terça-feira, 6 de março de 2018

Viver a Quaresma junto ao Mestre

Já passaram alguns dias desde o início da Quaresma. Além de rever, com agradecimento e disposição de aprender, os quarenta dias de oração e jejum de Jesus Cristo no deserto, e a Sua luta vitoriosa contra o espírito maligno, a Igreja propõe-nos que nos preparemos muito bem para entrar mais a fundo nas cenas da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor, na próxima Páscoa. Por isso nos convida a percorrer este tempo litúrgico muito unidos ao Mestre, como S. João Paulo II recordava há uns anos.

«Vamos subir a Jerusalém (Mc 10, 33). Com estas palavras, o Senhor convida os discípulos a percorrer com Ele o caminho que os conduz da Galileia até ao lugar onde a Sua missão redentora se consumará. Este caminho para Jerusalém, que os Evangelistas apresentam como o culminar do itinerário terreno de Jesus, constitui o modelo de vida do cristão comprometido em seguir o Mestre no caminho da Cruz.

Cristo também faz aos homens e às mulheres de hoje o convite a "subir a Jerusalém". E fá-lo com um vigor particular na Quaresma, tempo favorável para se converterem e encontrarem de novo a plena comunhão com Ele, participando intimamente no mistério da Sua Morte e Ressurreição. Portanto, a Quaresma representa para os crentes ocasião propícia para uma profunda revisão de vida» [1].

Conhecemos as principais práticas que a Igreja recomenda durante a Quaresma, para manifestarmos este desejo de conversão: a oração, a penitência, as obras da caridade. Gostaria que nos fixássemos agora particularmente nestas últimas. O Papa Francisco, na sua Mensagem para a Quaresma, refere-se à globalização da indiferença: um mal que se acentuou na nossa época e que se opõe frontalmente à forma de atuar de Deus. Com efeito, o Senhor, na Sua infinita misericórdia, cuida de todos e de cada um, procura-nos, também quando nos afastamos, não deixa de nos enviar a claridade da Sua luz e a força da Sua graça, para que nos decidamos a viver em cada momento como bons filhos Seus. Mas acontece-nos – sublinha o Santo Padre – que quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz), não nos interessam os seus problemas, nem a sua dor, nem as injustiças que sofrem… [2].

Para superar este perigo, devemos considerar que somos solidários uns com os outros. E sobretudo refletir sobre a Comunhão dos santos, que nos impulsionará a servir, a ocupar-nos, dia após dia, das nossas irmãs e dos nossos irmãos necessitados de atenção espiritual ou material. A Quaresma converte-se assim num tempo especialmente propício a imitar Cristo, com uma entrega generosa aos membros do Seu Corpo místico, pensando em como Ele Se nos entrega.

A força para atuarmos assim provém da escuta atenta da Palavra de Deus e da receção dos sacramentos – a Confissão, a Eucaristia – referidos de modo concreto nos Mandamentos da Igreja relativos a esta época. Consideremos que, ao receber o Corpo do Senhor na Comunhão com as disposições espirituais necessárias, nos vamos parecendo cada vez mais com Ele, a nossa identificação com Jesus vai-se tornando mais perfeita até chegar a ser, como o nosso Padre repetia, ipse Christus, o próprio Cristo. E faremos muito nossas as indigências dos outros, sem deixar que se forme nos nossos corações a crosta do egoísmo, de nos centrarmos no próprio eu: quem é de Cristo pertence a um só Corpo e n'Ele não se é indiferente com os outros [3]. Como não recordar a pregação de S. Paulo: se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. E se um membro é honrado, todos os outros se alegram com ele [4].

[1]. S. João Paulo II, Mensagem para a Quaresma, 7-I-2001.
[2]. Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma de 2015, 4-X-2014.
[3]. Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma de 2015, 4-X-2014.
[4]. 1 Cor 2, 16.

(D. Javier Echevarría na carta do mês de março de 2015)
© Prælatura Sanctæ Crucis et Operis Dei

Correção fraterna como manifestação de caridade

Esta manifestação de caridade não se limita a um ensinamento isolado. Já no Antigo Testamento ele aparece várias vezes e se aconselhava, por exemplo: repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber [1]. E noutra passagem: quem guarda a instrução caminha para a vida, mas quem abandona a correção anda perdido [2].

No Novo Testamento, seguindo a pregação do Mestre, concretiza-se ainda mais como há de ser esta urgência de fina fraternidade, que ampara os outros para caminharem diretamente para Deus. S. Paulo avisa que se há de exercer com espírito de mansidão 3], vendo na outra pessoa não um inimigo mas um irmão [4]. A Escritura faz também notar que toda a correcção, no momento em que é aplicada, não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; mais tarde, porém, produz um fruto de paz e de justiça nos que foram exercitados por ela [5].

[1] Pr 9, 8-9.
[2] Pr 10, 17.
[3] Gl 6, 1.
[4] Cfr. 2 Ts 3, 15.
[5] Heb 12, 11.

(D. Javier Echevarría na carta do mês de Março 2011 escrevendo sobre a ‘correcção fraterna’ como tema proposto por Bento XVI para a Quaresma desse ano)

O Evangelho do dia 6 de março de 2018

Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis fazer as contas com os seus servos. Tendo começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei tudo”. E o senhor, compadecido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. «Mas este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e, lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei”. Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão, até pagar a dívida. «Os outros servos seus companheiros, vendo isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha acontecido. Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. Não devias tu também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. «Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do seu coração ao seu irmão»

Mt 18,21-35