sábado, 29 de fevereiro de 2020

Não há trabalhos de pouca categoria

No serviço de Deus, não há trabalhos de pouca categoria: todos são de muita importância. – A categoria do trabalho depende do nível espiritual de quem o realiza. (Forja, 618)

Compreendem porque é que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade? Esforcem-se por nunca perder este ponto de mira sobrenatural, nem sequer nos momentos de diversão ou de descanso, tão necessários como o trabalho na vida de cada um.

Bem podem chegar ao cume da vossa actividade profissional, alcançar os triunfos mais retumbantes, como fruto da livre iniciativa com que exercem as actividades temporais; mas se abandonarem o sentido sobrenatural que tem de presidir todo o nosso trabalho humano, enganaram-se lamentavelmente no caminho.

(…) Mas voltemos ao nosso tema. Dizia-lhes que bem podem alcançar os êxitos mais espetaculares no terreno profissional, na atuação pública, nos afazeres profissionais, mas se se descuidarem interiormente e se afastarem de Nosso Senhor, o fim será um fracasso rotundo. Perante Deus, que é o que conta em última análise, quem luta por comportar-se como um cristão autêntico, é que consegue a vitória: não existe uma solução intermédia. Por isso vocês conhecem tantas pessoas que deviam sentir-se muito felizes, ao julgar a sua situação de um ponto de vista humano e, no entanto, arrastam uma existência inquieta, azeda; parece que vendem alegria a granel, mas aprofunda-se um pouco nas suas almas e fica a descoberto um sabor acre, mais amargo que o fel. Isto não há-de acontecer a nenhum de nós, se deveras tratarmos de cumprir constantemente a Vontade de Deus, de dar-lhe glória, de louvá-lo e de espalhar o seu reinado entre todas as criaturas. (Amigos de Deus, 10-12)

São Josemaría Escrivá

O Evangelho de Domingo dia 1 de março de 2020

Então Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo demónio.  Jejuou quarenta dias e quarenta noites, e depois teve fome. E, aproximando-se d'Ele o tentador, disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, diz que estas pedras se convertam em pães». Jesus respondeu: «Está escrito: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”». Então o demónio transportou-O à cidade santa, pô-l'O sobre o pináculo do templo, e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui a baixo, porque está escrito: “Mandou aos seus anjos em teu favor, eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra”». Jesus disse-lhe: «Também está escrito: “Não tentarás o Senhor teu Deus”». De novo o demónio O transportou a um monte muito alto, e Lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua magnificência, e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». Então, Jesus disse-lhe: «Vai-te, satanás, porque está escrito: “Ao Senhor teu Deus adorarás e a Ele só servirás”». Então o demónio deixou-O; e eis que os anjos se aproximaram e O serviram.

Mt 4, 1-11

O SILÊNCIO

Cala a tua voz,
acalma o teu coração,
sossega o teu pensamento,
vive o momento de encanto.

Às coisas do mundo diz não,
deixa-te ouvir a voz do vento,
porque no silêncio que fazes,
fala-te o Espírito Santo.

Não percas esse momento,
deixa-te ficar em silêncio,
porque Deus quer-te falar,
de como te tem amor,
amor para além do tempo,
amor que é sempre amar,
num abraço abrasador,
que te transforma por dentro.

Escuta,
não tenhas medo,
de ficares assim calado,
escuta o que Ele te diz em segredo,
e depois de bem O ouvires,
depois de tão bem O sentires,
entrega-te,
abandonado,
sabendo que Ele está contigo,
em cada sopro que respires,
assim,
mesmo a teu lado,
envolvendo-te no Seu amor,
e responde-Lhe simplesmente,
num murmúrio sussurrado:
Amo-Te para sempre, Senhor!

Monte Real, 6 de Fevereiro de 2018

Joaquim Mexia Alves

https://queeaverdade.blogspot.pt/2018/02/o-silencio.html

De Vitorchiano a Palaçoulo, sem retorno

No passado dia 13 de Maio (2018), antes de Francisco canonizar os Pastorinhos Francisco e Jacinta, desenrolou-se no mosteiro trapista de Vitorchiano a votação decisiva. A cronista do mosteiro descreve a experiência como «um momento comovente e importante para a comunidade, esperado e preparado. Desde há vários meses, depois da leitura da Regra e do momento da Reconciliação, rezávamos uma oração a Nossa Senhora de Fátima». Finalmente, no passado dia 13 de Maio, de manhã, as Superioras reuniram-se para votar.

Continua o relato: «O resultado da votação foi positivo, dissemos sim [ao novo mosteiro de Nossa Senhora Mãe da Igreja, na diocese de Bragança, perto da aldeia de Palaçoulo]. Quando as Madres [que tinham votado] desataram a aplaudir, cheias de alegria, irromperam pela sala capitular as noviças, as freiras, as irmãs hóspedes ou visitantes, para se unirem à festa. Depois, assistimos à transmissão do Papa em Fátima e à canonização de Jacinta e Francisco Marto, o que situou ainda mais no coração da Igreja a decisão que tínhamos vivido».

