sábado, 29 de fevereiro de 2020

Não há trabalhos de pouca categoria

No serviço de Deus, não há trabalhos de pouca categoria: todos são de muita importância. – A categoria do trabalho depende do nível espiritual de quem o realiza. (Forja, 618)

Compreendem porque é que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade? Esforcem-se por nunca perder este ponto de mira sobrenatural, nem sequer nos momentos de diversão ou de descanso, tão necessários como o trabalho na vida de cada um.

Bem podem chegar ao cume da vossa actividade profissional, alcançar os triunfos mais retumbantes, como fruto da livre iniciativa com que exercem as actividades temporais; mas se abandonarem o sentido sobrenatural que tem de presidir todo o nosso trabalho humano, enganaram-se lamentavelmente no caminho.

(…) Mas voltemos ao nosso tema. Dizia-lhes que bem podem alcançar os êxitos mais espetaculares no terreno profissional, na atuação pública, nos afazeres profissionais, mas se se descuidarem interiormente e se afastarem de Nosso Senhor, o fim será um fracasso rotundo. Perante Deus, que é o que conta em última análise, quem luta por comportar-se como um cristão autêntico, é que consegue a vitória: não existe uma solução intermédia. Por isso vocês conhecem tantas pessoas que deviam sentir-se muito felizes, ao julgar a sua situação de um ponto de vista humano e, no entanto, arrastam uma existência inquieta, azeda; parece que vendem alegria a granel, mas aprofunda-se um pouco nas suas almas e fica a descoberto um sabor acre, mais amargo que o fel. Isto não há-de acontecer a nenhum de nós, se deveras tratarmos de cumprir constantemente a Vontade de Deus, de dar-lhe glória, de louvá-lo e de espalhar o seu reinado entre todas as criaturas. (Amigos de Deus, 10-12)

São Josemaría Escrivá

O Evangelho de Domingo dia 1 de março de 2020

Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo demónio.  Jejuou quarenta dias e quarenta noites, e depois teve fome. E, aproximando-se d'Ele o tentador, disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, diz que estas pedras se convertam em pães». Jesus respondeu: «Está escrito: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”». Então o demónio transportou-O à cidade santa, pô-l'O sobre o pináculo do templo, e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui a baixo, porque está escrito: “Mandou aos seus anjos em teu favor, eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra”». Jesus disse-lhe: «Também está escrito: “Não tentarás o Senhor teu Deus”». De novo o demónio O transportou a um monte muito alto, e Lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua magnificência, e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». Então, Jesus disse-lhe: «Vai-te, satanás, porque está escrito: “Ao Senhor teu Deus adorarás e a Ele só servirás”». Então o demónio deixou-O; e eis que os anjos se aproximaram e O serviram.

Mt 4, 1-11

O SILÊNCIO

Cala a tua voz,
acalma o teu coração,
sossega o teu pensamento,
vive o momento de encanto.

Às coisas do mundo diz não,
deixa-te ouvir a voz do vento,
porque no silêncio que fazes,
fala-te o Espírito Santo.

Não percas esse momento,
deixa-te ficar em silêncio,
porque Deus quer-te falar,
de como te tem amor,
amor para além do tempo,
amor que é sempre amar,
num abraço abrasador,
que te transforma por dentro.

Escuta,
não tenhas medo,
de ficares assim calado,
escuta o que Ele te diz em segredo,
e depois de bem O ouvires,
depois de tão bem O sentires,
entrega-te,
abandonado,
sabendo que Ele está contigo,
em cada sopro que respires,
assim,
mesmo a teu lado,
envolvendo-te no Seu amor,
e responde-Lhe simplesmente,
num murmúrio sussurrado:
Amo-Te para sempre, Senhor!

Monte Real, 6 de Fevereiro de 2018

Joaquim Mexia Alves

https://queeaverdade.blogspot.pt/2018/02/o-silencio.html

De Vitorchiano a Palaçoulo, sem retorno

No passado dia 13 de Maio (2018), antes de Francisco canonizar os Pastorinhos Francisco e Jacinta, desenrolou-se no mosteiro trapista de Vitorchiano a votação decisiva. A cronista do mosteiro descreve a experiência como «um momento comovente e importante para a comunidade, esperado e preparado. Desde há vários meses, depois da leitura da Regra e do momento da Reconciliação, rezávamos uma oração a Nossa Senhora de Fátima». Finalmente, no passado dia 13 de Maio, de manhã, as Superioras reuniram-se para votar.

Continua o relato: «O resultado da votação foi positivo, dissemos sim [ao novo mosteiro de Nossa Senhora Mãe da Igreja, na diocese de Bragança, perto da aldeia de Palaçoulo]. Quando as Madres [que tinham votado] desataram a aplaudir, cheias de alegria, irromperam pela sala capitular as noviças, as freiras, as irmãs hóspedes ou visitantes, para se unirem à festa. Depois, assistimos à transmissão do Papa em Fátima e à canonização de Jacinta e Francisco Marto, o que situou ainda mais no coração da Igreja a decisão que tínhamos vivido».

