quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A ternura revolucionária do Natal

«Ora, estando ali, aconteceu completarem-se os dias em que devia dar à luz, e deu à luz o seu filho primogénito, e O enfaixou, e O reclinou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria» (Lc 2, 6-7).

Jesus veio à terra deste modo tão simples e humilde a fim de ser para cada um de nós a certeza de uma esperança segura. Com um Deus assim não há nada a temer. Ele vem para nos salvar e libertar!

O único temor compreensível num cristão é o temor de ofender a Deus. É um temor filial que procede da gratidão. O temor de usar mal a liberdade e dizer que não ao Amor de Deus, que só quer o nosso verdadeiro bem.

É isso que contemplamos ao olhar para o presépio!

Deus vem ao mundo por Ele criado e nós não temos lugar para O acolher. Em cada Natal, muitas pessoas continuam a deixar que Ele nasça numa gruta porque lhe fecham a porta do coração. «Veio para o que era seu e os seus não O receberam» (Jo 1, 11).

Que mistério tão grande a ingratidão humana!

Como disse o Papa, no Natal Deus convida-nos a cuidar da esperança de tantos que já a perderam. Convida-nos a fazermo-nos sentinelas para muitos que sucumbiram sob o peso da desolação de terem encontrado nas suas vidas tantas portas fechadas.

Menino Jesus, nós te pedimos que neste Natal o teu choro de recém-nascido nos desperte da indiferença. Que nos ajude a abrir os olhos da alma para todos aqueles que passam ao nosso lado e sofrem por falta de esperança.

Que a tua ternura revolucionária, como diz Francisco, nos anime a cuidar da esperança daqueles que já a perderam.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria

CONTO DE NATAL

Tinha abraçado a vocação ao sacerdócio com toda a convicção, mas agora tinha dúvidas, muitas dúvidas. E não eram, infelizmente, dúvidas sobre o sacerdócio, mas sobre o próprio Deus.

Não percebia porquê, mas agora que se aproximava o dia de Natal olhava para trás e percebia o ano terrível que tinha vivido.
A morte dos seus pais ainda relativamente novos, num acidente; aquele seu irmão, tão novo, com aquela doença incurável; aquele seu amigo de infância que ao fim de tantos anos de dificuldades, depois de nunca ter desistido de lutar, tinha acabado por “vencer na vida” e de repente, por um incêndio fortuito, tinha ficado novamente sem nada.
E o mundo? Que mundo este em que se trucidavam crianças, se decapitavam pessoas, se tratava melhor os animais do que os seres humanos, um mundo em que a barbárie, não só da violência física, mas também a violência verbal e psíquica, se tinha instalado e “dava cartas” em todo o lado.

E Deus? Deus onde parava? Por onde andava?
Sim ele sabia bem, (tinha-o estudado profundamente), que Deus nos tinha criado em liberdade total e por isso não interferia na liberdade de cada um.
Mas, caramba, há um tempo para tudo!
Então Deus podia assistir impávido e sereno à destruição do bem, à destruição da humanidade que Ele mesmo tinha criado à sua imagem e semelhança?
Tudo isto, somado a uma Igreja que a seus olhos parecia não encontrar união, mas parecia antes querer encontrar pontos de divisão, mais as conversas mantidas com tanta gente desiludida e revoltada, levantavam-lhe dúvidas, muitas dúvidas, a que ele não conseguia responder, sobretudo no seu íntimo.
Lembrava-se perfeitamente da Missa que tinha celebrado no dia anterior e como lhe tinha custado.
Na altura da consagração apeteceu-lhe deixar a patena e o cálice no altar e não proferir as palavras da consagração, mas depois lembrou-se que, mesmo que ele não acreditasse, a consagração sempre aconteceria, tal como ensinava a Igreja.

