domingo, 19 de julho de 2015

Ecologia: da «fumata bianca» ao fumo preto

A mais recente Encíclica do Papa Francisco começa com uma frase de S. Francisco de Assis, num antigo dialecto italiano, hoje desaparecido: «Laudato si’ mi’ Signore, per sora nostra matre Terra» (louvado sejas meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra). Esta oração, muito conhecida, é o mote poético que condensa a mensagem da Encíclica.

O documento tem um estilo muito próprio e, talvez por isso mesmo, para não dar a impressão de que há uma doutrina nova neste pontificado, contém muito mais citações que o habitual. As frases mais rotundas aparecem geralmente sob a forma de citações da Escritura, de autoridades antigas, do Concílio Vaticano II, de João XXIII, de Paulo VI, de João Paulo II, de Bento XVI, do Catecismo da Igreja Católica ou de outros documentos da Santa Sé e ainda de declarações de numerosas Conferências Episcopais de todo o mundo, incluindo a Conferência Episcopal Portuguesa. Paulo VI é citado directamente 5 vezes, João Paulo II 39 vezes e Bento XVI 27 vezes (ou uma dúzia mais de vezes, se incluirmos escritos de Bento XVI que foram publicados já pelo seu sucessor). Há ainda outras 103 referências bibliográficas, sem contar com as frases da Bíblia, que são muito numerosas.

Esta opção de se fundamentar exaustivamente no Magistério anterior significa que o Papa não quis inventar uma doutrina nova, mas expor a doutrina de sempre. Este ponto é bastante importante e, com tantas citações, percebe-se que o Papa Francisco quis que ficasse claro.

Embora os principais ensinamentos da Encíclica já sejam conhecidos, o Papa organizou o material de forma bastante original, muito interessante mesmo para os leitores não católicos.

A mensagem central, apresentada sob vários pontos de vista, é que a natureza é um presente de Deus à humanidade, um livro repassado da bondade e beleza de Deus. Aliás, nós próprios somos fruto do seu amor. Por isso, temos de cuidar da natureza (e de nós próprios) com o empenho e a criatividade de quem cuida de um tesouro que nos foi confiado por quem depositou em nós uma expectativa tão grande.

O Papa nota que a falta de estima pelo mundo material está associada à desconsideração por Deus e pelos outros. Na minha opinião, Portugal continental está cheio de exemplos de menosprezo do património natural e humano e até nos Açores há algum caso. Lembro-me de arranha-céus implantados no meio de cidades que tinham muita personalidade, ou no meio de belas paisagens: do cimo desses edifícios, o panorama é realmente bom, mas aqueles caixotes vêem-se de todo o lado...

Outras vezes, as pessoas fazem um piquenique e deixam o lixo para trás, esquecendo quem vem a seguir. A Encíclica fala bastante do lixo, do «descarte», porque inutilizar é também degradar, tirar valor às coisas. Podemos utilizar os recursos da natureza, para a alimentação e para tudo o que precisamos, mas não podemos pensar só na produção, temos de prever a reinserção ambiental do que sobra. Se não, aos poucos, estamos a «deitar fora» o mundo, a transformá-lo em lixo, sem pensar no que deixamos às próximas gerações.

Com uma expressão que remonta ao Papa João Paulo II, esta Encíclica trata também da «ecologia humana», do respeito por todas as pessoas. O Papa Francisco insiste que ninguém está a mais, independentemente do que pode produzir. Todos pertencem igualmente à família humana e todos somos responsáveis por todos. No que toca às pessoas, o Papa rejeita completamente o «descarte»: nem aborto, nem eutanásia, nem exclusão dos pobres.

Em tantas referências bibliográficas, não há uma única de carácter científico. É que (como era de esperar) o Papa não se pronuncia acerca de aspectos técnicos, conforme ele próprio repete três vezes ao longo da Encíclica. Aqui ou ali, mencionam-se algumas consequências do «descarte», a título de exemplo, mas parece-me errado ler este texto como se fosse um relatório de impactos ambientais, ou um manual de climatologia. O tema é a doutrina da Igreja acerca do correcto uso dos bens materiais e da atenção aos mais desfavorecidos; é só nesse sentido que a Encíclica aborda a ecologia, em particular aquilo que o Papa chama a «ecologia humana».

Em resumo. Leitura obrigatória para quem quiser ter uma opinião mais fundamentada sobre a responsabilidade cívica, individual e comunitária, e sobre a relação da sociedade e da economia com Deus.
José Maria C.S. André
«Correio dos Açores»,  «Verdadeiro Olhar»,  «ABC Portuguese Canadian Newspaper»,  «Spe Deus»
19-VII-2015

Bom Domingo do Senhor!

Façamos também nós como as multidões de que nos fala o Evangelho de hoje (Mc 6, 30-34) e sigamos sem hesitação o Senhor e com humildade reconheçamos que também nós somos ovelhas a precisar do Bom Pastor que é Jesus Cristo.

Louvado seja Deus Nosso Senhor que nos assegura o alimento para a alma e para a boca!

«Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão deles»

São Cesário de Arles (470-543), monge, bispo
Sermão 25,1; CCL 103, 111-112

«Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5,7). A palavra misericórdia é suave, meus irmãos. Se a palavra é suave, quanto mais o facto! [...] Dado que todos nós queremos misericórdia, tomemo-la como protectora neste mundo, para que nos liberte no mundo que há-de vir. Com efeito, há uma misericórdia no céu, à qual chegamos por actos de misericórdia na terra. A Escritura diz claramente: «Senhor, a Tua misericórdia está no céu» (Sl 35,6 Vulg).

Portanto, há uma misericórdia na terra e outra no céu, isto é, uma humana e outra divina. Qual é a misericórdia humana? É inclinares-te sobre a miséria dos pobres. E qual é a misericórdia divina? É sem dúvida alguma aquela que concede o perdão dos pecados. Tudo o que a misericórdia humana dá ao longo do caminho desta vida, a misericórdia divina o faz na pátria. Porque é Deus que, neste mundo, sofre frio e fome na pessoa dos pobres, como Ele mesmo disse: «Sempre que fizestes isto a um destes pequeninos foi a Mim que o fizestes» (Mt 25,40). Sim, Deus que quer dar generosamente do alto do céu, quer receber na terra.