Um coração ocupado pela avidez de possuir é um coração vazio de Deus

A poucos dias do início da Quaresma, o Papa Francisco recordou hoje que “a humanidade tem necessidade de justiça, de reconciliação e de paz” e pediu a todos uma atitude de reconciliação e de solidariedade fraterna em relação a “todos os que, nestes tempos, são provados pela indigência e por conflitos armados”.

Não faltou mesmo um apelo à oração pela Ucrânia:
Peço-vos que continueis a rezar pela Ucrânia, que está a viver uma situação delicada. Ao mesmo tempo que faço votos de que todas as componentes do país se empenhem em superar as incompreensões e em construir conjuntamente o futuro da Nação, dirijo à comunidade internacional um premente apelo para que apoie toda e qualquer iniciativa a favor do diálogo e da concórdia.

O Santo Padre falava ao meio-dia, depois da oração do Angelus, rezada com os fiéis, na Praça de São Pedro. O Papa recordou que á Quaresma “é o caminho de conversão, de luta contra o mal, com as armas da oração, do jejum, da misericórdia”.

Na alocução antes do Angelus, o Papa Francisco comentou como sempre a liturgia desde domingo, que – observou – evoca “uma das verdades mais reconfortantes: a Providência divina”, em termos que, porém, podem aparecer ilusórios a quem vive em situação de precariedade, se não mesmo de miséria. Mas são palavras bem atuais, as de Jesus, que recordam que não se pode servir a dois senhores: Deus e a riqueza.

“Enquanto cada um cuidar de acumular para si, nunca haverá justiça. Se, pelo contrário, confiando na providência de Deus, procurarmos conjuntamente o seu Reino, então não faltará a ninguém o necessário para viver de modo digno”.

“Um coração ocupado pela avidez de possuir é um coração vazio de Deus” – advertiu o Papa. “Num coração possuído pelas riquezas, não há muito lugar para a fé”. Só dando a Deus o lugar que lhe compete, o primeiro lugar, é que somos levados pelo amor a partilhar os bens com quem precisa, ao serviço de projectos de solidariedade e de desenvolvimento.

“O caminho indicado por Jesus pode parecer pouco realista, em relação à mentalidade comum e aos problemas da crise económica, mas, pensando bem, conduz-nos à justa escala de valores. Diz Jesus “A vida não vale mais do que o alimento, mais do que a roupa?” Para fazer com que a ninguém falte pão, água, roupa, casa, trabalho, saúde, é preciso que todos nos reconheçamos filhos do Pai que está nos céus, e portanto irmãos entre nós, e nos comportemos em conformidade”.

Recordando o tema, este ano, do Dia Mundial da Paz, a 1 de janeiro passado – é a fraternidade a via para a paz – o Papa concluiu dirigindo o olhar para Nossa Senhora, Mãe da divina providência”: A ela confiamos a nossa existências, o caminho da Igreja e da humanidade.

(Fonte: 'news.va' com edição)

Vídeo relativo à menção da situação na Ucrânia em italiano

Unanimidade?!

A notícia tem poucas horas, no momento em que escrevo (27 de Fevereiro de 2014).

Bento XVI recebeu uma carta do jornalista Andrea Tornielli e respondeu-lhe, na volta do correio, para deixar claras duas coisas.

Primeiro. «Não existe dúvida absolutamente nenhuma acerca da validade da minha renúncia ao ministério petrino» e as especulações são «totalmente absurdas». O Papa não foi obrigado a demitir-se, nem o fez em resultado de quaisquer manobras.


Segundo. A renúncia é válida e não existe hoje na Igreja nenhum governo a dois. Há um Papa reinante, no pleno exercício das suas funções, Francisco, e um emérito, cujo «único e último objectivo» dos seus dias é rezar pelo seu sucessor.


O que se tem dito, acerca de rupturas e divergências dentro da Igreja! Opondo os dois Papas! Inclusivamente, pontos essenciais da doutrina estariam a mudar!

