sábado, 28 de setembro de 2019

Estando Ele connosco nada há a temer

O chamamento do Senhor – a vocação – apresenta-se sempre assim: "Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-Me". Sim, a vocação exige renúncia, sacrifício. Mas que agradável acaba por ser o sacrifício ("gaudium cum pace", alegria e paz), se a renúncia é completa! (Sulco, 8)

Se consentires que Deus seja o senhor da tua nave, que Ele seja o amo, que segurança!..., mesmo quando a tempestade se levanta no meio das trevas mais escuras e parece que Ele se ausenta, que está a dormir, que não se preocupa. S. Marcos relata que os Apóstolos se encontravam nessas circunstâncias; e Jesus, vendo-os cansados de remar (porque o vento lhes era contrário), cerca da quarta vigília da noite foi ter com eles, andando sobre o mar... Tende confiança, sou eu, não temais. E subiu para a barca, para junto deles e cessou o vento.

Meus filhos, acontecem tantas coisas na terra...! Podia pôr-me a falar de penas, de sofrimentos, de maus tratos, de martírios – não tiro nem uma letra –, do heroísmo de muitas almas. Aos nossos olhos, na nossa inteligência, surge às vezes a impressão de que Jesus dorme, de que não nos ouve; mas S. Lucas narra como Nosso Senhor se comporta com os seus: Enquanto iam navegando, Jesus adormeceu e levantou-se uma tempestade de vento sobre o lago e a barca enchia-se de água e estavam em perigo. Aproximando-se dele, despertaram-no dizendo: Mestre, nós perecemos! Ele, levantando-se, increpou o vento e as ondas, que acalmaram e veio a bonança. Então disse-lhes: onde está a vossa fé?

Se nos dermos, Ele dá-se-nos. Temos de confiar plenamente no Mestre, temos de nos abandonar nas suas mãos sem mesquinhez; de lhe manifestar, com as nossas obras, que a barca é dele, que queremos que disponha à vontade de tudo o que nos pertence. (Amigos de Deus, 22)

São Josemaría Escrivá

O Evangelho de Domingo dia 29 de setembro de 2019

«Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho fino e todos os dias se banqueteava esplêndidamente. Havia também um mendigo, chamado Lázaro, que, coberto de chagas, estava deitado à sua porta, desejando saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico, e até os cães vinham lamber-lhe as chagas. «Sucedeu morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico, e foi sepultado. Quando estava nos tormentos do inferno, levantando os olhos, viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio. Então exclamou: Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nestas chamas. Abraão disse-lhe: Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro, ao contrário, recebeu males; por isso ele é agora consolado e tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo; de maneira que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os daí podem passar para nós. O rico disse: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à minha casa paterna, pois tenho cinco irmãos, para que os advirta disto, e não suceda virem também eles parar a este lugar de tormentos. Abraão disse-lhe: Têm Moisés e os profetas; oiçam-nos. Ele, porém, disse: Não basta isso, pai Abraão, mas, se alguém do reino dos mortos for ter com eles, farão penitência. Ele disse-lhe: Se não ouvem Moisés e os profetas, também não acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos».

Lc 16, 19-31

O mundo, visto do trono papal

Há tempos, ouvi um historiador importante explicar, com eloquência de dados, que o pedido de perdão de João Paulo II durante o Jubileu do ano 2000 não fazia sentido, porque nem ele nem os Papas anteriores tinham a ver com os acontecimentos de que pedia desculpa. Nem sequer a Igreja estava implicada na generalidade daqueles actos, a maior parte passados há muitos séculos. Antes de pedir desculpa, João Paulo II (digo eu) devia ter telefonado para a faculdade: «Está lá? Podia-me passar ao Prof.? Daqui fala o Papa. Não lhe vou tirar muito tempo, é só para me esclarecer...» (evitava-se o tal pedido de perdão inapropriado).

Em Junho passado, o Papa Francisco pediu desculpa aos valdenses pelas violências do século XVI. A Assembleia das Igrejas Metodistas e Valdenses respondeu-lhe há pouco, por carta, que não podiam perdoar: eram outros tempos, outras pessoas, nenhum daqueles antepassados está vivo... apreciavam o gesto, mas não lhes dizia respeito.

Aliás, a carta não toca no assunto, mas é evidente que se passa o mesmo com as culpas dos valdenses do século XVI: nenhum está vivo, nem tem um pai que possa pedir desculpa por ele.

Há uma frase de Paulo VI (cuja festa litúrgica se celebra no dia 26 de Setembro) que ilumina a questão: «o Papa deve olhar o mundo através dos olhos de Cristo». Ora, o olhar de Cristo não tem prazo de validade.