«Impressiona ver o envolvimento afectivo e espiritual da comunidade. É verdade que (...) era um momento fora do comum, mas talvez o motivo de tanta paixão é que esta fundação não nasceu de nenhum projecto, de um desejo especial ou de uma ideia nossa, impôs-se simplesmente como uma evidência, neste ano ligado a Nossa Senhora de Fátima, com o pedido do Bispo de Bragança (...). De certo modo, sentimo-nos olhadas, amadas, escolhidas para estarmos mais próximas de Nossa Senhora no centenário das Aparições de Fátima. A seguir, virão seguramente todas as provas, as fadigas, as dificuldades (...), mas agora reparamos mais no milagre da Vida».

As autoridades portuguesas aceitaram a instalação do convento, o Capítulo Geral da Ordem aprovou a iniciativa. O relato do 13 de Maio em Vitorchiano conclui: «Acompanhem-nos com as vossas orações para que tudo se cumpra conforme o querer de Deus e para que as dificuldades (também financeiras) nunca ofusquem o nosso sim de hoje, que dissemos com alegria e confiança na Providência».

Em Vitorchiano vivem cerca de 80 mulheres, de vários países. Gostam de parafrasear Bento XVI: «queremos deixar-nos transformar pelo Amor, pela Pessoa de Cristo, porque a nossa vida não assenta numa ideia ou numa decisão ética, mas brota do encontro com Cristo que se renova cada dia na Igreja». Segundo elas, «seguir Cristo, dar-Lhe tudo, significa receber já cem vezes mais». E gostam de citar um programa de vida espiritual, escrito no século XII por um membro da Ordem: viver «em caridade recíproca e ininterrupta (...) fundada sobre a verdade, não inquinada por rancores ou suspeitas; constantemente cultivada pela aceitação mútua (...); guardada com delicadeza e prudência (...); não obscurecida pela simulação (...). Ninguém se engane julgando que ama Deus: se não ama o próximo, não ama Deus».

Irmã Antonella no dia que fez os votos em Agosto de 2016
A vida nos mosteiros trapistas é muito dura. Mas vale a pena! Muitas raparigas continuam a afluir, para se consagrarem a Deus para toda a vida. Hoje em dia, que a internet nos permite estar em todo o lado, encontramos comunidades transbordantes de alegria, personalidades equilibradas e felizes, femininas e elegantes (as fotografias falam por si). E a Ordem continua a abrir conventos: Angola, Argentina, Brasil, Chile, República Checa, China, Filipinas, Indonésia, Itália, Nicarágua...

A Irmã Gabriela é a figura mais conhecida de Vitorchiano. As biografias contam que era uma criança um pouco contestatária, rebelde, com um forte sentido da fidelidade. Aos 18 anos, pôs-se nas mãos de Deus e, aos 21, entrou no convento. Um dos seus traços essenciais é a gratidão. Agradecia a misericórdia de Deus, o tê-la chamado à vida monástica, o tê-la posto junto daquelas irmãs, tudo. Passava a vida a surpreender-se: «Como o Senhor é bom!».

Vitorchiano caracterizava-se por uma grande sensibilidade ecuménica, um desejo intenso de promover a unidade da Igreja. A Irmã Gabriela captou esse querer divino e por isso escolheu o nome de Maria Gabriela da Unidade e centrou a sua oração no capítulo 17 do Evangelho de S. João. Pouco depois de entrar no convento, entregou a própria vida a Deus por essa intenção. Nesse mesmo dia, ela – que respirava saúde –, ficou gravemente tuberculosa. Morreu em 15 meses, no Domingo do Bom Pastor de 1939, em que a Igreja lê o Evangelho em que Jesus anuncia: «Haverá um só rebanho e um só pastor».

O empenho da Irmã Gabriela pela unidade da Igreja teve eco nas comunidades anglicanas e noutras comunidades protestantes. Foi também a partir da sua morte que as vocações começaram a chegar a Vitorchiano em maior número. O Papa João Paulo II beatificou-a no último dia da Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos do ano de 1983 e, na Encíclica «Ut unum sint», de 1995 (n° 27), propõe-na como modelo a todos cristãos.

Bem-vindas Irmãs! Welcome Sisters! Siate benvenute Suore! Bienvenues Sœurs! Willkommen Schwestern! Portugal espera-vos!
José Maria C.S. André
11-II-2018
Spe Deus

A mulher mais poderosa do mundo

«A mulher mais poderosa do mundo», foi o título de capa da edição americana da «National Geographic» de Dezembro passado (2016). No interior, a revista trata o tema profissionalmente. Documentou-se e convence: mesmo descontando milagres e aparições, o poder da Mãe de Jesus chega a definir a identidade de povos inteiros. Nem sequer a rainha de Inglaterra se compara! Notícia que deixou os leitores norte-americanos impressionados e teve grande eco na imprensa.

Na viagem ao México, Francisco brincou com o assunto: até os mexicanos ateus se identificam com a mensagem de Nossa Senhora em Guadalupe. Quanto mais ele, Papa! Na viagem de ida anunciou: «O meu desejo mais íntimo é ficar a olhar para a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, um mistério que se estuda, estuda, estuda e continua sem explicação... é uma coisa de Deus». O Papa referia-se a algumas características daquela imagem que ainda hoje não se conseguem imitar, mas o importante para ele era ficar a olhá-la e saber-se olhado. O santuário percebeu o recado e colocou-lhe uma cadeira em frente da imagem, para que o Papa se demorasse ali, quase sozinho. Quando os jornalistas lhe perguntaram o que tinha estado a rezar durante aquele tempo todo, Francisco desvendou uma ponta, mas guardou o resto: «...as coisas que um filho diz à sua querida mãe são um segredo!».

