (Rom 8, 28). Esta certeza fá-lo encarar as contrariedades como aquilo que são: uma oportunidade para crescer. Crescer no amor a Deus e crescer no amor ao próximo. Por isso, quando as dificuldades aparecem, sacode-as de cima com oração, esforço e optimismo. Também com a serenidade de quem sabe que a felicidade em plenitude não pode ser alcançada nesta vida. Está reservada para a futura.

E depois pisa essas dificuldades e assim robustece a sua fé e aproxima-se mais da vida que não terá fim. Diante das contradições não perde a paz, porque sabe que tudo procede do amor. Tudo está ordenado à salvação do homem, e Deus, que é Amor, não permite nada que não seja com essa finalidade.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria