sábado, 21 de outubro de 2017

O inferno passou por aqui!

Não basta que um governante não roube, nem mate, porque também por omissão pode faltar gravemente aos seus deveres, se não fizer o que devia ter feito.

Um jornalista perguntou uma vez ao cardeal Lustiger, já falecido, se acreditava na condenação eterna. O então arcebispo de Paris respondeu afirmativamente, como era de esperar de um católico coerente, mas depois, surpreendentemente, explicou que acreditava no inferno porque já o tinha visto! Perplexo, o entrevistador perguntou-lhe onde o vira, ao que o prelado, de origem judia, respondeu: Em Auschwitz, Treblinka, Dachau, etc. Se fosse hoje, o cardeal parisiense poderia acrescentar mais alguns lugares, como Pedrógão Grande, Mação e todas as outras povoações portuguesas que foram pasto das chamas nestes últimos meses.

Depois da tragédia de Pedrógão, todos pensámos: Nunca mais! Não todos, a bem dizer: o primeiro-ministro disse que os fogos iriam continuar, a então ministra da administração interna, a quem corresponde a tutela dessa área da governação, aconselhou resiliência às populações e um seu secretário de Estado até se deu ao luxo de recomendar aos cidadãos uma atitude mais pró-activa… Ante esta indiferença e conformismo governativo, não é muito de espantar que, num só dia, tenha deflagrado meio milhar de incêndios, que causaram a morte a mais de quatro dezenas de pessoas indefesas, destruíram por completo os bens de muitas famílias, dizimaram várias povoações e consumiram extensas zonas de vegetação. Em menos de meio ano, há já mais de uma centena de vidas humanas a lamentar, por manifesta negligência das autoridades, cuja incompetência é apenas comparável à sua descoordenação técnica e ineficácia operacional, não obstante os heroicos esforços dos bombeiros e das populações.

Um atentado terrorista, ou um terramoto, não são previsíveis; um furacão, ou um tsunami, só podem ser detectados com algumas horas de antecedência; mas estes incêndios ocorreram precisamente na época em que todos os anos, infelizmente, acontecem e por isso, mais do que previsíveis, eram certos, se nada se fizesse para os evitar ou extinguir. Também se soube, com antecipação, que este mês de Outubro iria ser excepcionalmente quente, pelo que ninguém – muito menos o governo ou a protecção civil – pode agora alegar qualquer imprevisibilidade, nem o desconhecimento, ou a excepcionalidade, das circunstâncias meteorológicas, aliás comuns a outros países.

Ante a manifesta incompetência do executivo, sempre muito atento às sondagens sobre a sua popularidade, mas alheado das desgraças que afligem o país, o chefe de Estado protagonizou, pelo contrário, uma atitude notável. Não só cancelou todos os seus compromissos protocolares, como se pôs a caminho das zonas mais afectadas, para prestar às populações, ainda em estado de choque e justamente indignadas, um apoio de que urgentemente careciam. Talvez alguns possam pensar que essa manifestação de afecto pelas vítimas dos incêndios é meramente sentimental, mas a verdade é que o presidente da República se expôs a ser incompreendido pelos que tanto sofreram pela incúria do Estado de que ele é, afinal, o máximo representante. Coragem que, ao que parece, faltou ao primeiro-ministro, à demissionária ministra da administração interna ou aos seus secretários de Estado …

Mas o presidente da República não se ficou por uma atitude meramente afectiva: fazendo uso das suas prerrogativas constitucionais, falou à nação; responsabilizou o governo, ao qual exigiu um pedido de desculpas pela sua indesculpável negligência; e comprometeu o parlamento na urgência de uma solução, que seja uma resposta célere e eficaz a esta tragédia. Em termos pessoais e institucionais, o chefe de Estado não podia ter feito mais e, por isso, merece o reconhecimento nacional por este inestimável serviço que prestou a Portugal.

Não é por acaso que, na Bíblia, a condenação eterna é muitas vezes representada pelo flagelo do fogo. Na pregação de Jesus Cristo, é recorrente a comparação do inferno com a geena, a lixeira de Jerusalém onde os detritos eram queimados (cf. Mt 5, 29-30; 10, 28). Tomás de Aquino afirma que a imagem do fogo pode não ser meramente simbólica, na medida em que traduz de forma realista o imenso sofrimento dos condenados.

É significativo que, na parábola do juízo final (Mt 25, 31-46), não são os assassinos, os idólatras, os adúlteros, os avarentos ou os ladrões que são excluídos do céu. Quem são, então, os condenados ao inferno?! Não são os que fizeram o mal, mas os que não fizeram o bem que podiam e deviam ter feito: os que não deram de comer nem de beber aos famintos e sedentos; os que não receberam os peregrinos; os que não vestiram os nus; os que não visitaram os presos, nem os doentes. Não se condenaram pelo mal que praticaram, mas pelo bem a que estavam obrigados e que omitiram.