Na escala anterior, em Cuba, o Papa tinha-se deparado com outro sinal impressionante do poder de Maria. É uma longa história, com passagem por Portugal: o ícone de Nossa Senhora de Kazan que o Patriarca Kirill ofereceu ao Papa.

A imagem original, pintada em data incerta, esteve vários séculos no mosteiro de Kazan e dela se fizeram muitas reproduções, em igrejas espalhadas pela Rússia. Despareceu em 1209, nas guerras, e foi recuperada em 1579, nos escombros de um incêndio, em circunstâncias miraculosas. Tornou-se então a referência da Rússia, a salvadora da pátria: primeiro contra os polacos; depois contra os suecos; a seguir contra Napoleão. A imagem tornou-se o ícone da família do Czar e Pedro o Grande colocou uma cópia na catedral dedicada a Nossa Senhora de Kazan, em São Petersburgo, a nova capital. Esta catedral também tem uma história curiosa. Nalgumas fotografias, parece a praça de S. Pedro em Roma, com a colunata e a basílica, e a intenção era mesmo essa, como expressão do anseio de a Rússia se unir novamente à Igreja católica. A Igreja ortodoxa protestou com todas as forças contra aquela arquitectura, mas o Czar foi mais teimoso.

A imagem foi roubada da catedral em 1904 e por isso os comunistas já não lhe deitaram a mão, limitaram-se a destruir os outros exemplares e arrasar as respectivas igrejas, ou destiná-las a instalações sanitárias e funções ridículas. Só conservaram a catedral de São Petersburgo, para Museu do Ateísmo. Ao cabo de clandestinidades várias, o ícone escapou da União Soviética e foi parar às mãos de comerciantes oportunistas. A associação católica «Exército Azul» (azul, cor de Nossa Senhora) resgatou-o colocou-o na capela bizantino-russa da «Domus Pacis» (Casa da Paz), junto ao santuário de Fátima, à espera de ser devolvida aos russos. Em 1993, depois da queda do muro de Berlim, foi para Roma, onde o Papa João Paulo II a guardou com grande devoção no seu gabinete, com a intenção de a levar pessoalmente à Rússia. Infelizmente, a igreja ortodoxa russa rejeitou todas as tentativas de o Bispo de Roma visitar o país.

Capela Bizantina na Domus Pacis em Fátima
Em 1997, ao tornar-se pública alguma documentação da II Guerra Mundial, soube-se que Elias, então Metropolita russo no Líbano, tinha enviado uma missiva a Stalin, levada em mão pelo próprio Chefe do Estado-Maior da Armada Vermelha, a contar-lhe uma visão: Stalin devia libertar o clero da prisão e deixar que o ícone de Kazan fosse levado em procissão em várias cidades. O receio supersticioso de Stalin explica o chamado «período religioso» (entre 1941 e 1942) e o ter atribuído ao Metropolita Elias o prémio Stalin, «por serviços eminentes à União Soviética e à causa do socialismo». Elias não quis receber dinheiro do ditador e entregou-o para ajuda aos órfãos da guerra; derrotados os nazis, Stalin esqueceu o «período religioso».

Em 2004, João Paulo II desistiu de esperar pela oportunidade de visitar a Rússia e enviou uma delegação para entregar o ícone ao Patriarca ortodoxo, como sinal do desejo de unidade. A delegação foi acolhida, mas a oferta foi desvalorizada: a primitiva pintura tinha-se perdido, aquela era só uma cópia, talvez a roubada da catedral de São Petersburgo; afinal, o Papa só devolvia aos ortodoxos o que já lhes pertencia...

Tanta coisa mudou entretanto que Kirill, actual Patriarca de todas as Rússias, escolheu justamente uma cópia dessa imagem para a oferecer ao Papa Francisco, como «expressão de unidade».
José Maria C.S. André
Spe Deus
28-II-2016

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Fortes e pacientes: serenos

Se, por teres o olhar fixo em Deus, souberes manter-te sereno no meio das preocupações; se aprenderes a esquecer as ninharias, os rancores e as invejas; pouparás muitas energias, que te fazem falta para trabalhar com eficácia, em serviço dos homens. (Sulco, 856)

Quem sabe ser forte não se deixa invadir pela pressa de conquistar logo o fruto da sua virtude; é paciente. A fortaleza leva-nos realmente a saborear a virtude humana e divina da paciência. Mediante a vossa paciência, possuireis as vossas almas (Lc XXI, 19). A posse da alma exprime-se na paciência, que, na verdade, é raiz e custódia de todas as virtudes. Nós possuímos a alma com a paciência, porque, aprendendo a dominar-nos a nós mesmos, começamos a possuir aquilo que somos . E é esta paciência que nos leva também a ser compreensivos com os outros, persuadidos de que as almas, como o bom vinho, melhoram com o tempo.

