terça-feira, 30 de setembro de 2014

Evitemos lamentações teatrais e rezemos por quem sofre verdadeiramente

Tantas vezes eu ouvi pessoas que estão vivendo situações difíceis, dolorosas, que perderam muito ou se sentem sós e abandonadas e vêm lamentar-se e fazem estas perguntas: Porquê? Porquê? Rebelam-se contra Deus. E eu digo: 'Continua a rezar assim, porque também isto é uma oração ". Era uma oração quando Jesus disse ao seu Pai: "Por que me abandonaste?!
(...)
Santa Teresa, rezava e pedia para andar em frente, na escuridão. Isto chama-se entrar em paciência. A nossa vida é demasiado fácil, as nossas lamentações, são lamentações de teatro. Perante estas, estas lamentações de tantas pessoas, de tantos irmãos e irmãs que estão na escuridão, que quase perderam a memória, que quase perderam a esperança – que vivem aquele exílio de si próprios, são exilados, também de si próprios – nada! E Jesus fez este caminho: da noite no Monte das Oliveiras até a última palavra da cruz: "Pai, por que me abandonaste!”

Papa Francisco - excertos homilia Casa de Santa Marta 30.09.2014

Dois Álvaros

Em 1986 Álvaro del Portillo aterrou em Lisboa para uma curta estada. Era então o prelado do Opus Dei. Os responsáveis do aeroporto levaram-no à sala VIP, mas estava ocupada pelo... secretário-geral do PCP. Apesar da surpresa, Álvaro Cunhal consentiu amavelmente em dar também lugar ao recém-chegado. Quando no final se cruzaram, Álvaro del Portillo estendeu a mão, agradeceu a gentileza e disse: "Sei que é o secretário do Partido Comunista Português; eu sou o prelado do Opus Dei. Também me chamo Álvaro."

O encontro foi brevíssimo, fortuito, sem mais transcendência. Se o trago aqui é porque me serve de pretexto e me parece um símbolo. Serve-me de pretexto, para assinalar que o Papa Francisco decidiu beatificar esse homem afável e sorridente que foi Álvaro del Portillo, numa cerimónia que vai acontecer neste sábado. Também eu o conheci assim: simpático e sereno. Com todos: quer tivesse pela frente o cauteleiro, o líder comunista ou o maior amigo. Tanto nos bairros da periferia de Madrid onde em jovem passava tantos dias, como mais tarde ao lançar iniciativas sociais em África.

Ao mesmo tempo, esse encontro entre dois Álvaros é um sinal: o sinal de duas grandes visões que estão presentes no mundo contemporâneo.

Marx estava muito convencido do que dizia quando escreveu: o homem é para o homem o ser supremo. Não há ninguém acima dele. Destronámos Deus. E Deus - como muitas vezes na história - deixou. As rédeas do mundo passaram para as mãos dos homens. E temos assistido às consequências. Contudo, já alguém disse, com razão, que colocar-se no lugar de Deus, sem ser Deus, é a mais tola arrogância, é a mais perigosa aventura.

Outra visão é a que herdámos do povo judeu e se conserva na oração fundamental de Israel: "Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor!"

Estamos tão habituados a considerar que só os problemas diários são problemas reais, e tão desabituados de valorizar o fator Deus, que podemos não sentir a diferença abissal entre uma visão e a outra.

Álvaro del Portillo era crente, mas não no sentido de admitir que Deus existe, sim, mas lá longe, indiferente e entretido com muitas outras coisas. Ele incorporou em si a grande intuição do cristianismo: que Deus - além das coisas "óbvias" de ser criador, poderoso, bondoso, providente, juiz - nos pediu amizade. Não só a uns eleitos. A todos. Essa amizade inclui, da parte dele, ter feito seus os nossos sofrimentos.

Não por ser um Deus que tenha um gosto especial por sofrer, mas por ter um jeito especial para amar. Tal como fazem os pais, que seguem cada minuto dos filhos, e gostariam de ser todo-poderosos para os ajudar. Nisso Deus leva vantagem. Paradoxalmente, este Deus paternal é aquele que alguns pretendem expulsar da realidade como se Deus fosse uma ameaça.

Álvaro del Portillo viveu com Deus muito perto, envolveu Deus no trabalho, atravessou as complicações na vida, não com a segurança de quem tem um Deus às ordens para afastar todas as dificuldades, mas como quem confia que - mesmo quando as coisas correm inapelavelmente mal - Deus é Pai e lá sabe o que faz.

Álvaro del Portillo se fosse vivo teria 100 anos. No dia em que morreu, João Paulo II foi velar o seu corpo.

Pedro Gil in Diário de Notícias

Alegrar-se com a fé

A fé dá alegria. Se Deus não está presente, o mundo desertifica-se e tudo se torna aborrecido, tudo é completamente insuficiente. Hoje, vê-se bem como um mundo sem Deus se desgasta cada vez mais, como se tornou um mundo sem nenhuma alegria. A grande alegria vem do facto de existir o grande amor, e é essa a afirmação essencial da fé. Você é alguém indefectivelmente amado. Foi por isso que o cristianismo encontrou a sua primeira expansão sobretudo entre os fracos e os que sofriam.