Nas últimas semanas, Bento XVI teve algumas iniciativas curiosas. Manifestou, a várias pessoas que o visitaram, a sua plena sintonia com o Papa Francisco. Depois, quis que se divulgasse um parágrafo de uma carta pessoal que tinha escrito há dias (dirigida a Hans Küng): «Tenho a alegria de que me liga ao Papa Francisco uma grande identidade de pontos de vista e uma amizade do fundo do coração. Vejo que neste momento a minha única e última missão é sustentar o seu Pontificado com a oração».

Ao retirar-se, Bento XVI tinha dito: «não volto a uma vida privada, a uma vida de viagens, encontros, visitas, conferências, etc. (…) Permaneço de um modo novo junto do Senhor Crucificado. Já não exerço o cargo de governo da Igreja, mas fico, por assim dizer, no recinto de S. Pedro no serviço da oração».

As notícias de que as posições do Papa Francisco em relação ao aborto e à família estão em ruptura flagrante com a doutrina anterior já apareceram tantas vezes que até parecem uma observação consensual. O Pe. Frank Pavone, provavelmente a voz mais conhecida da Igreja a defender a vida humana, é contactado por imensa gente, alarmada e confusa acerca das posições do Papa Francisco. Então a Igreja mudou?! Quando ele recebeu a primeira vaga destas perguntas angustiadas, por «email» e SMS, o Pe. Pavone estava a jantar com o Papa Francisco. A Santa Sé tinha-o convidado para dar uma conferência sobre a defesa da vida dos bebés ainda não nascidos e o Papa quis manifestar-lhe o apoio, falar com ele e convidou-o para jantar. Esta é só uma das histórias divertidas do Pe. Pavone com o Papa, mas parece-me bastante expressiva.

Aliás, o Pe. Pavone acha que a mensagem do Papa Francisco acerta em cheio. O mais importante é compreendermos que Deus nos ama – e não deixa de amar quando fazemos o mal – e deseja perdoar-nos, mal nos arrependemos. E, depois, as histórias do Pe. Pavone com o Papa Francisco falam por si.

Alguns dizem que o Concílio Vaticano II marcou a ruptura com os tempos de Pio XII e eu divirto-me a contar as vezes que o Concílio cita Pio XII. Parece que ninguém reparou que ele é recordista entre os autores citados.

Alguns fazem a história dos enfrentamentos que ocorreram durante o Concílio. Por exemplo, o celibato dos padres teve 2400 votos contra 4. Não é uma votação por 90%. Nem por 99%. A máquina de calcular diz-me que é um pouco mais de 99,8%. Isto não chama a atenção de ninguém?

Numa coisa concordo. Não se compreende que a história da Igreja seja a história de uma unanimidade tão ininterrupta, ao longo de mais de vinte séculos. Onde é que já se viu uma fidelidade tão grande? Seria o maior milagre feito por Deus!

José Maria C. S. André


«Correio dos Açores» / «Verdadeiro Olhar», 2 de Março de 2014

Bom Domingo do Senhor!

Seguindo as palavras do Senhor no Evangelho de hoje (Mt 6, 24-34) procuremos alcançar o Reino de Deus e a Sua justiça abdicando do supérfluo e imitá-Lo na simplicidade.

Que o Senhor nos ajude a tudo fazer para sermos merecedores de entrar em Jerusalém Celeste!

Cobardia e insegurança

«Ceder o lugar ao inimigo, ou calar quando de todas as partes se levanta incessante clamor para oprimir a verdade, é próprio, ou de homem cobarde, ou de quem duvida estar em posse das verdades que professa. Uma e outra coisa é vergonhosa e injuriosa para Deus; uma e outra coisa contrária à salvação do indivíduo e da sociedade: isso aproveita unicamente aos inimigos do homem cristão, porque a cobardia dos bons fomenta a audácia dos maus»

(Leão XIII - Sapientiae christianae, nº 18)

A simplicidade

No Carnaval as crianças costumam mascarar-se. As máscaras e os trajes de Carnaval correspondem à sua fantasia. Com os anos deixamos de gostar de nos mascarar. Mas podemos ir ganhando o hábito de não nos mostrarmos como somos. As crianças, mesmo mascaradas, são simples, e nós, mesmo sem máscara, somos complicados.

«A simplicidade é como o sal da perfeição» escreveu São Josemaría no Caminho (cf. n. 305). A palavra «simples» deriva do latim simplex, o que poderia ser uma abreviatura para sine plexus, «sem pregas», «sem dobras», sem ângulos escondidos, sem duplicidade. A simplicidade confere-nos uma unidade grande.