Era dia 24 de Dezembro e estava na sacristia pensando que ainda teria que celebrar à noite a Missa do Galo.
Era fim de tarde e a essa hora já não estava ninguém na igreja.
Foi colocar-se em frente ao sacrário com a cabeça entre as mãos e ali se deixou ficar, sem pensar, nem dizer nada, sem nada fazer.
Ao fim de algum tempo, cansado da posição em que estava e percebendo que o dia já estava a acabar, olhou o sacrário com um olhar ainda de esperança e disse:
Senhor Jesus Cristo, se aí estás, dá-me um sinal, qualquer coisa que me faça sair deste torpor que me afasta de Ti. Eu quero-Te, mas sinto-me cada vez mais longe de Ti.

Saiu da igreja e dirigiu-se para casa, mas em vez de seguir pela estrada normal, decidiu atravessar o pequeno pinhal que ficava entre a igreja e a casa onde vivia.
A luz do crepúsculo provocava sombras estranhas nas árvores, mas isso não lhe interessava minimamente, pois caminhava totalmente absorto nos seus pensamentos sobre Deus e sobre a sua fé.

Pareceu-lhe ouvir um ruído, um gemido, qualquer coisa, talvez um animal ferido.
Parou e pôs-se à escuta.
Ouviu então algo que lhe pareceu um choro de criança, pelo que começou à procura por entre os arbustos, tentando descobrir de onde vinha tal lamento.
Encontrou então deitada no chão da mata, envolvida num pequeno cobertor, uma criança, que chorava lancinantemente.
Aproximou-se e percebeu que, embora já não fosse um recém-nascido, era sem dúvida uma criança nascida há muito pouco tempo.
Retirou com todo o cuidado o cobertor que a envolvia e verificou que apesar das circunstâncias a criança lhe parecia estar bem de saúde.
Tocou-lhe numa mão com o seu dedo para ver a sua reacção, e logo os pequeninos dedos do bebé se agarraram, como desesperados ao seu dedo, com uma força tal que o espantou.
Colocou-o ao colo e trouxe-o para a estrada, enquanto ligava para as emergências explicando o assunto, e pedindo uma ambulância.
Sentou-se num marco na berma da estrada com a criança ao colo e mais uma vez colocou o seu dedo entre aquela pequena mão, que logo o agarrou novamente com toda a força.
Estava assim, embevecido a olhar para a cara do bebé, que entretanto tinha acalmado e dormitava no seu colo com uma expressão muita calma, quando sentiu no seu coração as seguintes palavras:
Vês, meu filho, só tens que fazer isto mesmo! Abandona-te como uma criança, agarra a minha mão com toda a tua força e perceberás que estás ao meu colo, que Eu estou contigo, e que, quaisquer que sejam as tuas dúvidas, eu sou o Senhor teu Deus que te ama, que te chama e que te guia. Hoje é noite de Natal! Quando regressares à igreja, vai junto do presépio e coloca o teu dedo nas mãos da minha imagem deitado nas palhinhas. Acredita, meu filho, que mesmo sem sentires, Eu me agarrarei ao teu dedo e não te deixarei partir, porque te amo e te quero para mim!

Ao longe já se viam as luzes da ambulância e ele iria jurar que se pareciam exactamente com as estrelas que tinha iluminado os pastores naquela Santa Noite!

O seu coração exultou de alegria e exclamou dentro de si:
Meu Senhor e meu Deus! Ó meu Menino Jesus, obrigado pelo teu presente de Natal!!!

Foi com muita relutância que deixou que os bombeiros lhe tirassem dos seus braços aquele seu “Menino Jesus”!

Marinha Grande, 19 de Dezembro de 2016

Joaquim Mexia Alves

Evangelho do dia 20 de dezembro de 2018

Estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de David; o nome da virgem era Maria. Entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça; o Senhor é contigo». Ela, ao ouvir estas palavras, perturbou-se e discorria pensativa que saudação seria esta. O anjo disse-lhe: «Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a Quem porás o nome de Jesus. Será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de Seu pai David; reinará sobre a casa de Jacob eternamente e o Seu reino não terá fim». Maria disse ao anjo: «Como se fará isso, pois eu não conheço homem?». O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra; por isso mesmo o Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se dizia estéril; porque a Deus nada é impossível . Então Maria disse: «Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». E o anjo afastou-se dela.

Lc 1, 26-38