domingo, 9 de fevereiro de 2020

Comunhão dos Santos

Vivei uma particular Comunhão dos Santos: e cada um sentirá, à hora da luta interior, e à hora do trabalho profissional, a alegria e a força de não estar só. (Caminho, 545)

Há instantes, antes do lavabo, invocámos o Espírito Santo, pedindo-Lhe que abençoasse o Sacrifício oferecido ao Seu Santo Nome. Terminada a purificação, dirigimo-nos à Trindade – Suscipe, Sancta Trinitas –, para que receba o que apresentamos em memória da Vida, da Paixão, da Ressurreição e da Ascensão de Cristo, em honra de Maria, sempre Virgem, e em honra de todos os santos.

A oblação deve redundar em benefício de todos – Orate, fratres, reza o sacerdote –, porque este sacrifício é meu e vosso, de toda a Igreja Santa. Orai, irmãos, mesmo que sejam poucos os que se encontram reunidos, mesmo que se encontre materialmente presente apenas um cristão ou até só o celebrante, porque uma Missa é sempre o holocausto universal, o resgate de todas as tribos e línguas e povos e nações!

Todos os cristãos, pela comunhão dos Santos, recebem as graças de cada Missa, quer se celebre diante de milhares de pessoas, quer haja apenas como único assistente um menino, possivelmente distraído, a ajudar o sacerdote. Tanto num caso como noutro, a Terra e o Céu unem-se para entoar com os Anjos do Senhor: Sanctus, Sanctus, Sanctus... (Cristo que passa, 89)

São Josemaría Escrivá

Bom Domingo do Senhor!

Que a nossa luz brilhe como nos fala o Evangelho de hoje (Mt 5, 13-16) transformando a nossa vida num ato de louvor permanente ao Senhor.

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo…

Os defeitos dos outros

Era já de provecta idade. Considerava-se, com toda a humildade, um verdadeiro especialista em obras de arte. Um dia, foi visitar um museu com um grupo de amigos. Logo no início da visita, começou a manifestar as suas contundentes opiniões. Inadvertidamente, tinha-se esquecido dos óculos em casa. Mesmo assim, não se coibiu de satirizar as diferentes pinturas com a sua veemência característica.

Ao parar diante de um “retrato”, analisou-o com ar arrogante: «O homem está mal vestido. O artista cometeu um erro de palmatória. O modelo é demasiado vulgar. Resumindo e concluindo: esta pintura não tem qualidade nenhuma». A sua mulher, ao aperceber-se da barraca que o marido armava, aproximou-se discretamente e sussurrou-lhe: «Querido, estás a olhar para um espelho». Moral da história: custa-nos reconhecer os nossos defeitos. Quando os vemos nos outros, parecem-nos muito grandes.

Além disso, também podemos concluir que, muitas vezes, o melhor modo de nos darmos conta da necessidade que temos de lutar contra os nossos defeitos é vê-los “encarnados” noutra pessoa. Nesse caso, os defeitos vêem-se com objectividade, sem névoas que procedem do nosso amor-próprio.

Desaparece a típica indulgência automática que possuímos connosco próprios. Os defeitos aparecem como aquilo que são: algo mais vivo, mais áspero, menos agradável, mais necessitado de uma mudança urgente. As nossas imperfeições ― contempladas com a realidade que dá ver as coisas com uma perspectiva exterior ― parecem-nos menos lógicas e muito menos desculpáveis. Para melhorarmos, é preciso que não tenhamos medo de olharmos para elas cara a cara, chamá-las pelo seu nome e esforçar-nos por erradicá-las sem falsas compreensões.

O esforço é exigente, sem dúvida nenhuma. Mas, evidentemente, vale a pena. Não é nada fácil reconhecer os nossos defeitos e admitir a necessidade de esforçarmo-nos por superá-los. Mesmo não sendo fácil, esse passo prévio é fundamental para podermos melhorar com o passar do tempo. Não basta deixarmos os anos correrem.

O passar dos anos melhora o vinho do Porto ― mas não o nosso carácter. O que aperfeiçoa o nosso carácter é o esforço por arrancar ― ou pelo menos diminuir ― as nossas imperfeições. E não nos enganemos: sem uma visão objectiva dessas imperfeições não há esforço de nenhum tipo. Ficam só os desejos genéricos de «mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma».