A simplicidade não significa ausência de educação, ou mera espontaneidade. A espontaneidade procede da falta de domínio sobre os impulsos. E quando os dominamos não perdemos simplicidade. Quando evito dizer algo que magoa não sou menos simples do que se deixo que essa frase saia da minha boca.

De facto, o homem é um ser complexo (do latim cum + plexus), cheio de pregas e rugas, desde o pecado original, porque esse pecado nos quebrou a unidade. A harmonia interna do homem nas suas potências – a sensibilidade, a inteligência, a afectividade, e a vontade – passou a dar espaço a uma espécie de gritaria onde cada uma puxa para si.

A simplicidade implica um esforço grande por unificar a nossa vida: querer só uma coisa, querê-la com intensidade e com constância, e forçar a inteligência a conhecer melhor o que queremos, e a afectividade a desejar isso mesmo, negando-se à sensibilidade, que muitas vezes impele ao contrário.

O domínio de nós próprios não significa uma máscara. A máscara surge quando pretendemos um bem de alguém para nós e aparentamos que pretendemos só o seu bem. Se só pretendemos amar a Deus e por Deus os outros a nossa vida será esforçada e difícil mas simples.

(Fonte: Boletim de Fevereiro de 2010 da Paróquia de Nossa Senhora da Porta Céu em Lisboa)

A ILUSÃO DO CARNAVAL - Meditação de Joaquim Mexia Alves

Tristeza não tem fim
Felicidade, sim...

A felicidade é como a pluma

Que o vento vai levando pelo ar

Voa tão leve

Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar...
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento do sonho
Pra fazer a fantasia de rei, ou pirata, ou jardineira 
E tudo se acabar na quarta-feira

(Tom Jobim e Vinicius de Morais)

Esta era uma música do meu tempo, que agora relembro, para meditar um pouco nesta letra do mundo, numa perspectiva espiritual, neste tempo de Carnaval.


1 – “Tristeza não tem fim, felicidade sim”.

Muitos de nós se calhar pensamos assim, ou seja, que a felicidade é efémera, porque apenas pensamos na vida aqui e agora.
Muitos de nós somos assim, mais agarrados à tristeza, vivendo-a como uma fatalidade a que nos parece não poder fugir.
E no entanto, Jesus Cristo disse-nos:
«Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.» Jo 10, 10b
Mas para isso é preciso abrirmo-nos à Sua presença em nós e deixar que Ele tome sobre Si as nossas dores. Porque assim, Ele será o nosso Cireneu.
Não retira de nós a nossa cruz, mas ajuda-nos a carregá-la e a descobrir nela o caminho da verdadeira felicidade para sempre.

2 – “A felicidade tem a vida breve,… precisa que haja vento sem parar”.

A felicidade não tem a vida breve, desde que haja vento sem parar.
E o vento do Espírito Santo sopra sempre, nunca pára! Temos é que estar atentos e colocar-nos ao sabor do vento.
E podem vir as ventanias, os furacões e até as calmarias, que se estivermos entregues à brisa que sopra, tudo isso é vivido no amor, na aceitação e assim como a pluma não pára de voar, leve, leve, também nós não paramos de viver na serenidade e na paz de Deus, passando pelas agruras do mundo, na confiança, na esperança viva e permanente da vida em abundância, que nos é dada por Jesus Cristo.

3 – “A felicidade parece…a ilusão…trabalha o ano inteiro…fantasia…”

Vivemos muitas vezes assim, agarrados à felicidade momentânea, à felicidade de um Carnaval qualquer nas nossas vidas.
Empenhamos tudo numa fantasia daquilo que pensamos ser bom para nós, numa procura de um momento de estatuto, social ou qualquer outro, para depois descobrirmos que este mundo é assim, ingrato, e que quando a fantasia se acaba, por qualquer razão, a solidão é maior e o mundo se afasta de nós, indiferente à nossa dor e a tudo o que possamos ter feito, porque tudo foi feito para nós, só para a nossa felicidade e não pensámos na felicidade dos outros.

