Caríssimos paroquianos e amigos da
paróquia de Telheiras:
Apesar
de ter adiantado parte do conteúdo desta carta no editorial do Boletim,
gostaria, com este meio mais informal, completar as minhas reflexões acerca da
polémica que envolve a construção da nova igreja de Telheiras.
1.
Pensando na
população de Telheiras e em quem aqui trabalha, como pode a nova construção
ajudar a que a nossa paróquia contribua de forma mais eficaz para o bem de
todos? Sonhemos com aqueles que podem vir a beneficiar do centro de acolhimento
de idosos, dos gabinetes de apoio familiar, das salas de catequese adequadas,
dos armazéns para bens alimentares e da loja solidária, para já não falar de
todos os que beneficiariam de uma igreja mais acolhedora e ampla, com a facilidade
de, quem que seja, possa recolher-se em oração a qualquer hora do dia, e onde
as condições de acesso para pessoas visualmente incapacitadas estejam bem
resolvidas, etc., etc.
Por tudo o que acabo de referir e apesar do que
a seguir direi, continuo profundamente convencido de que o bairro de Telheiras
e, em concreto, os pais e alunos das escolas que rodeiam o atual «quadrado
verde», teria muito a ganhar com a construção do centro paroquial e da igreja
de S. João Paulo II naquele local. As possibilidades de sinergias com as
escolas seriam imensas, e as crianças teriam como vizinha uma igreja católica,
que costuma ser sempre pacífica, benévola e fonte de segurança.
Parece-me que o esquecimento e a menor
consideração pelo serviço essencial que a igreja presta a tanta gente denotam,
por vezes, numa visão do mundo bem distante de um cristianismo vivo e que
abranja todas as facetas da nossa existência.
No entanto, e porque desejamos sinceramente
evitar feridas familiares e sociais, apesar de nos assistir toda a legitimidade
legal para construir o centro paroquial e a nova igreja no terreno cedido pela
CML, mantemos a disponibilidade para que se encontrem soluções alternativas,
desde que exequíveis e equiparadas à situação atual.
2.
Antes de prosseguir com as considerações
mais concretas, convido-vos a não perder de vista o enquadramento do problema
na visão cristã do mundo. Durante a Semana Santa contemplámos «Jesus, que foi feito por um pouco inferior aos anjos, coroado de
glória e de honra, por causa da morte que sofreu, a fim de que, pela
graça de Deus, experimentasse a morte em favor de todos» (Heb 2, 8-9). Nas
relações que estabelecemos com quem quer que seja e pelo motivo que seja, nós,
cristãos, somos sempre convidados a não perder de vista o horizonte magnânimo
aninhado no Coração do nosso Deus e Salvador que Se entregou «em favor de
todos»!
Com este esplêndido panorama ainda na nossa
cabeça, convido-vos a não deixar que os inevitáveis (e muitas vezes saudáveis)
diferentes modos de procurar o bem da sociedade sejam motivo para criar entre
nós ressentimentos e divisões. Não se trata de desvalorizar a importância das
questões nem adotar diante delas uma atitude de indiferença, como se qualquer
solução fosse boa. Mas é essencial que saibamos conviver com pessoas que têm
propostas e pontos de vista diferentes acerca das soluções que mais favorecem o
bem-comum da sociedade aqui e agora.
Conscientes da complexidade das motivações em
jogo no debate ainda em curso sobre a proposta para o centro paroquial e a nova
igreja de Telheiras, procurámos, desde o início, ouvir todas as pessoas. Não
recusámos nenhum convite ao diálogo da parte de quem quer que fosse, quer
entidades, quer pessoas singulares, quer meios de comunicação social. E assim
continuaremos a proceder.
Não desejo que a diferença de posições, ambas
legítimas se corresponderem de facto às motivações enunciadas de parte a parte,
crie afastamento entre as pessoas. Pior ainda se gerasse no seio das famílias,
discussões e distanciamento entre os de uma mesma casa. Pensemos que alguns dos
que tomaram a iniciativa de se opor ao projeto evocam como motivo o bem-estar
dos seus filhos: eu posso discordar da leitura concreta que fazem sobre os
malefícios da construção, mas a preocupação pelos filhos em si mesma só me
merece respeito.
