sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Jesus a espreguiçar-Se

Quando o Papa fez 83 anos (17 de Dezembro passado), ofereceram-lhe uma estampa que sintetiza o programa pastoral em que ele se tem empenhado tanto. Este programa é o da santidade «della porta accanto», a santidade «ao pé da porta», do dia-a-dia, da simplicidade do quotidiano. O Papa falou dessa estampa na audiência do dia seguinte, a dezenas de milhares de peregrinos, e partilhou a fotografia na sua conta do Instagram.

Muitos pensam que Deus aprecia feitos extraordinários, como fazer uma investigação teológica brilhante, ou aguentar estoicamente a intempérie, ou a tortura. A verdade é que Deus prefere o sorriso, o trabalho ordenado, a amizade, o cuidar da família, o descanso sereno, as horas de brincadeira, de música e de ternura.

Por isso o Natal continua a ser uma revolução na história das religiões. Em vez de nos propor o modelo do herói ou do sábio, Deus fez-Se bebé. Talvez soe melhor dizer que Deus Se fez homem, mas, de facto, fez-Se bebé. Espreguiçou-Se, adormeceu, aprendeu a andar, passeou, balbuciou as palavras mais ternas, como qualquer bebé. Jesus assumiu o dia-a-dia, sem pensar que as coisas simples fossem demasiado simples para Deus.

As figuras do presépio são a imagem acabada de uma banalidade que está chamada a ser santa. A Carta apostólica que o Papa assinou no dia 1 de Dezembro de 2019, em Greccio, intitula-se justamente «Admirabile signum» (sinal admirável), porque o presépio é um sinal simples e maravilhoso da fé cristã. Todas aquelas figuras, até os pastores, os aldeões, os rebanhos, o boi e o burro, simbolizam o mundo real em que Deus quis encarnar. Os deuses pagãos representam-se solenes e poderosos, assentes em tronos ou com gestos imperiais, o Deus cristão apresenta-Se ao colo da mãe, ou deitado na manjedoura.

O santinho que ofereceram ao Papa no dia de anos chama-se «Lasciamo riposare mamma» (deixemos a mãe descansar). Francisco disse aos peregrinos na praça de S. Pedro que esta cena, tão íntima e caseira, o comoveu porque reflecte a mensagem cristã do presépio:

– «“Deixem a mãe descansar” é a ternura da família e do casal. (...) Podemos convidar a Sagrada Família para nossa casa, onde há alegrias e preocupações, onde cada dia acordamos, tomamos as refeições e descansamos junto das pessoas mais queridas. O presépio é um “Evangelho doméstico”».

Quando S. Josemaria Escrivá (fundador do Opus Dei) ensinava que todos são chamados à santidade, alguns eclesiásticos consideraram que isso era uma heresia. Daí vem o mito de que o Opus Dei propõe uma santidade secreta. Parecia-lhes escandaloso que se chamasse santidade ao amor de Deus na vida comum, como dizia S. Josemaria: «Fazei tudo por Amor. – Assim não há coisas pequenas: tudo é grande. – A perseverança nas pequenas coisas, por Amor, é heroísmo». Anos depois, o Concílio Vaticano II ratificava esta mensagem como genuinamente cristã. Obviamente, bastaria lembrar a parábola de Cristo: «...servo bom e fiel, porque foste fiel no pouco, entra na alegria do teu Senhor!». No nosso tempo, Francisco fez desta mensagem um programa pastoral.

Há momentos em que Deus realiza milagres, mas parece haver algo errado se não os realiza, pela nossa tendência a rejeitar a normalidade: «Não é este o filho de José?», «o filho de Maria?», «aquele que vive connosco?»...

Pelo contrário, Deus abençoa a normalidade. A mãe santa de Jesus cantava, sorria, trabalhava e, cansada, adormecia. Bendito sono! Bendito José, seu marido, que velava o sono de Maria e entretinha Jesus para que ela não acordasse!