«Impressiona ver o envolvimento afectivo e espiritual da comunidade. É verdade que (...) era um momento fora do comum, mas talvez o motivo de tanta paixão é que esta fundação não nasceu de nenhum projecto, de um desejo especial ou de uma ideia nossa, impôs-se simplesmente como uma evidência, neste ano ligado a Nossa Senhora de Fátima, com o pedido do Bispo de Bragança (...). De certo modo, sentimo-nos olhadas, amadas, escolhidas para estarmos mais próximas de Nossa Senhora no centenário das Aparições de Fátima. A seguir, virão seguramente todas as provas, as fadigas, as dificuldades (...), mas agora reparamos mais no milagre da Vida».

As autoridades portuguesas aceitaram a instalação do convento, o Capítulo Geral da Ordem aprovou a iniciativa. O relato do 13 de Maio em Vitorchiano conclui: «Acompanhem-nos com as vossas orações para que tudo se cumpra conforme o querer de Deus e para que as dificuldades (também financeiras) nunca ofusquem o nosso sim de hoje, que dissemos com alegria e confiança na Providência».

Em Vitorchiano vivem cerca de 80 mulheres, de vários países. Gostam de parafrasear Bento XVI: «queremos deixar-nos transformar pelo Amor, pela Pessoa de Cristo, porque a nossa vida não assenta numa ideia ou numa decisão ética, mas brota do encontro com Cristo que se renova cada dia na Igreja». Segundo elas, «seguir Cristo, dar-Lhe tudo, significa receber já cem vezes mais». E gostam de citar um programa de vida espiritual, escrito no século XII por um membro da Ordem: viver «em caridade recíproca e ininterrupta (...) fundada sobre a verdade, não inquinada por rancores ou suspeitas; constantemente cultivada pela aceitação mútua (...); guardada com delicadeza e prudência (...); não obscurecida pela simulação (...). Ninguém se engane julgando que ama Deus: se não ama o próximo, não ama Deus».

Irmã Antonella no dia que fez os votos em Agosto de 2016
A vida nos mosteiros trapistas é muito dura. Mas vale a pena! Muitas raparigas continuam a afluir, para se consagrarem a Deus para toda a vida. Hoje em dia, que a internet nos permite estar em todo o lado, encontramos comunidades transbordantes de alegria, personalidades equilibradas e felizes, femininas e elegantes (as fotografias falam por si). E a Ordem continua a abrir conventos: Angola, Argentina, Brasil, Chile, República Checa, China, Filipinas, Indonésia, Itália, Nicarágua...

A Irmã Gabriela é a figura mais conhecida de Vitorchiano. As biografias contam que era uma criança um pouco contestatária, rebelde, com um forte sentido da fidelidade. Aos 18 anos, pôs-se nas mãos de Deus e, aos 21, entrou no convento. Um dos seus traços essenciais é a gratidão. Agradecia a misericórdia de Deus, o tê-la chamado à vida monástica, o tê-la posto junto daquelas irmãs, tudo. Passava a vida a surpreender-se: «Como o Senhor é bom!».

Vitorchiano caracterizava-se por uma grande sensibilidade ecuménica, um desejo intenso de promover a unidade da Igreja. A Irmã Gabriela captou esse querer divino e por isso escolheu o nome de Maria Gabriela da Unidade e centrou a sua oração no capítulo 17 do Evangelho de S. João. Pouco depois de entrar no convento, entregou a própria vida a Deus por essa intenção. Nesse mesmo dia, ela – que respirava saúde –, ficou gravemente tuberculosa. Morreu em 15 meses, no Domingo do Bom Pastor de 1939, em que a Igreja lê o Evangelho em que Jesus anuncia: «Haverá um só rebanho e um só pastor».

O empenho da Irmã Gabriela pela unidade da Igreja teve eco nas comunidades anglicanas e noutras comunidades protestantes. Foi também a partir da sua morte que as vocações começaram a chegar a Vitorchiano em maior número. O Papa João Paulo II beatificou-a no último dia da Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos do ano de 1983 e, na Encíclica «Ut unum sint», de 1995 (n° 27), propõe-na como modelo a todos cristãos.

Bem-vindas Irmãs! Welcome Sisters! Siate benvenute Suore! Bienvenues Sœurs! Willkommen Schwestern! Portugal espera-vos!
José Maria C.S. André
11-II-2018
Spe Deus

A mulher mais poderosa do mundo

«A mulher mais poderosa do mundo», foi o título de capa da edição americana da «National Geographic» de Dezembro passado (2016). No interior, a revista trata o tema profissionalmente. Documentou-se e convence: mesmo descontando milagres e aparições, o poder da Mãe de Jesus chega a definir a identidade de povos inteiros. Nem sequer a rainha de Inglaterra se compara! Notícia que deixou os leitores norte-americanos impressionados e teve grande eco na imprensa.

