sábado, 30 de setembro de 2017

Os católicos ‘protestantes’

Os autores da “correcção filial” ao Papa Francisco esquecem que a Amoris laetitia não é um texto dogmático, nem jurídico, mas pastoral para ser interpretado à luz do magistério e da tradição da Igreja

A carta que, com data de 16 de Julho passado, cerca de meia centena de católicos escreveram ao Papa Francisco, acusando-o de heresia, não é inédita, mas é insólita, injusta e muito infeliz.

Há precisamente cinco séculos, Martinho Lutero revoltou-se contra o papa e a Igreja católica, dando origem aos vulgarmente designados por ‘protestantes’. Também os signatários desta “correcção filial”, embora não sejam, em sentido próprio, protestantes, são-no de facto, por este seu protesto contra o Santo Padre.

Não obstante o seu louvável zelo pela ortodoxia e suposta boa-fé, manifestam uma considerável presunção e arrogância, quando dizem que foram “obrigados a dirigir a Sua Santidade uma correcção, devido à propagação de heresias produzidas pela Exortação apostólica Amoris laetitia e de outras palavras, actos e omissões de Sua Santidade”. É algo confusa a alusão a “heresias produzidas pela dita Exortação apostólica, porque nenhuma heresia é ‘produzida’ por um texto, nem por meras “palavras, actos e omissões”, mas por alguém que, neste caso, só pode ser o Papa Francisco.

Segundo o Código de Direito Canónico, “diz-se heresia a negação pertinaz, depois de recebido o baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica” (cânone 751). Portanto, só é herética a negação, por um fiel que o faça de forma consciente e pertinaz, de algum dogma. Não constando, como certamente não consta, essa intenção e vontade por parte do Sumo Pontífice, é moralmente temerária e juridicamente improcedente a acusação de heresia, também porque nada permite supor, no Papa Francisco, a consciência e intenção de contradizer a fé da Igreja.

Como é sabido, nenhum bispo, nem a totalidade dos cardeais pode, em caso algum, depor um Papa validamente eleito. Nem sequer o concílio ecuménico poderia fazê-lo. Não há nenhuma forma canónica pela qual se possa obrigar o bispo de Roma a renunciar ao seu ministério eclesial.

E se o Papa for herege?! Segundo o Código de Direito Canónico, qualquer clérigo que incorra em heresia, fica automaticamente excomungado e, em consequência, cessa no seu ofício eclesiástico (cân. 1364), mas não o romano pontífice, porque “a primeira Sé por ninguém pode ser julgada” (cân. 1404). “O Papa na Igreja é juiz supremo, a quem só Deus pode julgar. A esta prerrogativa, proveniente do direito divino, nem sequer o Papa pode renunciar. Ao dizer que a primeira Sé não pode ser submetida ao juízo de poder humano algum, deve entender-se acerca tanto das resoluções que o Papa pronuncie, como daquelas que ele faça com aprovação ou aceitação expressa e formal” (Communicationes, 10, 1978, p. 219).

Como não há qualquer hipótese legal de destituir o Papa Francisco, os subscritores desta carta apelam à “dúvida” quanto à “validade da renúncia do papa emérito Bento XVI ao papado”. De facto, se a resignação de Ratzinger não tivesse sido válida, continuaria a ser ele o Papa, em cujo caso a eleição de Jorge Mário Bergoglio teria sido nula e sem efeito. Mas também este argumento não colhe porque o Papa emérito, ciente desses rumores, já várias vezes veio a público desmenti-los, porque não têm qualquer fundamento.

Entendem ainda os autores da “correcção filial” que, por causa da Exortação apostólica Amoris laetitia, os fiéis católicos encontram-se agora num difícil dilema: “ou chegarão a adoptar as heresias ora propagadas ou, conscientes de que essas doutrinas são contrárias à Palavra de Deus, duvidarão ou negarão as prerrogativas dos Papas”. Ou seja: ou são fiéis à palavra de Deus e infiéis ao Papa, ou fiéis ao Papa e infiéis à palavra de Deus. A alternativa não faz contudo sentido porque a palavra de Deus obriga à fidelidade ao Papa, cujas afirmações não contradizem os ensinamentos revelados.

Os autores da “correcção filial” referem ainda as inúmeras passagens da Amoris laetitia que entendem contrárias à doutrina católica. Esquecem, contudo, que o documento que tão meticulosamente examinaram não pretende ser um texto dogmático, nem normativo, mas pastoral e, por isso, a sua exegese deve ser feita em sintonia com o magistério e a tradição da Igreja e não contradizendo-os. Foi aliás o que fizeram três teólogos especializados nestes temas, em publicação agora editada em português e prefaciada por D. Nuno Brás, Bispo auxiliar de Lisboa (José Granados, Stephan Kampowski, Juan José Pérez-Soba, Acompanhar, discernir, integrar, Aletheia, 2017).