Fortes e pacientes: serenos. Mas não com a serenidade daquele que compra a tranquilidade pessoal à custa de se desinteressar dos seus irmãos ou da grande tarefa, que corresponde a todos, de difundir ilimitadamente o bem por todo o mundo. Serenos, porque há sempre perdão, porque tudo tem remédio, menos a morte, e, para os filhos de Deus, a morte é vida. Serenos, ainda que seja só para poder actuar com inteligência: quem conserva a calma está em condições de reflectir, de estudar os prós e os contras de cada problema, de examinar judiciosamente os resultados das acções previstas. E depois, sossegadamente, pode intervir com decisão. (Amigos de Deus, 78–79)

São Josemaría Escrivá

Fé e amor matrimonial

O homem e a mulher, diz-nos o Catecismo no número 372, são feitos um para o outro. Não é que Deus os tenha feito “a meias” e “incompletos”. Criou-os para uma comunhão de pessoas, em que cada um pode ser ajuda para o outro. São, ao mesmo tempo, iguais enquanto pessoas e complementares enquanto masculino e feminino.

Por esse motivo, amar também é estimar as diferenças que existem entre o homem e a mulher. Diferenças queridas por Deus desde o princípio da Criação.

A maior felicidade a que uma mulher pode aspirar no seu casamento é que o marido que está lá em casa seja verdadeiramente um homem. No entanto, esse facto vai ter como consequências inúmeras rudezas e indelicadezas que ela saberá aceitar e amar porque entende que ele é “diferente”.

E aquilo que um marido mais deve pretender para a sua felicidade matrimonial é que a sua esposa seja de verdade uma mulher, apesar de todos os aborrecimentos que lhe possa causar a sua misteriosa e delicada afectividade.

O homem precisa dessas qualidades femininas que lhe faltam e a mulher das qualidades masculinas. É um apoio específico que o homem não encontra nos outros homens, nem a mulher nas outras mulheres.

O problema é que, como diz R. Llano Cifuentes, a nossa época está cativada pelo mito narcisista do “amor sentimental”. Mito que oscila entre o romantismo dourado da paixão que “tudo justifica” e o cinismo duro como o diamante que dá um pontapé no traseiro do outro com estas palavras de “carinho”: “Sinto muito… acabou-se o amor”.

Um exemplo muito actual deste cinismo traduzido em palavras sentimentais e enganosas: “Quando o amor começa a murchar não há muito a fazer. O melhor mesmo é procurar que ele morra sem muita dor”. Uma espécie de eutanásia aplicada “suavemente” ao amor matrimonial.

É fundamental que os casais que se dizem cristãos vivam e saibam transmitir aos outros a alegria do amor gratuito. Um amor sem cálculo, amadurecido, abnegado, que encontra de forma paradoxal a sua maior gratificação sob a forma de felicidade. O amor, mesmo quando inclui o sacrifício ― e, se for genuíno, sempre o incluirá ― é a fonte secreta da felicidade matrimonial.

Porquê tantas crises conjugais nos nossos dias? Talvez porque muitas pessoas perderam a noção de quem são, de onde vêm, para onde vão e o que fazem por aqui. Essas crises conjugais procedem antes de mais nada de crises existenciais. A perda da convicção de se estar a caminhar com passo firme para a felicidade eterna ― a perda da fé ― gera um processo de dolorosa crise existencial e, consequentemente, também matrimonial.

Pelo contrário, a fé profunda traz consigo uma enorme energia vital, uma força e uma paz da qual só podem falar aqueles que a experimentam. Essa força passa de um cônjuge para o outro, e destes para os filhos.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Todos somos irmãos!

Escreveu também o Apóstolo que "não há distinção de gentio e judeu, de circunciso e incircunciso, de bárbaro e cita, de escravo e livre, mas Cristo que é tudo em todos". Estas palavras valem hoje como ontem: para o Senhor não existem diferenças de nação, de raça, de classe, de estado... Cada um de nós renasceu em Cristo para ser uma nova criatura, um filho de Deus; todos somos irmãos, e temos de conviver fraternalmente! (Sulco, 317) 

Perante a fome de paz, teremos de repetir com S. Paulo: Cristo é a nossa paz, pax nostra. Os desejos de verdade hão-de levar-nos a recordar que Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Aos que procuram a unidade, temos de colocá-los perante Cristo, que pede que estejamos consummati in unum, consumados na unidade. A fome de justiça deve conduzir-nos à fonte originária da concórdia entre os homens: ser e saber-se filhos do Pai, irmãos.

Paz, verdade, unidade, justiça. Que difícil parece por vezes o trabalho de superar as barreiras, que impedem o convívio entre os homens! E contudo nós, os cristãos somos chamados a realizar esse grande milagre da fraternidade: conseguir, com a graça de Deus, que os homens se tratem cristãmente, levando uns as cargas dos outros,vivendo o mandamento do Amor, que é o vínculo da perfeição e o resumo da lei. (Cristo que passa, 157)

São Josemaría Escrivá

Maria, a "Casa Viva" de Jesus

"Sigamos e imitemos Maria" e "toda a nossa vida tornar-se-á um Magnificat". É o amor por Nossa Senhora uma das características que distingue a dimensão espiritual do Pontificado de Bento XVI. Um Papa mariano, como assim foi o seu amado predecessor, João Paulo II. Um amor filial que vem de longe. Se, de facto, na vida e no Pontificado de Karol Wojtyla teve uma grande importância o Santuário mariano de Czestochowa, o mesmo se poderia dizer de Joseph Ratzinger em relação ao Santuário de Altötting, coração mariano da Baviera.