Ser Papa não é comparável a ser líder, é ser pai universal. Compreendo que um historiador não encontre a árvore genealógica que liga um remoto bandido a um Papa que vive vários séculos depois, contudo o Papa reconhece-o imediatamente: é meu filho!

Um Presidente da República não pede desculpa a Deus e ao mundo pelas malfeitorias dos cidadãos nacionais, mas um Papa sente sobre si a culpa de todas as culpas de todos os homens, de todos os continentes, de há 20 séculos para cá. O historiador pode argumentar que essa gente nem sequer ia à Missa: o Papa responde que sente ainda mais culpa, porque eles faltavam à Missa. O historiador pode contrapor que eles até perseguiam os padres e maltratavam os cristãos: o Papa sentirá uma culpa ainda maior. Não conseguem chegar a acordo, porque não é fácil conciliar a objectividade do historiador com a subjectividade do olhar de Cristo.

«Nada do que é humano é alheio à Igreja», eis uma ideia forte do Concílio Vaticano II, afirmando um envolvimento universal que abarca tudo o que há de bom e de mau na vida dos homens. Sobretudo, essa misteriosa preocupação por todos, que converge no coração do Papa. Descobrir a Igreja é também encontrar-se com a dimensão desta paternidade, querida pelo próprio Deus, à medida de Deus.

Há gente muito boa que conhece a doutrina e esperaria uma atitude mais objectiva por parte dos Papas. Um Cristo que come com publicanos e pecadores parece-lhes demasiado ingénuo e voltam à insinuação do Evangelho, «se Ele soubesse quem O está a tocar»... Claro que este Cristo é ingénuo. Pelo menos no sentido etimológico da palavra, inocente, sincero, simples. (Igualmente na acepção brasileira de filho da escrava, se pensarmos que Nossa Senhora se apresentou ao Anjo como a serva de Deus).

O título comum de todos os Papas, desde S. Gregório Magno, no século VI, até hoje é «servus servorum Dei» (o servo dos servos de Deus). Não é só literatura ancestral, enraizada nos séculos; a vulnerabilidade do coração de um Papa é um mistério que merece um imenso respeito.

José Maria C.S. André
Spe Deus
27-IX-2015

Soneto a Cristo Crucificado

Não me move, meu Deus, para querer-Te
O céu que me tens prometido,
Nem me move o inferno tão temido
Para deixar por isso de ofender-Te.

Tu me moves, Senhor, move-me ver-Te
Cravado em uma Cruz e escarnecido,
Move-me ver teu Corpo tão ferido,
Movem-me tuas afrontas e tua morte.

Move-me, enfim, o teu amor, e de tal maneira,
Que a não haver céu, ainda Te amara,
E a não haver inferno Te temera.

Nada tens que me dar porque Te queira,
Pois mesmo que eu não esperasse o que espero,
O mesmo que Te quero Te quereria.

(tradução do espanhol para português)

Tem havido tentativas de atribuição deste soneto a um ou outro autor, sem que a crítica tenha comprovado a autoria.

Talvez São João da Cruz ou Santa Teresa de Jesus (Sec.XVI). A atribuição aos dois Carmelitas corresponde ao tema do amor altruísta, muito presente naqueles Santos.

Este soneto, pela sua perfeita execução, aparece como um modelo em todas as grandes antologias, pelo que Don Marcelino Menéndez Pelayo o incluiu na sua obra Cem Melhores Poemas do idioma espanhol.

Nunca o amor de Cristo crucificado havia atingido um tal grau de pureza e intensidade na sensibilidade da expressão poética (...) Este soneto esquece as recompensas e punições para suscitar um amor, que por ser verdadeiro, não necessita do castigo, mas nasce limpo e profundo da contemplação dolorosa do martírio com que Cristo redime o homem. Essa é a única razão eficaz que pode mover a afastar-se da ingratidão do ultraje, a quem vem para nos amar de modo tão excessivo. (…) As duas últimas estrofes (…) reforçam e convencem a amar a Cristo acima de qualquer outra consideração ilegítima e mesquinha.

O estilo é directo, energético, quase penitencial (…). Não é a beleza criativa da linguagem que define este soneto, mas a força de renunciar a tudo o que não seja amar a quem, por amor, deixou massacrar o Seu Corpo.

Renunciando aos adornos da linguagem figurada, harmoniza, em admirável união, a forma forte e vigorosa e a mística nudez do conteúdo.

(Pe. Angel Martin, o.f.m.)

Evangelho do dia 28 de setembro de 2019

E todos se admiravam da grandeza de Deus. Enquanto todos admiravam as coisas que fazia, Jesus disse aos discípulos: «Fixai bem estas palavras: O Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens». Eles, porém, não entendiam esta linguagem; era-lhes tão obscura que não a compreendiam; e tinham medo de O interrogar acerca dela.

Lc 9, 43b-45