4 – “Para tudo acabar na Quarta Feira”

Ressureição de Pericle Fazzini
Sala Paulo VI - Vaticano
E é nesta Quarta Feira que tudo deve acabar.
Mas ao contrário da música, é bom que acabe toda a fantasia que não leva a nada, que nos afasta da realidade, da verdadeira vida, da vida que não acaba e que portanto não é deste mundo, embora aqui tenha passagem.
É tempo de reconhecer, durante quarenta dias, que a vida vivida em Deus, por Deus e com Deus leva à felicidade, embora muitas vezes passando pela tristeza.
É tempo de acreditar, que a felicidade não terá fim, se soubermos aceitar as tristezas momentâneas das nossas vidas, de vivê-las numa entrega, que nos leva à libertação delas mesmas e de tudo aquilo que não nos dá vida, mas antes nos afasta da verdadeira vida.
É tempo de reconhecermos, de aceitarmos que Jesus Cristo passou pela Paixão, para chegar à Ressurreição.

Escrito e publicado em 17 de Fevereiro de 2007 AQUI (seleção de imagens deste blogue)

Porquê jejuar? - Uma das três “práticas penitenciais” (reflexão de Bento XVI)

No início da Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso, a Liturgia propõe-nos três práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã – a oração, a esmola, o jejum – a fim de nos predispormos para celebrar melhor a Páscoa e deste modo fazer experiência do poder de Deus que, como ouviremos na Vigília pascal, «derrota o mal, lava as culpas, restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, domina a insensibilidade dos poderosos, promove a concórdia e a paz» (Precónio pascal). Na habitual Mensagem quaresmal, gostaria de refletir este ano em particular sobre o valor e o sentido do jejum. De facto a Quaresma traz à mente os quarenta dias de jejum vividos pelo Senhor no deserto antes de empreender a sua missão pública. Lemos no Evangelho: «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome» (Mt 4, 1-2). Como Moisés antes de receber as Tábuas da Lei (cf. Êx 34, 28), como Elias antes de encontrar o Senhor no monte Oreb (cf. 1 Rs 19, 8), assim Jesus rezando e jejuando se preparou para a sua missão, cujo início foi um duro confronto com o tentador.

(Fonte: "Bento XVI, 11 de Dezembro de 2008", publicado em www.vatican.va através do site de São Josemaría Escrivá em http://www.pt.josemariaescriva.info/artigo/porquea-jejuar3f)

Procurai primeiro o reino de Deus

São Vicente de Paulo (1581-1660), presbítero, fundador de comunidades religiosas
Conferência de 21/02/1659 (trad. a partir de Seuil 1960, p. 547)

«Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo.» [...] Por conseguinte é dito que procuremos o reino de Deus. «Procurai-o» é apenas uma palavra, mas parece-me significar muitas coisas. Quer dizer [...] trabalhar incessantemente para o reino de Deus, e não permanecer num estado ocioso e estático, prestar atenção ao interior para bem o regrar, e não aos divertimentos exteriores. [...] Procurai a Deus dentro de vós, visto que Santo Agostinho confessa que, enquanto O procurou fora dele, não O encontrou. Procurai na vossa alma, como Sua morada agradável e base onde os Seus servos procuram pôr em prática todas as virtudes. A vida interior é imprescindível, e é necessário ampliá-la; se não tivermos vida interior, nada temos. [...] Procuremos tornar-nos interiores. [...] Procuremos a glória de Deus, procuremos o reino de Jesus Cristo. [...]

«Mas [dir-me-ão] há tanto a fazer, tantos trabalhos em casa, tantos empregos na cidade, no campo; trabalho por toda a parte; será então necessário deixar tudo para pensar unicamente em Deus?» Não, mas é necessário santificar estas ocupações procurando a Deus nelas, e fazê-las para O encontrar, mais do que para as ver feitas. Nosso Senhor quer, antes de tudo, que procuremos a Sua glória, o Seu reino, a Sua justiça, e, por isso, que o nosso tesouro seja a vida interior, a fé, a confiança, o amor, os exercícios espirituais [...], os trabalhos e as dores com vista a Deus, nosso soberano Senhor. [...] Uma vez assim constituídos na procura da glória de Deus, temos a certeza de que o resto se seguirá.