Todos possuímos ― sabe-se lá porquê ― uma grande perspicácia para ver os defeitos dos outros e uma enorme dificuldade para vislumbrar os próprios. Talvez porque, como diz o ditado, nunca ninguém é bom juiz em causa própria.

Sabendo disso, podíamos avançar muito se, cada vez que vemos noutra pessoa um defeito, nos examinássemos sinceramente para ver se também nós não o temos num grau superior. Isso por uma razão muito simples: porque, geralmente, os defeitos que mais nos custam a aceitar nas outras pessoas são precisamente aqueles que nós possuímos. Estamos a olhar para um espelho.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

A Igreja no Império de Mao

Na China, está-se a tentar a substituição dos bispos clandestinos pelos da chamada igreja patriótica, o que está a causar uma profunda consternação nos católicos chineses.

Reza a história que a actual China era denominada, pelos seus habitantes, Zhong-guo, ou seja, o Império do Meio. O nome reflectia uma visão imperialista do mundo, centrado na própria China, que então estava rodeada de Estados tributários, submetidos ao imperador, o Filho dos Céus. A concepção monárquica deu lugar à actual estrutura republicana, mas a China continua a ser um império, embora eufemisticamente disfarçado de democracia popular. Depois da estrepitosa falência dos regimes comunistas europeus, sobretudo graças a São João Paulo II, a China manteve-se fiel ao marxismo, numa das suas mais mortíferas versões: o maoísmo. Não obstante a liberalização da sua economia, o regime político continua autoritário e contrário aos direitos humanos, como o massacre da praça de Tiananmen evidenciou.

Na China comunista, a Igreja católica é perseguida, principalmente os seus bispos e padres. Muitos, com efeito, estão detidos, ou impedidos de exercerem o seu ministério. Como já acontecera com a Revolução Francesa, as autoridades comunistas chinesas promoveram uma igreja católica cismática, que recebe o nome de patriótica, por oposição à verdadeira Igreja, que seria portanto antipatriótica. Escusado será dizer que só os bispos e padres da igreja patriótica têm liberdade de acção; a Igreja clandestina não goza de quaisquer direitos e os seus bispos e padres só podem exercer o seu sagrado ministério de forma oculta e com perigo da própria vida.

Com São João Paulo II e, sobretudo, Bento XVI, que escreveu uma carta a este propósito, têm sido muitos os esforços do Vaticano para estabelecer boas relações com a China, que se espera que venha a reconhecer a liberdade religiosa dos fiéis da única Igreja católica chinesa, dita clandestina. Com efeito, os bispos da igreja patriótica, ao não terem sido ordenados com mandato pontifício, embora tenham recebido o episcopado, estão automaticamente excomungados, também pela sua atitude cismática em relação a Roma. Bento XVI tentou que as nomeações dos bispos católicos na China fosse feita por acordo entre a Santa Sé e as autoridades chinesas, por forma a pôr termo à existência das duas hierarquias paralelas.

Já no actual pontificado, a diplomacia vaticana parece estar a tentar uma nova solução, mas pela via da substituição dos bispos clandestinos pelos da chamada igreja patriótica. Uma tal medida está a causar uma profunda consternação nos católicos chineses, nomeadamente o Cardeal Zen, bispo emérito de Hong-Kong que, por este motivo, foi expressamente a Roma, para protestar pelo que considera ser a venda, pelo Vaticano, da Igreja católica na China.

Imagem usada nas redes sociais locais com dizeres
"We support Cardinal Zen"
O Cardeal Zen, que é um símbolo vivo da resistência católica no seu país, conseguiu entregar uma carta ao Papa Francisco, a quem expôs a situação na China e denunciou as tentativas de substituição da Igreja clandestina pela patriótica. Pequim veria com bons olhos a existência de uma Igreja católica nacional totalmente dominada pelo regime, como até à data tem sido a igreja dita patriótica. O Papa Francisco, depois de ler a carta do cardeal Zen e de o receber, assegurou-lhe que deu instruções para evitar o que o bispo emérito de Hong-Kong denunciou. Também garantiu que segue de perto as diligências do Vaticano sobre este particular.