Na viagem ao México, Francisco brincou com o assunto: até os mexicanos ateus se identificam com a mensagem de Nossa Senhora em Guadalupe. Quanto mais ele, Papa! Na viagem de ida anunciou: «O meu desejo mais íntimo é ficar a olhar para a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, um mistério que se estuda, estuda, estuda e continua sem explicação... é uma coisa de Deus». O Papa referia-se a algumas características daquela imagem que ainda hoje não se conseguem imitar, mas o importante para ele era ficar a olhá-la e saber-se olhado. O santuário percebeu o recado e colocou-lhe uma cadeira em frente da imagem, para que o Papa se demorasse ali, quase sozinho. Quando os jornalistas lhe perguntaram o que tinha estado a rezar durante aquele tempo todo, Francisco desvendou uma ponta, mas guardou o resto: «...as coisas que um filho diz à sua querida mãe são um segredo!».

Na escala anterior, em Cuba, o Papa tinha-se deparado com outro sinal impressionante do poder de Maria. É uma longa história, com passagem por Portugal: o ícone de Nossa Senhora de Kazan que o Patriarca Kirill ofereceu ao Papa.

A imagem original, pintada em data incerta, esteve vários séculos no mosteiro de Kazan e dela se fizeram muitas reproduções, em igrejas espalhadas pela Rússia. Despareceu em 1209, nas guerras, e foi recuperada em 1579, nos escombros de um incêndio, em circunstâncias miraculosas. Tornou-se então a referência da Rússia, a salvadora da pátria: primeiro contra os polacos; depois contra os suecos; a seguir contra Napoleão. A imagem tornou-se o ícone da família do Czar e Pedro o Grande colocou uma cópia na catedral dedicada a Nossa Senhora de Kazan, em São Petersburgo, a nova capital. Esta catedral também tem uma história curiosa. Nalgumas fotografias, parece a praça de S. Pedro em Roma, com a colunata e a basílica, e a intenção era mesmo essa, como expressão do anseio de a Rússia se unir novamente à Igreja católica. A Igreja ortodoxa protestou com todas as forças contra aquela arquitectura, mas o Czar foi mais teimoso.

A imagem foi roubada da catedral em 1904 e por isso os comunistas já não lhe deitaram a mão, limitaram-se a destruir os outros exemplares e arrasar as respectivas igrejas, ou destiná-las a instalações sanitárias e funções ridículas. Só conservaram a catedral de São Petersburgo, para Museu do Ateísmo. Ao cabo de clandestinidades várias, o ícone escapou da União Soviética e foi parar às mãos de comerciantes oportunistas. A associação católica «Exército Azul» (azul, cor de Nossa Senhora) resgatou-o colocou-o na capela bizantino-russa da «Domus Pacis» (Casa da Paz), junto ao santuário de Fátima, à espera de ser devolvida aos russos. Em 1993, depois da queda do muro de Berlim, foi para Roma, onde o Papa João Paulo II a guardou com grande devoção no seu gabinete, com a intenção de a levar pessoalmente à Rússia. Infelizmente, a igreja ortodoxa russa rejeitou todas as tentativas de o Bispo de Roma visitar o país.

Capela Bizantina na Domus Pacis em Fátima
Em 1997, ao tornar-se pública alguma documentação da II Guerra Mundial, soube-se que Elias, então Metropolita russo no Líbano, tinha enviado uma missiva a Stalin, levada em mão pelo próprio Chefe do Estado-Maior da Armada Vermelha, a contar-lhe uma visão: Stalin devia libertar o clero da prisão e deixar que o ícone de Kazan fosse levado em procissão em várias cidades. O receio supersticioso de Stalin explica o chamado «período religioso» (entre 1941 e 1942) e o ter atribuído ao Metropolita Elias o prémio Stalin, «por serviços eminentes à União Soviética e à causa do socialismo». Elias não quis receber dinheiro do ditador e entregou-o para ajuda aos órfãos da guerra; derrotados os nazis, Stalin esqueceu o «período religioso».

Em 2004, João Paulo II desistiu de esperar pela oportunidade de visitar a Rússia e enviou uma delegação para entregar o ícone ao Patriarca ortodoxo, como sinal do desejo de unidade. A delegação foi acolhida, mas a oferta foi desvalorizada: a primitiva pintura tinha-se perdido, aquela era só uma cópia, talvez a roubada da catedral de São Petersburgo; afinal, o Papa só devolvia aos ortodoxos o que já lhes pertencia...

Tanta coisa mudou entretanto que Kirill, actual Patriarca de todas as Rússias, escolheu justamente uma cópia dessa imagem para a oferecer ao Papa Francisco, como «expressão de unidade».
José Maria C.S. André
Spe Deus
28-II-2016