"Deixemo-nos guiar por Maria no encontro com Jesus." Em cada audiência, discurso e homilia, Bento XVI confia sempre os fiéis à Virgem Maria. "É Ela, com a sua humildade – repete em milhares de ocasiões o Santo Padre – a indicar-nos o caminho para chegar ao coração do seu Filho. É Maria e o seu Filho, com a sua 'autoridade indefesa' que vencem 'os barulhos dos poderes do mundo'".

"A glória de Deus não se manifesta no triunfo e no poder de um rei, não resplandece em uma cidade famosa, em um sumptuoso palácio, mas 'vai morar' no ventre de uma Virgem, se revela na pobreza de uma criança. A Omnipotência de Deus, também na nossa vida, age com a força, muitas vezes silenciosa, da verdade e do amor". (Audiência Geral, 19 de dezembro de 2012)

Bento XVI torna-se um peregrino dos principais Santuários marianos do mundo. De Altötting aos Santuários de Lourdes, Fátima, Czestochowa e ainda Mariazell na Áustria e Aparecida no Brasil. Reza a Virgem em Pompeia e em Loreto. O Papa destaca que estes Santuários não são 'catedrais no deserto', mas 'oásis do Espírito' inseridos nos seus territórios como exemplo de 'uma civilização do amor'. "Maria - nos recorda o Papa - é a primeira que acolheu Jesus e vive também uma relação especial com o Espírito Santo e a Igreja", como disse na conclusão do mês mariano, em 31 de maio de 2009: "Em Pentecostes, a Virgem Mãe aparece novamente como Esposa do Espírito, para uma maternidade universal, para com todos que são gerados por Deus para a fé em Cristo. É por isto que Maria é para todas as gerações imagem e modelo da Igreja, que junto ao Espírito caminha através dos tempos invocando o retorno glorioso de Cristo: 'Vem Senhor Jesus'".

Bento XVI convida todos os fiéis, especialmente os jovens, a rezar a Maria, em particular com o Rosário, que como destaca, "nos faz recordar os eventos da vida do Senhor em companhia da Beata Virgem, conservando-os, como Ela, no nosso coração". O Papa recorda, então, que "o 'sim' de Maria venceu o mal. Esta é a razão porque também nas provações da vida que nos fazem vacilar, possamos encontrar nela um local seguro".

"Caros amigos, que imensa alegria em ter por mãe Maria Imaculada! Cada vez que experimentamos a nossa fragilidade e a sugestão do mal, podemos nos dirigir a Ela, e o nosso coração recebe luz e conforto". (Angelus, 8 de dezembro de 2009)

Bento XVI confia à Virgem Maria o Ano da Fé, no 50º aniversário do início do Concílio Vaticano II. Significativo, depois, que a sua última viagem pastoral na Itália tenha sido a um Santuário mariano, o de Loreto. 'A tradição quer que o coração deste lugar seja a casa em que viveu Maria', mas o Papa Bento XVI fala de outra casa, que vai bem mais além das pedras de um edifício. É Maria a 'casa viva' que acolhe Jesus: "Onde habita Deus, devemos reconhecer que somos 'a casa': onde habita Cristo, os seus irmãos e as suas irmãs não são mais estrangeiros. Maria, que é mãe de Cristo é também nossa mãe, nos abre a porta de sua Casa, nos conduz a entrar na vontade do Filho". (Visita a Loreto, 4 de outubro de 2012).

Por fim, lembremos que o emblemático anúncio da renúncia de Bento XVI foi feito em 11 de fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes. Certamente a escolha não foi por acaso e representou, mais do que nunca, a confiança que Bento XVI deposita na Mãe de Jesus, confiando a ela, mais uma vez, o futuro da Igreja, que é tão amada por Maria, mas também pelo Papa.

Rádio Vaticano

“Relativismo” inibidor da verdadeira liberdade

«Mas a liberdade é um valor delicado. Pode ser mal-entendida ou usada mal, acabando por não conduzir à felicidade que todos dela esperamos, conduzindo pelo contrário a um cenário sombrio de manipulação, em que a nossa compreensão de nós próprios e do mundo se torna confusa ou é até mesmo distorcida por aqueles que têm segundas intenções.

O maior risco é o de separar a liberdade da verdade: hoje em dia há quem, em nome do respeito pela liberdade do indivíduo, considere errado procurar a verdade, mesmo a verdade sobre o que é bem. É o que se chama “relativismo”, que pretende libertar a consciência dando a tudo o mesmo valor. Tal confusão moral leva a perder o respeito por si mesmo, podendo levar ao desespero, e mesmo ao suicídio».

(Bento XVI - Encontro com jovens e seminaristas no Seminário de S. José / Nova Iorque em 19/IV/2008)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Homilia Santa Missa, Bênção de imposição das cinzas

Começamos a Quaresma com a receção das cinzas: «Lembra-te que és pó da terra e à terra hás de voltar» (cf. Gn 3, 19). O pó sobre a cabeça faz-nos ter os pés assentes na terra: recorda-nos que viemos da terra e, à terra, voltaremos; isto é, somos débeis, frágeis, mortais. No longo decorrer dos séculos e milénios, passamos num ai; comparados com a imensidão das galáxias e do espaço, somos minúsculos; somos um bocado de pó no universo. Mas somos o pó amado por Deus. Amorosamente o Senhor recolheu nas suas mãos o nosso pó e, nele, insuflou o seu sopro de vida (cf. Gn 2, 7). Por isso somos um pó precioso, destinado a viver para sempre. Somos a terra sobre a qual Deus estendeu o seu céu, o pó que contém os seus sonhos. Somos a esperança de Deus, o seu tesouro, a sua glória.

