Venerado e caríssimo Irmão, Patriarca Supremo e Catholicos de Todos os Arménios, Senhor Presidente, Queridos irmãos e irmãs!
A bênção e a paz de Deus estejam convosco!
Desejei ardentemente visitar esta amada terra, o vosso país, o primeiro que abraçou a fé cristã. É uma graça para mim poder encontrar-me nestas alturas, onde, sob a vista do Monte Ararat, o próprio silêncio parece falar-nos; onde os khatchkar – as cruzes de pedra – narram uma história única, permeada de fé rochosa e de sofrimento imenso; uma história rica de magníficas testemunhas do Evangelho, de quem vós sois os herdeiros. Vim peregrino de Roma para vos encontrar e exprimir um sentimento que me vem do fundo do coração: é o afeto do vosso irmão, é o abraço fraterno da Igreja Católica inteira, que vos ama e está solidária convosco.
Nos anos passados, graças a Deus, foram-se intensificando as visitas e os encontros entre as nossas Igrejas, sempre muito cordiais e frequentemente memoráveis; quis a Providência que, precisamente no dia em que aqui se recordam os santos Apóstolos de Cristo, estejamos de novo juntos para reforçar a comunhão apostólica entre nós. Estou muito grato a Deus pela «real e íntima unidade» entre as nossas Igrejas [cf. João Paulo II, Homilia na Celebração Ecuménica, Ierevan, 26 de setembro de 2001: Insegnamenti, XXIV/2 (2001), 466) e agradeço-vos pela vossa fidelidade ao Evangelho, muitas vezes heroica, que é um dom inestimável para todos os cristãos. Ao encontrarmo-nos, não temos uma troca de ideias, mas uma troca de dons (cf. Idem, Carta enc. Ut unum sint, 28): recolhemos aquilo que o Espírito semeou em nós, como um dom para cada um (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 246). Partilhamos com grande alegria os numerosos passos dum caminho comum já muito adiantado, e olhamos verdadeiramente com confiança para o dia em que, com a ajuda de Deus, estaremos unidos junto do altar do sacrifício de Cristo, na plenitude da comunhão eucarística. Rumo a esta meta tão desejada «somos peregrinos, e peregrinamos juntos (...) abrindo o coração ao companheiro de estrada sem medos, nem desconfianças» (ibid., 244).
Neste trajeto, precedem-nos e acompanham-nos muitas testemunhas, nomeadamente tantos mártires que selaram com o sangue a fé comum em Cristo: são as nossas estrelas no céu, que brilham sobre nós e indicam o caminho que nos falta percorrer na terra, rumo à plena comunhão. Dentre os grandes Padres, gostaria de referir o santo Catholicos Nerses Shnorhali. Nutria um amor extraordinário pelo seu povo e as suas tradições e, ao mesmo tempo, sentia-se inclinado para as outras Igrejas, incansável na busca da unidade, desejoso de atuar a vontade de Cristo: que os crentes «sejam um só» (Jo 17, 21). Realmente a unidade não é uma espécie de vantagem estratégica que se deve procurar por interesse mútuo, mas aquilo que Jesus nos pede, sendo nossa obrigação cumpri-lo com boa vontade e todas as nossas forças para se realizar a nossa missão: oferecer ao mundo, com coerência, o Evangelho.
Para realizar a unidade necessária, não basta, segundo São Nerses, a boa vontade de alguém na Igreja: é indispensável a oração de todos. É bom estar aqui reunidos para rezarmos uns pelos outros, uns com os outros. E o que vim pedir-vos nesta tarde é, antes de tudo, o dom da oração. Pela minha parte, asseguro-vos que, ao oferecer o Pão e o Cálice no altar, não deixo de apresentar ao Senhor a Igreja da Arménia e o vosso querido povo.
São Nerses sentia também a necessidade de aumentar o amor mútuo, porque só a caridade é capaz de sanar a memória e curar as feridas do passado: só o amor cancela os preconceitos e permite reconhecer que a abertura ao irmão purifica e melhora as convicções próprias. Para este santo Catholicos, no caminho rumo à unidade, é essencial imitar o estilo do amor de Cristo, que, «sendo rico» (2 Cor 8, 9), «humilhou-Se a Si próprio» (Flp 2, 8). Seguindo o seu exemplo, somos chamados a ter a coragem de deixar as convicções rígidas e os interesses próprios, em nome do amor que se humilha e entrega, em nome do amor humilde: este é o óleo abençoado da vida cristã, o unguento espiritual precioso que cura, fortalece e santifica. «Às faltas, suprimos com uma caridade unânime», escrevia São Nerses (Cartas do senhor Nerses Shnorhali, Catholicos dos Arménios, Veneza 1873, 316), e mesmo – dava a entender – com uma particular doçura de amor, que abranda a dureza dos corações dos cristãos, também eles não raro fechados sobre si mesmos e os seus próprios interesses. Não são os cálculos nem as vantagens mas o amor humilde e generoso que atrai a misericórdia do Pai, a bênção de Cristo e a abundância do Espírito Santo. Rezando e «amando-nos intensamente uns aos outros do fundo do coração» (cf. 1 Ped 1, 22), com humildade e abertura de espírito, disponhamo-nos a receber o dom divino da unidade. Continuemos, decididos, o nosso caminho, ou melhor, corramos para a plena comunhão entre nós!
«Dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo que Eu vo-la dou» (Jo 14, 27). Ouvimos estas palavras do Evangelho, que nos predispõem a implorar de Deus aquela paz que o mundo sente tanta dificuldade em encontrar. Como são grandes, hoje, os obstáculos no caminho da paz, e trágicas as consequências das guerras! Penso nas populações forçadas a abandonar tudo, especialmente no Médio Oriente onde muitos dos nossos irmãos e irmãs sofrem violências e perseguição por causa do ódio e de conflitos sempre fomentados pelo flagelo da proliferação e do comércio de armas, pela tentação de recorrer à força e pela falta de respeito pela pessoa humana, especialmente os vulneráveis, os pobres e aqueles que pedem apenas uma vida digna.
Não consigo deixar de pensar nas provações terríveis que o vosso povo experimentou: completou-se há pouco um século do «Grande Mal» que se abateu sobre vós. Este «enorme e louco extermínio» (Francisco, Saudação no início da Santa Missa para os fiéis de rito arménio, 12 de abril de 2015), este trágico mistério de iniquidade que o vosso povo provou na própria carne, permanece impresso na memória e queima no coração. Quero reiterar que os vossos sofrimentos são nossos: «são os sofrimentos dos membros do Corpo místico de Cristo» (João Paulo II, Carta Apostólica por ocasião do 1700° aniversário do Batismo do povo arménio, 4: Insegnamenti, XXIV/1 (2001), 275); recordá-los é não só oportuno, mas também forçoso: são uma advertência em todo o tempo, para que o mundo não volte jamais a cair na espiral de tais horrores.
Ao mesmo tempo desejo lembrar, com admiração, como a fé cristã, «também nos momentos mais trágicos da história arménia, foi a mola propulsora que assinalou o início do renascimento do povo provado» (ibid., 276). A fé é a vossa verdadeira força, que permite abrir-se à via misteriosa e salvífica da Páscoa: as feridas ainda abertas, causadas pelo ódio feroz e insensato, podem de algum modo assemelhar-se às de Cristo ressuscitado, as feridas que Lhe foram infligidas e que traz ainda impressas na sua carne. Mostrou-as, gloriosas, aos discípulos na tarde de Páscoa (cf. Jo 20, 20): aquelas chagas terrivelmente dolorosas recebidas na cruz, transfiguradas pelo amor, tornaram-se fontes de perdão e paz. Assim, mesmo a dor maior, transformada pela força salvífica da Cruz de que os Arménios são arautos e testemunhas, pode tornar-se uma semente da paz para o futuro.
Realmente a memória, permeada pelo amor, torna-se capaz de encaminhar-se por sendas novas e surpreendentes, onde as tramas de ódio se transformam em projetos de reconciliação, onde se pode esperar num futuro melhor para todos, onde são «felizes os obreiros da paz» (Mt 5, 9). Fará bem a todos comprometer-se por colocar as bases dum futuro que não se deixe absorver pela força ilusória da vingança; um futuro, onde nunca nos cansemos de criar as condições para a paz: um trabalho digno para todos, a solicitude pelos mais necessitados e a luta sem tréguas contra a corrupção que deve ser extirpada.
Queridos jovens, este futuro pertence-vos: valorizando a grande sabedoria dos vossos idosos, aspirai a tornar-vos construtores de paz: não notários do status quo, mas ativos promotores duma cultura do encontro e da reconciliação. Deus abençoe o vosso futuro e «conceda que se retome o caminho de reconciliação entre o povo arménio e o povo turco, e possa a paz surgir também no Nagorno Karabakh» (Mensagem aos Arménios, 12 de abril de 2015).
Nesta perspetiva, gostaria enfim de evocar outra grande testemunha e artífice da paz de Cristo, São Gregório de Narek, que proclamei Doutor da Igreja. E poderia ser chamado também «Doutor da paz». Assim escrevia ele naquele Livro extraordinário, que me apraz pensar como a «constituição espiritual do povo arménio»: «Recordai-Vos [Senhor] daqueles que, na estirpe humana, são nossos inimigos, mas para seu bem: cumpri neles perdão e misericórdia. (...) Não extermineis aqueles que me mordem: transformai-os! Extirpai a conduta terrena viciosa, e enraizai a boa em mim e neles» (Livro das Lamentações, 83, 1-2). Narek, «fazendo-se participante profundamente consciente de cada necessidade» (ibid., 3, 2), quis mesmo identificar-se com os vulneráveis e os pecadores de todo o tempo e lugar, para interceder em favor de todos (cf. ibid., 31, 3; 32, 1; 47, 2): fez-se «o “oferece-oração” de todo o mundo» (ibid., 28, 2). Esta sua solidariedade universal com a humanidade é uma grande mensagem cristã de paz, um grito ardente que implora misericórdia para todos. Os arménios, presentes em muitos países e que daqui desejo abraçar fraternalmente, sejam mensageiros deste anseio de comunhão, «embaixadores de paz» [João Paulo II, Carta Apostólica por ocasião do 1700° aniversário do Batismo do povo arménio, 7: Insegnamenti, XXIV/1 (2001), 278]. O mundo inteiro precisa deste vosso anúncio, precisa desta vossa presença, precisa do vosso testemunho mais puro.
Kha’ra’rutiun amenetzun! [A paz esteja convosco!]