Também no Evangelho há expressões que não são susceptíveis de uma exegese literal. Quando Jesus diz que a mulher samaritana já teve “cinco maridos” (Jo 4, 18), não afirma que o foram validamente, ainda que os designe como cônjuges dela. Jesus, ao referir-se aos cinco homens que tinham convivido maritalmente com a samaritana, não ajuizou, moral e juridicamente, essas relações. Uma exegese fundamentalista desta passagem evangélica poderia levar a afirmar o absurdo: Jesus Cristo autorizaria até cinco casamentos consecutivos, pois chamou ‘maridos’ aos cinco primeiros parceiros da samaritana, mas não mais, porque ao sexto foi negada essa condição …

Quando, na manhã da Páscoa, São João chegou ao sepulcro, “inclinou-se para observar (…) mas não entrou.” Porque o não fez?! Para dar prioridade a Pedro, que o seguia. Já não parecia fazer sentido esta deferência com Simão porque, se é verdade que Pedro fora constituído chefe da Igreja, depois negara três vezes o Mestre. À conta da infidelidade de Pedro, João, não menos apóstolo do que ele, podia supor que já não lhe devia especial respeito, nem obediência, mas uma correcção filial!

Não se pode ser bom católico sem ser fiel ao Santo Padre. Aos discípulos de Jesus não compete julgar ninguém, muito menos o vigário de Cristo na terra, nem ajuizar o seu magistério, mas segui-lo com fidelidade e obedecer-lhe com filial reverência. Foi o que fizeram João e todos os cristãos que, ao longo dos dois mil anos da história da Igreja, são, pelo seu amor e obediência ao Papa, outros tantos discípulos predilectos do Senhor.

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador de 30-09-2017
(seleção de imagem 'Spe Deus')

O Evangelho de Domingo dia 1 de outubro de 2017

«Mas que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, disse-lhe: “Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha”. Ele respondeu: “Não quero”. Mas, depois, arrependeu-se e foi. Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: “Eu vou, senhor”, mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai?». Eles responderam: «O primeiro». Disse-lhes Jesus: «Na verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino de Deus. Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; e os publicanos e as meretrizes creram nele. E vós, vendo isto, nem assim fizestes penitência depois, crendo nele.

Mt 21, 28-32

São Josemaría Escrivá nesta data em 1931

Escreve: “Tenho uma verdadeira monomania de pedir orações: a religiosas e sacerdotes, a leigos piedosos, aos meus doentes, a todos peço a esmola de uma oração, pelas minhas intenções, que são, naturalmente, a Obra de Deus e vocações para ela”.

Paz e alegria: este é o ar da Igreja

Uma organização ou programação perfeitas não são sinal da presença de Deus, mas sim a paz e a alegria. Isto é o essencial da homilia do Papa Francisco de 30.09.2013 na Casa Santa Marta. Os discípulos eram entusiastas e faziam programações sobre quem era o maior e discutiam entre si. Mas, Jesus, descentrou-lhes as ideias dirigindo-se para as crianças dizendo que os mais pequenos são... os maiores. Ao mesmo tempo, numa das leituras do dia de hoje do Profeta Zacarias, fala-se dos sinais da presença de Deus que, disse o Santo Padre, são os velhos e as crianças que são o futuro de um povo. E nem uns nem outros são descartáveis. Mas, os discípulos não compreendiam estes sinais e estavam mais preocupados com a eficácia da organização...

“Eu percebo que os discípulos queriam eficácia, queriam que a Igreja caminhasse sem problemas e esta pode ser uma tentação para a Igreja: a Igreja do funcionalismo! A Igreja bem organizada! Tudo certinho, mas sem memória e sem promessa! Esta Igreja assim não vai bem: será uma Igreja de luta pelo poder, será a Igreja dos ciúmes entre os batizados e tantas outras coisas que existem quando não há memória nem promessa.”

Assim a vitalidade da Igreja não vem dos documentos e reuniões para planificar e fazer bem as coisas, estas são realidades necessárias – diz o Papa Francisco – mas não são sinal da presença de Deus...

“O sinal da presença de Deus é este, assim disse o Senhor: Velhos e velhas estarão sentados nas praças de Jerusalém, cada um com o seu cajado para sua longevidade. E as praças da cidade estarão cheias de meninos e meninas que jogarão nas praças. Jogo faz-nos pensar em alegria: é a alegria do Senhor. E estes anciãos, sentados com o seu cajado na mão, tranquilos, fazem-nos pensar na paz. Paz e alegria: este é o ar da Igreja.” (RS)

(Fonte: 'news.va')

O Evangelho do dia 30 de setembro de 2017

E todos se admiravam da grandeza de Deus. Enquanto todos admiravam as coisas que fazia, Jesus disse aos discípulos: «Fixai bem estas palavras: O Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens». Eles, porém, não entendiam esta linguagem; era-lhes tão obscura que não a compreendiam; e tinham medo de O interrogar acerca dela.

Lc 9, 43b-45