Deste modo, a cinza recorda-nos o percurso da nossa existência: do pó à vida. Somos pó, terra, barro; mas, se nos deixarmos plasmar pelas mãos de Deus, tornamo-nos uma maravilha. Todavia muitas vezes, sobretudo nas dificuldades e na solidão, vemos só o nosso pó! Mas o Senhor encoraja-nos: o pouco que somos, aos olhos d’Ele tem valor infinito. Coragem! Nascemos para ser amados; nascemos para ser filhos de Deus.

No início da Quaresma, amados irmãos e irmãs, consciencializemo-nos disto. Porque a Quaresma não é o tempo para fazer cair sobre o povo inúteis moralismos, mas para reconhecer que as nossas míseras cinzas são amadas por Deus. É tempo de graça, para acolher o olhar amoroso de Deus sobre nós e, assim contemplados, mudar de vida. Estamos no mundo para caminhar da cinza à vida. Então, não pulverizemos a esperança, nem incineremos o sonho que Deus tem sobre nós. Não cedamos à resignação. Dizes tu: «E como posso ter confiança? O mundo vai mal, o medo alastra, há tanta malvadez e a sociedade está a descristianizar-se...» Mas tu, não acreditas que Deus pode transformar o nosso pó em glória?

A cinza, que recebemos na testa, abala os pensamentos que temos na cabeça. Lembra-nos que nós, filhos de Deus, não podemos viver correndo atrás do pó que desaparece. Pode descer da cabeça ao coração esta pergunta: «Para que vivo eu?» Se vivo para as coisas do mundo que passam, volto ao pó, renego aquilo que Deus fez em mim. Se vivo só para arrecadar algum dinheiro e divertir-me, procurar um certo prestígio, fazer carreira, então estou a viver de pó. Se julgo má a vida, só porque não sou tido suficientemente em consideração, ou não recebo dos outros o que acho merecer, estou ainda com o olhar no pó.

Não estamos no mundo para isso. Valemos muito mais, vivemos para muito mais: para realizar o sonho de Deus, para amar. A cinza pousa nas nossas testas, para que, nos corações, se acenda o fogo do amor. Com efeito, somos cidadãos do céu. E o amor a Deus e ao próximo é o passaporte para o céu; é o nosso passaporte. Não poderão valer-nos os bens terrenos que possuímos – são pó que desaparece! –, mas salvar-nos-á o amor que oferecemos na família, no trabalho, na Igreja, no mundo: tal amor permanecerá para sempre.

A cinza que recebemos recorda-nos um segundo percurso: o percurso contrário, que vai da vida ao pó. Olhamos em redor e vemos pó de morte, vidas reduzidas a cinzas: escombros, destruição, guerra. Vidas de bebés inocentes não acolhidos, vidas de pobres rejeitados, vidas de idosos descartados. Continuamos a destruir-nos, a fazer-nos voltar ao pó. E quanto pó existe nas nossas relações! Vejamos em nossa casa, nas famílias: quantas brigas, quanta incapacidade de neutralizar os conflitos, quanta dificuldade em pedir desculpa, perdoar, recomeçar, enquanto com tanta facilidade reclamamos os nossos espaços e direitos! Há tanto pó que suja o amor e embrutece a vida. Mesmo na Igreja, a casa de Deus, deixamos depositar tanto pó, o pó do mundanismo.

E olhemo-nos dentro, no coração… Quantas vezes sufocamos o fogo de Deus com a cinza da hipocrisia! A hipocrisia: é a imundície que hoje, no Evangelho, Jesus pede para remover. De facto, o Senhor não diz apenas para fazer obras de caridade, rezar e jejuar, mas que tudo isso seja feito sem fingimento, sem falsidade nem hipocrisia (cf. Mt 6, 2.5.16). E, contudo, quantas vezes fazemos algo só para ser louvados, para meter figura, para me vangloriar! Quantas vezes nos proclamamos cristãos e, no coração, cedemos sem problemas às paixões que nos escravizam! Quantas vezes pregamos uma coisa e fazemos outra! Quantas vezes nos mostramos bons por fora e dentro incubamos rancores! Quanta duplicidade temos no coração... É pó que suja, cinza que sufoca o fogo do amor.

Precisamos de limpar o pó que se deposita no coração. Como fazer? Ajuda-nos o veemente apelo de São Paulo na segunda Leitura: «Deixai-vos reconciliar com Deus!» Paulo não o exige; suplica-o: «Em nome de Cristo suplicamo-vos: deixai-vos reconciliar com Deus!» (2 Cor 5, 20). Nós teríamos dito: «Reconciliai-vos com Deus». Mas ele, não; usa o passivo: deixai-vos reconciliar. Porque a santidade não é obra nossa; é graça. Sozinhos, não somos capazes de tirar o pó que suja o coração, pois só Jesus, que conhece e ama o nosso coração, pode curá-lo. A Quaresma é tempo de cura.