3.
Para aqueles que não estão a par do que
sucedeu, apresento um breve resumo. No final do mês de fevereiro, um conjunto
de moradoras de Telheiras lançou uma petição on-line a pedir a suspensão da execução do projeto apresentado pela
paróquia local para a construção de um centro paroquial e uma nova igreja num
terreno cujo direito de superfície foi cedido pela CML em junho de 2017, depois
de anos de negociações. Desde que tomei posse da paróquia, em setembro de 2016,
não deixei repetidamente de falar do projeto, pedindo que todos dessem sugestões
para o mesmo. Falei sobre o assunto no final das missas e também tive a
oportunidade de conversar informalmente com responsáveis por várias entidades
do bairro, sempre no sentido de perceber quais as necessidades sociais que
deveríamos ter mais em conta na futura construção. Em nenhum momento me foram
referidas hipotéticas objeções à construção por parte dos moradores. Logicamente,
sempre considerei que, entre os milhares de habitantes de Telheiras, houvesse
quem pudesse não gostar do projeto, sobretudo não sendo crentes. Insisto, no
entanto, que a oposição ao mesmo só sucedeu agora. Às mais de 3000 assinaturas
que se foram somando, tomaram posição contra o projeto tanto a ART como a
Associação de pais das escolas vizinhas ao terreno.
As
objeções principais prendem-se não só com os incómodos das obras, como também
com o facto de se perder um quadrado que se deseja verde (uns 2600m2), o medo a
um aumento de tráfico na zona, a objeção à altura das paredes do edifício que
taparão a vista do recreio das crianças; também se levantaram objeções à
existência das projetadas capelas mortuárias, pela vizinhança que teria com as
escolas.
Vários
meios de comunicação registaram o mal-estar de uma parte da população. Na
sessão de esclarecimento que teve lugar na biblioteca Orlando Ribeiro por
iniciativa da Junta de Freguesia do Lumiar, apesar de termos podido ouvir-nos
uns aos outros, nem sempre se conseguiu manter um diálogo totalmente
pacificador. Pensando no que lá foi dito, gostaria de acrescentar duas breves
reflexões sobre alguns tópicos abordados na sessão.
a)
Começo por
me deter sobre um dos alvos da polémica: as capelas mortuárias. No projeto
atual, elas estão situadas no piso subterrâneo, na esquina da R. Hermano Neves
com a R. José Escada, com uma rampa de acesso para os carros funerários.
Precisamente porque diante das crianças se deve ter um certo recato com a
morte, aí foram colocadas. No entanto e apesar de querer respeitar até onde
possível a sensibilidade dos pais, sinto uma grande pena, sobretudo por parte
dos católicos, que não se tenha devidamente em conta a obra de misericórdia que
é «enterrar os defuntos». Essa obra de misericórdia inclui, evidentemente,
ocupar-se do velório digno, onde as pessoas, fragilizadas e entristecidas,
tenham o consolo de ser acolhidas pela comunidade cristã em que estão
inseridas, e disfrutem de um mínimo de comodidade que, nessas alturas,
contribui para que possam centrar-se sossegadamente no acompanhamento
espiritual do defunto. O modo respeitoso e delicado com que se lida com esses
momentos é sinal de uma fé madura, de sensibilidade pela dor das pessoas e de
um escrupuloso respeito pela dignidade do defunto. Tratar as capelas mortuárias
como se fossem aterros sanitários ou centrais nucleares não me parece uma
atitude humanista e muito menos cristã. Teremos de encontrar uma solução
equilibrada, capaz de englobar as diferentes sensibilidades sobre este assunto.
b)
A segunda
reflexão é de carácter mais geral. Não estamos, a meu ver, perante uma questão
religiosa. Por um lado, os responsáveis que se opõem à construção sempre
reconheceram explícita e publicamente a legitimidade da Igreja para edificar
templos: apenas preferem que a construção em causa não seja naquele local. Pelo
outro lado e pelo que me corresponde, já referi em diversas ocasiões que a
construção do equipamento religioso no local previsto não é nem um Mandamento
nem um Dogma de fé. Quando questionado por uma jornalista sobre se era
«absolutamente necessária a construção», o que me veio à cabeça, naquele
instante, foram as comunidades cristãs do Iraque ou da Síria, que têm as suas
igrejas arrasadas e, porém, são mais Igreja do que todos nós. «Absolutamente
necessário» é «amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós
mesmos».
O resto pode ser – e, na minha opinião e neste
caso, é – muitíssimo conveniente, no sentido de potenciar e facilitar as
manifestações do amor a Deus e ao próximo, nunca como uma espécie de
manifestação de «imperialismo religioso».
4.
Caríssimos
amigos da paróquia de Telheiras, pensei que vos devia estas reflexões. Reitero
uma vez mais, a disponibilidade para encontrar outros espaços em Telheiras em
que possamos servir igualmente a comunidade local. Se a CML encontrar outro
terreno em Telheiras capaz de ir ao encontro dos legítimos interesses da
comunidade local e contando com a sua aprovação, estaríamos perante uma solução
admissível, mesmo que envolva modificações substanciais ao anteprojeto já
concebido. Caso não exista um local alternativo apropriado, tanto os arquitetos
como eu próprio já manifestámos estar dispostos a rever o anteprojeto de modo a
ter em conta as objeções levantadas.
Não está no meu horizonte uma terceira hipótese.
Há uns dias, falando com alguns idosos da Paróquia, disseram-me: «senhor padre,
construa o centro paroquial». Nenhum deles participará numa petição on-line ou num cordão humano, e nenhum
deles provavelmente falará num meio de comunicação. Mas são pessoas com os
mesmos direitos de expressão do que os que se opõem à construção. Ao pensar nas
centenas de habitantes de Telheiras que, desde há anos, desejam legitimamente
ver concretizado o projeto, não parece viável desistir. Não é por serem menos
ruidosos que têm menos direitos e não é certamente por serem mais silenciosos
que o coração do pastor os ignorará. Aliás, como expliquei com toda a
sinceridade na sessão de esclarecimento, o novo complexo paroquial só será
edificado se puder contar com o apoio, também material, de centenas de
moradores. É minha sincera convicção de que assim será.
Peço as vossas orações por esta questão para
que, com todas as pessoas que estão de boa-fé e boa vontade, saibamos encontrar
a solução que melhor sirva a população de Telheiras. Neste ano, em que o
Patriarcado de Lisboa tem como lema Pastoral «a Palavra de Deus, lugar onde nasce
a fé», permito-me aconselhar-vos a oração que o jovem Salomão, a quem Deus
perguntou o que d’Ele desejava, pronunciou e que transcrevo parcialmente: «Agora, Senhor, meu Deus, (…) terás,
pois, de conceder ao teu servo um coração cheio de entendimento para governar o
teu povo, para discernir entre o bem e o mal» (Cfr. 1 Re 3, 8-10).
Sim, cada um pode pedir o grande dom da
sabedoria a fim de que, entre todos, encontremos a melhor solução para a nossa
paróquia, sem alimentar divisões e feridas desnecessárias. As nossas palavras e
os nossos gestos, mesmo sendo claros e inequívocos, não devem afastar ninguém
do amor de Cristo Ressuscitado. Mais ainda: temos uma grande oportunidade para
crescer como comunidade unida pelo amor de Cristo a todos.
Aproveito para vos convocar para uma
reunião na nossa igreja, na quarta-feira dia 11 de abril, às 21h15.
Preciso de ouvir as vossas opiniões num diálogo sereno e construtivo antes de
qualquer decisão ser tomada.
Com as melhores bênçãos para as vossas
famílias.
Pe. João Paulo Pimentel,
2 de abril de 2018,
(13º Aniversário do
falecimento do Papa S. João Paulo II)