sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Aborto: entre o perdão e o crime

O perdão não é detergente. O perdão não declara inocente o culpado. O perdão não eleva o mal até ao bem. Quando diz que é preciso perdoar uma mulher que aborta, Francisco I não está a entrar na novilíngua que transforma um mal – o aborto – numa coisa anódina, burocrática, amoral – a tal “interrupção voluntária da gravidez”.

Seja qual for o motivo, o aborto é sempre um mal. Até poderá ser um mal perdoável, mas é um mal. Nunca poderá ser descrito como uma conquista. Colocar as coisas nestes termos é aviltante, tal como são aviltantes as leis que transformam o aborto numa espécie de direito ou contraceptivo derradeiro.

A vidinha dos adultos (ele e ela) que rejeitam a responsabilidade dos seus actos não pode ser mais importante do que a vida inocente que está por nascer e que está à mercê do poder alheio. Estas leis, como o famoso Roe vs. Wade, são imorais, são ilegítimas, são inaceitáveis. Mais ano menos ano, mais década menos década, serão derrubadas através de um debate moral sério e por meio de propostas legais. Não, o Roe vs. Wade não é o fim de história. Para se perceber isto, basta ir buscar a balança: quem acredita na imoralidade do Roe vs. Wade tem 2000 ou até 4000 anos de civilização atrás de si; quem acredita na moralidade do Roe vs. Wade tem apenas algumas décadas de modernice. Quem é que acham que vai ganhar?

O cristão porém deve mostrar compaixão neste combate. A cultura do aborto não deve ser combatida com bombas em clínicas abortistas e ou com votos em candidatos desprezíveis como Trump. Este combate exige calma e compaixão. Sim, compaixão pelos ideólogos fracturantes que acham que abortar às vinte semanas é um acto de liberdade.

Quando disse “amarás o próximo como a ti mesmo”, Jesus não estava a pensar nos próximos que concordam connosco, mas nos próximos que pensam de forma diferente. Além disso, esta compaixão deve ser alargada à mulher que aborta. A mulher que se arrepende por ter exterminado a vida que tinha dentro de si tem de encontrar uma igreja de portas abertas.

Aliás, o espírito da lei que no futuro substituirá o espírito do Roe vs. Wade tem de partir desta premissa. Não podemos voltar à velha premissa farisaica. Quem sou eu para julgar uma mulher que, na mais absoluta pobreza, se deixa tomar pelo desespero? Quem sou eu para julgar a garota que não quer assumir o fardo social da “mãe solteira”? Esta humildade é fundamental, porque os cristãos têm muitas culpas neste cartório abortista.

Quando era apenas Jorge Bergoglio, Francisco I já criticava o “gnosticismo farisaico” de muitos padres que recusavam baptizar bebés de mães solteiras. A hipocrisia é total: a mesma igreja que pede às raparigas solteiras para recusarem o aborto é a mesma igreja que depois rejeita as crianças, alegando que estão fora dos sacramentos. Muitos abortos começaram e começam nesta hipocrisia beata.

A lei que regulará o aborto no futuro deverá recusar a amoralidade do actual ateísmo, mas também deverá recusar o moralismo beato. Há que partir da premissa que devemos o perdão a quem comete este pecado uma vez. Mas é só mesmo uma vez. A reincidência não pode ser tolerada em questões de vida ou morte. Quem aborta várias vezes continuará a ter perdão na Cidade de Deus, mas não deve ter perdão na cidade dos homens.

Em Portugal, por exemplo, há casos de mulheres que abortam várias vezes num curto espaço de tempo. Lamento, mas isto é um crime. Uma mulher que aborta cinco, seis, oito vezes é criminosa.

Henrique Raposo in RR (seleção de imagem 'Spe Deus')

O Evangelho do dia 25 de novembro de 2016

Acrescentou esta comparação: «Vede a figueira e todas as árvores. Quando começam a desabrochar, conheceis que está perto o Verão. Assim, também, quando virdes que acontecem estas coisas, sabei que está próximo o reino de Deus. Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas se cumpram. Passará o céu e a terra, mas as Minhas palavras não hão-de passar.

Lc 21, 29-33