Foi agora tornada pública a acusação contra o anterior primeiro-ministro socialista, por mais de trinta crimes alegadamente cometidos no exercício das suas funções. Quero crer que o actual chefe do governo não incorre nas supostas culpas daquele seu predecessor e correligionário, de quem foi, por ironia do destino, ministro da administração interna. Mas não basta que um governante não roube, nem seja corrupto: também pode faltar gravemente aos seus deveres públicos por omissão do que devia ter feito e não fez. Se uma tal negligência for responsável pelas mais de cem vítimas mortais já verificadas, é certamente criminosa.

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador

(seleção de imagem 'Spe Deus')

O Evangelho de Domingo dia 22 de outubro de 2017

Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como O surpreenderiam no que falasse. Enviaram seus discípulos juntamente com os herodianos, a dizer-Lhe: «Mestre, nós sabemos que és sincero, e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, sem dar preferência a ninguém, porque não olhas às condições das pessoas. Diz-nos, pois, o Teu parecer: é lícito ou não dar o tributo a César?». Jesus, conhecendo a sua malícia, disse: «Porque Me tentais, hipócritas? Mostrai-Me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário. E Jesus disse-lhes: «De quem é esta imagem e esta inscrição?». Responderam: «De César». Então disse-lhes: «Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».

Mt 22, 15-21

São Josemaría Escrivá nesta data em 1960

Recebe o doutoramento “honoris causa” pela Universidade de Saragoça. No discurso académico, disse: “Sete lustros passaram já desde que abandonei as aulas da Universidade de Saragoça e as terras de Aragão em que nasci. Longos anos que não conseguiram apagar da minha mente a recordação, nem afogar no coração o afecto por aquela Universidade nem por esta terra. Na Roma eterna, junto ao sepulcro de Pedro, ou viajando por todos os caminhos da Europa, a sua memória esteve e continua a estar sempre muito presente em mim”.

Discernir os sinais do nosso tempo

São João Paulo II (1920-2005), papa 
Encíclica «Dives in Misericordia» § 15


A Igreja tem o direito e o dever de apelar «com grande clamor» para o Deus da misericórdia (Heb 5,7). Este «grande clamor» há-de caracterizar a Igreja do nosso tempo [...], um clamor a suplicar a misericórdia segundo as necessidades do homem no mundo contemporâneo. [...] Deus é fiel a Si próprio, à Sua paternidade e ao Seu amor! Como os Profetas, apelamos para este amor que tem características maternais e que, à semelhança da mãe, vai acompanhando cada um dos Seus filhos, cada ovelha desgarrada – ainda que houvesse milhões de extraviados, ainda que no mundo a iniquidade prevalecesse sobre a honestidade e ainda que a humanidade contemporânea merecesse pelos seus pecados um novo dilúvio, como outrora sucedeu com a geração de Noé.

Recorramos, pois, a tal amor, que permanece amor paterno, como nos foi revelado por Cristo na Sua missão messiânica, e que atingiu o ponto culminante na Sua Cruz, morte e ressurreição! Recorramos a Deus por meio de Cristo, lembrados das palavras do Magnificat de Maria, que proclamam a Sua misericórdia «de geração em geração» (Lc 1,50). Imploremos a misericórdia divina para a geração contemporânea [...]: elevemos as nossas súplicas, guiados pela fé, pela esperança e pela caridade que Cristo implantou no nosso coração.

Esta atitude é, ao mesmo tempo, amor para com este Deus que o homem contemporâneo por vezes afastou tanto de si que O considera um estranho e de várias maneiras O proclama supérfluo. É amor para com este Deus, em relação ao Qual sentimos profundamente quanto o homem contemporâneo O ofende e O rejeita. E por isso estamos prontos para clamar com Cristo na cruz: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23,24). Tal atitude é também amor para com os homens, para com todos os homens, sem excepção e sem qualquer discriminação: sem diferenças de raça, de cultura, de língua, de concepção do mundo, e sem distinção entre amigos e inimigos.

O Evangelho do dia 21 de outubro de 2017

Digo-vos: Todo aquele que Me confessar diante dos homens, também o Filho do Homem o confessará diante dos anjos de Deus. Mas quem Me negar diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus. «Todo aquele que falar contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado; mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado. Quando vos levarem às sinagogas e perante os magistrados e autoridades, não estejais com cuidado de que modo respondereis, ou que direis, porque o Espírito Santo vos ensinará, naquele mesmo momento, o que deveis dizer».

Lc 12, 8-12