Poucos dias depois de ter celebrado o nascimento de Jesus, a Igreja celebra neste Domingo a festa da Sagrada Família. Seria difícil encontrar um contraste mais flagrante com as concepções religiosas dominantes. O próprio Jesus comentou, um dia, que «ninguém é profeta em sua terra»: ninguém acredita que Deus possa estar presente na insignificância de uma família normal. Pois (é o que nos diz a festa de hoje), é mesmo aí que Deus está.
José Maria C.S. André

Servir o Senhor no mundo

Repara bem: há muitos homens e mulheres no mundo, e nem a um só deles o Mestre deixa de chamar. Chama-os a uma vida cristã, a uma vida de santidade, a uma vida de eleição, a uma vida eterna. (Forja, 13)

Permiti-me que volte de novo à naturalidade, à simplicidade da vida de Jesus, que já vos tenho feito considerar tantas vezes. Esses anos ocultos do Senhor não são coisa sem significado, nem uma simples preparação dos anos que viriam depois, os da sua vida pública. Desde 1928 compreendi claramente que Deus deseja que os cristãos tomem exemplo de toda a vida do Senhor. Entendi especialmente a sua vida escondida, a sua vida de trabalho corrente no meio dos homens: o Senhor quer que muitas almas encontrem o seu caminho nos anos de vida calada e sem brilho. Obedecer à vontade de Deus, portanto, é sempre sair do nosso egoísmo; mas não tem por que se traduzir no afastamento das circunstâncias ordinárias da vida dos homens, iguais a nós pelo seu estado, pela sua profissão, pela sua situação na sociedade.

Sonho – e o sonho já se tornou realidade – com multidões de filhos de Deus santificando-se na sua vida de cidadãos correntes, compartilhando ideais, anseios e esforços com as outras pessoas. Preciso de lhes gritar esta verdade divina: se permaneceis no meio do mundo, não é porque Deus se tenha esquecido de vós; não é porque o Senhor vos não tenha chamado; convidou-vos a permanecer nas actividades e nas ansiedades da Terra, porque vos fez saber que a vossa vocação humana, a vossa profissão, as vossas qualidades não só não são alheias aos seus desígnios divinos, mas que Ele as santificou como oferenda gratíssima ao Pai! (Cristo que passa, 20)

São Josemaría Escrivá

São Josemaría Escrivá sobre a Festa de São João Evangelista

Festa de São João Evangelista. “Terás pensado alguma vez, com santa inveja, no Apóstolo adolescente, João, quem diligebat Iesus, que Jesus amava.
- Não gostarias de merecer que te chamassem “o que ama a Vontade de Deus”? Emprega os meios, dia a dia”, escreve em Forja.

São João, Apóstolo e Evangelista

João, filho de Zebedeu e de Salomé, irmão de Tiago Maior, de profissão pescador, originário de Betsaida, como Pedro e André, ocupa um lugar de primeiro plano no elenco dos apóstolos. O autor do quarto Evangelho e do Apocalipse, será classificado pelo Sinédrio como indouto e inculto. No entanto, o leitor, mesmo que leia superficialmente os seus escritos, percebe não só o arrojo do pensamento, mas também a capacidade de revestir com criativas imagens literárias os sublimes pensamentos de Deus. A voz do juiz divino é como o mugido de muitas águas.

João é sempre o homem da elevação espiritual, mais inclinado à contemplação que à acção. É a águia que desde o primeiro bater das asas se eleva às vertiginosas alturas do mistério trinitário:"No princípio de tudo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e ele mesmo era Deus."

Ele está entre os mais íntimos de Jesus e nas horas mais solenes de sua vida João está perto. Está a seu lado na hora da ceia, durante o processo, e único entre os apóstolos, assiste à sua morte junto com Maria. Mas contrariamente a tudo o que possam fazer pensar as representações da arte, João não era um homem fantasioso e delicado. Bastaria o apelido humorista que o Mestre impôs a ele e a seu irmão Tiago: "Filhos do trovão" para nos indicar um temperamento vivaz e impulsivo, alheio a compromissos e hesitações, até aparecendo intolerante e cáustico.

No seu Evangelho designa a si mesmo simplesmente como "o discípulo a quem Jesus amava." Também se não nos é dado indagar sobre o segredo desta inefável amizade, podemos adivinhar uma certa analogia entre a alma do Filho do homem e a do filho do trovão, pois Jesus veio à terra não só trazer a paz mas também o fogo. Após a ressurreição, João está quase constantemente ao lado de Pedro. Paulo, na epístola aos gálatas, fala de Pedro, Tiago e João como colunas na Igreja.

No Apocalipse, João diz que foi perseguido e degredado para a ilha de Patmos "por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus Cristo". Conforme uma tradição unânime ele viveu em Éfeso em companhia de Maria e sob o imperador Domiciano foi colocado dentro de uma caldeira com óleo a ferver, mas saiu ileso e todavia com a glória de ter dado testemunho. Depois do exílio de Patmos voltou definitivamente para Éfeso, onde exortava continuamente os fiéis ao amor fraterno, resultando em três cartas, acolhidas entre os textos sagrados, assim como o Apocalipse e o Evangelho. Morreu carregado de anos em Éfeso durante o império de Trajano (98-117), onde foi sepultado.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)