Contudo, outro parece ser o entendimento do Secretário de Estado da Santa Sé, que chefia a diplomacia vaticana. Numa recente entrevista, o Cardeal Pietro Parolin disse: “Se a alguém se lhe pede um sacrifício, pequeno ou grande, deve ter presente que isso não é um preço político, mas faz parte de uma perspectiva evangélica de um bem maior, o bem da Igreja de Cristo”. Como só a Igreja clandestina obedece a Roma, é óbvio que o sacrifício não pode ser outro que o da substituição da sua própria hierarquia pela patriótica, supostamente “para o bem da Igreja de Cristo”. Só assim se poderia chegar, como Parolin deseja, “a já não ter que falar de bispos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’, ‘clandestinos’ e ‘oficiais’ na Igreja chinesa, mas de um encontro entre irmãos, aprendendo de novo a linguagem da colaboração e da comunicação”.

Ora, como George Weigel recentemente escreveu, sempre que a diplomacia vaticana optou por colaborar com regimes totalitários, os resultados foram desastrosos. Com efeito, as concordatas com Mussolini e Hitler não impediram que o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão perseguissem a Igreja católica, que denunciou aqueles dois regimes por via das encíclicas Non abbiamo bisogno, de 1931, e Mit brennender Sorge, de 1937, ambas de Pio XI.

Também são preocupantes as declarações do chanceler da Pontifícia Academia das Ciências, o arcebispo argentino Marcelo Sánchez Sorondo que, no seu regresso de uma viagem a Pequim, declarou que “os chineses são, de momento, os que melhor põem em prática a Doutrina Social da Igreja”! A afirmação esquece que a China não só desrespeita os mais elementares direitos humanos – recorde-se, por exemplo, o recurso frequente à pena de morte, a sua política repressora da natalidade, a ausência de liberdade política, religiosa, etc. – como também é, na actualidade, um dos países em que os católicos são mais perseguidos.

Sánchez Sorondo permitiu-se até exaltar a ‘superioridade moral’ da China comunista. Segundo o chanceler da Academia das Ciências, Pequim “defende a dignidade da pessoa humana” (!!) e, mais do que outros países, está a levar à prática as recomendações da encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, “assumindo uma chefia moral que outros abandonaram”, numa clara alusão aos Estados Unidos da América!!!

Não sei se a China continua a ser o Império do Meio, mas certamente ainda é, infelizmente, o Império de Mao, que em português soa ao que verdadeiramente é. Nesta hora difícil para os heroicos católicos chineses, valha-lhes a oração dos seus irmãos na fé, a solidariedade dos verdadeiros democratas, a promessa do Papa Francisco ao Cardeal Zen e, sobretudo, a divina certeza de que nem o mal, nem o Mao, prevalecerão contra a Igreja de Cristo (Mt 16, 18).

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador
(seleção de imagens 'Spe Deus)

Nota 'Spe Deus': O Cardeal Zen numa das suas intervenções interroga-se “Pode-se imaginar um acordo entre São José e o Rei Herodes?”

«Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo»

Sermão atribuído a São Máximo de Turim (?-c. 420), bispo 

O Senhor disse aos Seus apóstolos: «Vós sois a luz do mundo». Como são justas as comparações que o Senhor emprega para designar os nossos pais na fé! Chama-lhes «sal», a eles que nos ensinam a sabedoria de Deus, e «luz», a eles que afastam dos nossos corações a cegueira e as trevas da nossa incredulidade. Mas é justo que os apóstolos recebam o nome de luz: eles anunciam, na obscuridade do mundo, a claridade do céu e o esplendor da eternidade. Não se tornou Pedro uma luz para o mundo inteiro e para todos os fiéis quando disse ao Senhor: «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo»? (Mt 16,16) Que maior claridade teria o género humano podido receber do que ficar a saber por Pedro que o Filho de Deus vivo era o criador da sua luz?

E São Paulo não é uma luz menor para o mundo: enquanto toda a terra estava cega pelas trevas da maldade, ele subiu ao céu (2Co 12,2) e, no seu regresso, revelou os mistérios do esplendor eterno. Foi por isso que não pôde, nem esconder-se, tal como uma cidade fundada no alto duma montanha, nem deixar que o escondessem, pois Cristo, pela luz da Sua majestade, tinha-o incendiado como uma candeia cheia do óleo do Espírito Santo. Por isso, bem-amados, se, renunciando às ilusões deste mundo, queremos procurar o sabor da sabedoria de Deus, provemos o sal dos apóstolos.