Que fazer então? No caminho rumo à Páscoa, podemos efetuar duas passagens: a primeira, do pó à vida, da nossa humanidade frágil à humanidade de Jesus, que nos cura. Podemos colocar-nos diante do Crucificado, ficar lá olhando-O e repetindo: «Jesus, Vós me amais; transformai-me! Jesus, Vós me amais; transformai-me…» E depois de ter acolhido o seu amor, depois de ter chorado à vista deste amor, a segunda passagem, para não voltar a cair da vida ao pó: vai-se receber o perdão de Deus, na Confissão, porque lá o fogo do amor de Deus consome a cinza do nosso pecado. O abraço do Pai na Confissão renova-nos por dentro, limpa-nos o coração. Deixemo-nos reconciliar, para viver como filhos amados, pecadores perdoados, doentes curados, viandantes acompanhados. Para amar, deixemo-nos amar; deixemo-nos erguer, para caminhar rumo à meta – à Páscoa. Teremos a alegria de descobrir que Deus nos ressuscita das nossas cinzas.

Quero entregar-me a Ti sem reservas!

Pedro diz-Lhe: "Senhor, Tu lavares-me os pés, a mim?!". Responde Jesus: "O que Eu faço, não o compreendes agora; entendê-lo-ás depois". Insiste Pedro: "Tu nunca me lavarás os pés!". Replicou Jesus: "Se Eu não te lavar, não terás parte coMigo". Simão Pedro rende-se: "Senhor, não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!". Ao chamamento a uma entrega total, completa, sem vacilações, muitas vezes opomos uma falsa modéstia como a de Pedro... Oxalá fôssemos também homens de coração, como o Apóstolo! Pedro não admite que ninguém ame Jesus mais do que ele. Esse amor leva-o a reagir assim: – Aqui estou! Lava-me as mãos, a cabeça, os pés! Purifica-me de todo, que eu quero entregar-me a Ti sem reservas! (Sulco, 266)

– Está completo o tempo, e aproxima-se o Reino de Deus; fazei penitência, e crede no Evangelho (Mc 1, 15).

– E vinha a Ele todo o povo, e ensinava-o (Mc 2, 13).

Jesus vê aquelas barcas na margem, e sobe para uma delas. Com que naturalidade se mete Jesus na barca de cada um de nós!

Quando te aproximares do Senhor, lembra-te de que Ele está sempre muito perto de ti, dentro de ti: Regnum Dei intra vos est (Lc 17, 21). No teu coração O encontrarás.

Cristo deve reinar, em primeiro lugar, na nossa alma. Para que Ele reine em mim, preciso da sua graça abundante, pois só assim é que o mais imperceptível pulsar do meu coração, a menor respiração, o olhar menos intenso, a palavra mais corrente, a sensação mais elementar se traduzirão num hossana ao meu Cristo Rei.

Duc in altum – Ao largo! – Repele o pessimismo que te torna cobarde. Et laxate retia vestra in capturam – e lança as redes para pescar.

Devemos, confiar nessas palavras do Senhor: meter-se na barca, pegar nos remos, içar as velas e lançar-nos a esse mar do mundo que Cristo nos deixa em herança.

Et regni ejus non erit finis. – O Seu Reino não terá fim!

Não te dá alegria trabalhar por um reinado assim? (Santo Rosário, mistérios Luminosos: ‘O anúncio do Reino de Deus’)

São Josemaría Escrivá

E se aparecesse um Anjo?...

Detalhe da Anunciação de Caravaggio
O último número da «Civiltà Cattolica» (uma revista editada pelos jesuítas, que funciona há quase 200 anos como órgão oficioso da Santa Sé) transcreve o diálogo do Papa Francisco com os Superiores Gerais das ordens religiosas, em 25 de Novembro passado. A conversa aborda muitos temas e as respostas são densas e interessantes. Também falaram do sacrifício e o Papa referiu-se concretamente ao cilício. Contou que lho apresentaram logo que entrou nos Jesuítas e afirmou que era útil: «mas atenção: não é para eu mostrar como sou bom e forte. A verdadeira ascese deve fazer-me mais livre. Considero que o jejum continua actual: mas como é que eu jejuo? Simplesmente deixando de comer? (...) Há uma ascese diária, pequena, que é uma mortificação constante».

Não sei justificar o efeito do sacrifício. Acredito no valor do sacrifício exactamente como na presença de Jesus na Eucaristia, porque Ele o disse. Em diversas circunstâncias, Jesus colocou os seus discípulos entre a espada e a parede, com perguntas do género: «também quereis ir embora?». Passados tantos séculos, ainda não se arranjou resposta melhor que a de Pedro. Em suma: não percebo, mas se és Tu quem o diz... Pedro é a sensatez em pessoa, porque Deus não Se engana nem nos pode enganar, mas a incompreensão permanece, independentemente de se acreditar em Deus e na Igreja. Porque é que o sacrifício é útil? Mistério!

Há casos simples. O sacrifício de um tratamento médico compreende-se. O sacrifício de acompanhar alguém que precisa de ajuda também. Até se compreende o treino desportivo, ou o esforço para ganhar uma competição. O difícil é compreender o sacrifício de Jesus, jejuando 40 dias e 40 noites; ou o sacrifício que a Igreja nos pede de jejuar certos dias da Quaresma: para quê?

Quando o Anjo apareceu aos Três Pastorinhos, em Fátima, fez-lhes um pedido estranho: «Oferecei constantemente ao Altíssimo, orações e sacrifícios de tudo o que puderdes, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores». E, logo no primeiro encontro com eles, Nossa Senhora perguntou: «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?».

