Os dois maiores partidos portugueses têm em comum o amoralismo: no que se refere às grandes questões éticas, não há diferença entre PS e PSD.
A eleição do novo presidente do Partido Social Democrata alterou os dados em relação à questão da eutanásia, cuja aprovação pelo parlamento está agora muito facilitada. Com efeito, o recentemente eleito presidente do PSD, signatário da petição pública a favor da legalização da morte assistida, não só se declarou contra um referendo sobre a matéria – o que é, certamente, uma atitude pouco democrática – como também disse “que o PSD dará liberdade de voto aos seus deputados” – mas não aos cidadãos, note-se! – “até porque é essa a tradição no partido” (Público, 2-6-2016).
É prática corrente que, em certas matérias políticas, como o orçamento geral do Estado, moções de censura ou de confiança ao governo, etc., as direcções partidárias exijam disciplina de voto às suas bancadas parlamentares. Mas, em relação aos direitos fundamentais, os deputados têm, em geral, liberdade de voto. Paradoxo: um deputado não pode votar como quiser uma moção ao governo, mas já pode decidir livremente se se deixam ou não viver as crianças ainda não nascidas, ou se se podem ou não matar os doentes terminais e não só!
A disciplina de voto deveria ser ao contrário: obrigatória para as questões que, como os direitos humanos, não são opináveis; e livre quando se trata de opções discutíveis de política orçamental, ou outras de menor importância.
Imagine-se que, por absurda hipótese, o parlamento português submete a votação a soberania nacional, ou a liberdade religiosa ou de expressão. Obviamente, sendo estas questões essenciais ao Estado de direito, não deveria ser dada liberdade de voto aos deputados dos partidos democráticos. Se em Portugal se votasse a expulsão das minorias étnicas ou religiosas, seria razoável que algum partido democrático permitisse a liberdade de voto dos seus deputados?! Então, porque se permite liberdade de voto em questões como o aborto e a eutanásia?! Será mais grave a expulsão de refugiados do que a eliminação de seres humanos inocentes, como aqueles que se pretendem matar pelo suicídio assistido e pela interrupção voluntária da gravidez?! Não é verdade que, se há questões que, pela sua relevância, não deverão ser deixadas ao livre arbítrio dos deputados, são precisamente as éticas?!
Quando algum líder partidário diz que, sobre uma determinada matéria, os deputados da sua bancada devem votar em consciência, quer dizer que considera que essa matéria é irrelevante e, por isso, não impõe disciplina de voto. Com efeito, se se trata do orçamento geral do Estado, da investidura ou queda de um governo ou de outra matéria sensível, os deputados têm de obedecer, sob a ameaça de graves penas disciplinares, nomeadamente a de expulsão do partido, à indicação que, para esse efeito, lhes é dada pela direcção partidária.
Os líderes parlamentares costumam camuflar a sua depreciação das questões éticas dizendo que, por se tratar de matéria delicada, deve-se respeitar a consciência de cada um e, por isso, não se pode impor disciplina de voto. É tão absurdo como dizer: a escravatura, ou a eliminação dos judeus, são tão graves do ponto de vista moral que cada deputado vote como lhe apetecer! O argumento não faz sentido, porque são as questões eticamente mais graves que não devem ser deixadas ao livre arbítrio dos deputados! A dignidade humana, a liberdade e os direitos fundamentais dos cidadãos não são discutíveis, nem negociáveis, nem referendáveis por nenhum parlamento, que se deve limitar a prestar-lhes o devido reconhecimento. Ora, não há direito mais fundamental do que o direito à existência, desde a concepção e até à morte natural, de qualquer ser humano, com independência da sua raça, etnia, religião, sexo, idade ou estado de saúde.
Ao afirmar que, em relação a esta questão, cada um dos deputados do seu partido votará como quiser, Rui Rio está a dizer que acha irrelevante o tema e, por isso, não vai impor a disciplina de voto sobre esta matéria. Segundo o novo presidente do PSD, a defesa da vida humana, no seu termo natural, não é importante e, por isso, o seu partido não se pronuncia! Mas, como aqui escrevi a 21-5-2016, para que serve um partido que não toma partido?!
É pena que a presidência do maior partido democrático, segundo as últimas eleições legislativas, não pareça interessada em defender os valores humanistas essenciais à vida social portuguesa, agora postos em causa pela tentativa de legalizar a eutanásia e o suicídio assistido. O partido que, em tempos de Sá Carneiro, se afirmou como um grande bastião da democracia, da ética humanista e da justiça social, nomeadamente contra o projecto totalitário do PCP, é agora, ao que parece, um partido sem valores nem princípios éticos. Pelos vistos, ainda não consciencializou que a sua vergonhosa derrota autárquica em Lisboa se ficou a dever, em boa medida, ao facto da respectiva candidata ter votado, juntamente com o PS e contra a sua própria bancada, a favor das ‘barrigas de aluguer’. O PSD insiste numa política suicidária e amoral, em sintonia aliás com a actual governação: em vez de líder da oposição, mais parece um sósia do partido no governo, uma espécie de sua cópia – o Partido Socialista Duplicado.
Se os dois maiores partidos políticos portugueses têm em comum o amoralismo em questões fundamentais, o bloco central já é uma realidade: no que se refere às grandes opções éticas, é praticamente indiferente votar PS ou PSD. O partido de Sá Carneiro não era confessional, mas nunca enjeitou a herança do humanismo cristão, em que se revia o seu carismático fundador. O actual PSD, pelo contrário, deixou de ser uma alternativa válida para quem defenda, com coerência, uma sociedade humanista, segundo os princípios da doutrina social da Igreja.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador sob o título «PS e PSD: Dupond & Dupont?»
(título do blogue e seleção de imagem da responsabilidade deste blogue)