A proposta é simples: a pessoa sacrifica-se (sem ninguém ver) e isso redunda em bem para os outros. Mas como? O Anjo lá sabe... As crianças, não perguntaram como. Aceitam? Aceitaram. A partir daí, ofereciam muitas vezes o almoço aos pobres, procuravam coisas amargas, não bebiam água no auge do calor, apertavam uma corda áspera à volta do corpo, até magoar, e ofereciam a Deus as doenças, as incompreensões e o medo.

Com a perspectiva dos anos que já passaram, o Anjo tinha razão. O sacrifício daquelas crianças beneficiou uma multidão que elas não podiam imaginar, nem chegaram a conhecer. Pelo efeito misterioso desses sacrifícios escondidos, muitíssimas pessoas se converteram e mudaram de vida, em Portugal e no resto do mundo.

Deu resultado, mas permanece a incógnita acerca de como esses sacrifícios transformaram o mundo. Não sei responder, mas pergunto-me: se um Anjo, ou o Papa, me fizessem a proposta de me sacrificar mais nesta Quaresma, como é que eu reagiria?
José Maria C.S. André
26-II-2017
Spe Deus

QUARTA FEIRA DE CINZAS

Sabes tu minha mão esquerda,
o que faz a minha direita?
Comprazo-me com a caridade,
que por mim eu julgo feita?
Rezo eu com fervor,
para que outros admirem
a minha espiritualidade?
Vanglorio-me do amor,
que afirmo ter a cada um?
Faço saber aos outros,
do meu sacrificado jejum?

Pobre de mim,
nada valho,
nem algum merecimento
terá aquilo que faço,
porque me move assim,
o orgulho e a vaidade,
sou como cana partida,
levada por qualquer vento.

Faz-me entrar no meu quarto,
Senhor,
no meu coração,
em segredo,
para que aquilo que reparto,
vindo do meu fraco amor,
seja simples comunhão,
conTigo,
com os outros,
deste pobre pecador!

Quarta feira de Cinzas
Monte Real, 6 de Março de 2019

Joaquim Mexia Alves
https://queeaverdade.blogspot.com/2019/03/quarta-feira-de-cinzas.html

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Fazer da sua vida diária um testemunho de Fé

Muitas realidades materiais, técnicas, económicas, sociais, políticas, culturais..., abandonadas a si mesmas, ou nas mãos de quem carece da luz da nossa fé, convertem-se em obstáculos formidáveis à vida sobrenatural: formam como que um couto cerrado e hostil à Igreja. Tu, por seres cristão – investigador, literato, cientista, político, trabalhador... –, tens o dever de santificar essas realidades. Lembra-te de que o universo inteiro – escreve o Apóstolo – está a gemer como que em dores de parto, esperando a libertação dos filhos de Deus. (Sulco, 311)

Já falámos muito deste tema noutras ocasiões, mas permiti-me insistir de novo na naturalidade e na simplicidade da vida de S. José, que não se distinguia da dos seus vizinhos nem levantava barreiras desnecessárias.

Por isso, ainda que possa ser conveniente nalguns momentos ou em algumas situações, habitualmente não gosto de falar de operários católicos, de engenheiros católicos, de médicos católicos, etc., como se se tratasse de uma espécie dentro dum género, como se os católicos formassem um grupinho separado dos outros, dando assim a sensação de que existe um fosso entre os cristãos e o resto da humanidade. Respeito a opinião oposta, mas penso que é muito mais correcto falar de operários que são católicos, ou de católicos que são operários; de engenheiros que são católicos ou de católicos que são engenheiros. Porque o homem que tem fé e exerce uma profissão intelectual, técnica ou manual, está e sente-se unido aos outros, igual aos outros, com os mesmos direitos e obrigações, com o mesmo desejo de melhorar, com o mesmo empenho de se enfrentar com os problemas comuns e de lhes encontrar a solução.

O católico, assumindo tudo isto, saberá fazer da sua vida diária um testemunho de Fé, de Esperança e de Caridade; testemunho simples, normal, sem necessidade de manifestações aparatosas, pondo de manifesto – com a coerência da sua vida – a presença constante da Igreja no mundo, visto que todos os católicos são, eles mesmos, Igreja, pois são membros, com pleno direito, do único Povo de Deus. (Cristo que passa, 53)

São Josemaría Escrivá

HÁ MOMENTOS!

Há momentos
em que Ele chega,
toma-nos pela mão,
ou seja,
entra-nos no coração,
e diz-nos,
como se nós não soubéssemos:
Amo-te, meu filho!

Paramos tudo,
quase deixamos de viver,
(esta vida terrena, claro),
e perguntamos,
certos da resposta:
és Tu, Senhor?

E Ele sorri,
olha-nos nos olhos,
e diz:
Alguma vez duvidaste,
que Eu morri por ti?

Envergonhados,
baixamos a cabeça,
pomos a mão no peito,
e respondemos:
Só Tu,
Senhor,
és a nossa certeza!

O Seu sorriso,
abre-se ainda mais,
enche-nos de compaixão,
e diz-nos,
olhando-nos nos olhos,
com a voz repassada de amor:
Toma tudo o que Eu te dou,
e ama os outros,
como Eu te amo!
Ama-os,
com o Meu amor!

Marinha Grande, 25 de Fevereiro de 2017

Joaquim Mexia Alves
http://queeaverdade.blogspot.pt/2017/02/ha-momentos.html