É claro que agora se pode interpretar isso num sentido marxista, e dizer que na época o cristianismo representou apenas uma consolação, quando devia ter sido uma revolução.

Mas penso que, de certa forma, já ultrapassamos essas fórmulas. O cristianismo estabeleceu novas relações entre senhores e escravos, de modo que já São Paulo podia dizer a um senhor: "Não faças mal ao teu escravo porque ele se tornou teu irmão" (cfr. Filemon).

Pode-se dizer que o elemento fundamental do cristianismo é a alegria. Não me refiro à alegria no sentido de um divertimento qualquer, que pode ter o desespero como pano de fundo; como sabemos, muitas vezes o divertimento é a máscara do desespero. Refiro-me à verdadeira alegria. É uma alegria que está presente numa existência difícil e torna possível que essa existência seja vivida. A história de Cristo começa, segundo o Evangelho, com o Anjo que diz a Maria: "Alegra-te!" Na noite do Natal, os anjos dizem outra vez: "Eis que vos anunciamos uma grande alegria". E Jesus diz: "Anuncio-vos a Boa Nova". Portanto, o núcleo de que aqui se trata é sempre: "Anuncio-vos uma grande alegria. Deus está presente, sois amados, e isso está estabelecido para sempre".

(Cardeal Joseph Ratzinger em O sal da terra’ págs. 23-24)

«QUE ALEGRIA QUANDO ME DISSERAM: VAMOS PARA A CASA DO SENHOR!»

Deve ser da idade, mas estava para aqui a pensar que o tempo vai passando, e que se vai aproximando o tempo de partir desta vida.

Claro que este aproximando não é nos dias, nem nos anos mais próximos, penso eu, mas curiosamente, ou talvez não, a ideia da morte é algo que se vai cruzando comigo, sem qualquer drama ou tristeza, mas apenas como algo inevitável à condição de estar vivo neste mundo.

Não tenho qualquer preocupação com isso e será quando Deus quiser, apenas cuido de vigiar e orar para estar pronto para daqui a pouco, daqui a um mês, daqui 30 anos!

Mas enquanto pensava nisso, veio à minha memória um cântico que muitas vezes entoo em surdina, nos mais diversos momentos.

«Que alegria quando me disseram: vamos para a casa do Senhor.
Os nossos passos se detêm às tuas portas, Jerusalém.»

Realmente, pensei eu, gostaria que fosse uma alegria, sobretudo porque naquele dia e naquela hora, os meus passos, pela graça de Deus, não se deterão às portas, mas entrarão decididos na Casa do Senhor, porque será Ele que os conduzirá.

E essa alegria, gerada pelo amor, será então para sempre!

Que bom é estar vivo e saber que Ele está connosco, nos ama, nos conduz e nunca nos abandona!

Monte Real, 6 de Junho de 2013

Joaquim Mexia Alves

«MINHA VIDA TEM SENTIDO…»

Este Domingo que passou (01.09.2013), por causa de uma Homenagem aos Combatentes do Ultramar em Monte Real, decidi participar na Missa Dominical na minha anterior paróquia.

Cheguei cedo, fiz as minhas orações e sentei-me à espera do início da celebração.

O coro, (no qual cantei quando vivia em Monte Real), ensaiava os cânticos para a Missa, e a certa altura, começaram a ensaiar um conhecido cântico: «Minha vida tem sentido, cada vez que eu venho aqui…»

Vieram-me as lágrimas aos olhos!

Aquele cântico, naquela altura, naquela igreja, naquele momento, teve um significado como nunca tinha tido para mim.

Teve o sentido óbvio do cântico, da vida ter sentido cada vez que procuramos Deus em Igreja.

Mas teve também um sentido mais particular, mais íntimo, mais vivido, para mim.

É que foi naquela igreja, que ao fim de quase 25 anos de afastamento de Deus e da Igreja, eu me comecei a sentar em frente do sacrário, (quando a igreja estava vazia), falando abertamente com Jesus, “provocando-O” a fazer qualquer coisa da minha vida, então sem sentido.

E foi ali, naqueles bancos, em frente daquele sacrário, que tive a minha primeira “experiência” de perdão, uma vontade intensa de pedir perdão, não só a Deus, mas também a todos que eu tinha ofendido na minha vida, acompanhada de uma vontade tranquila de perdoar a quem me tinha ofendido.

Talvez tenha sido ali também, (apesar de todo o meu percurso de catequese e prática religiosa na infância e adolescência), que pela primeira vez senti verdadeiramente Jesus Cristo presente, senti verdadeiramente o amor de Deus, senti verdadeiramente que Ele estava comigo e em mim.

E depois … depois fui recebido com alegria e sorrisos por aquelas e aqueles que iam chegando para a Missa e que até me pediram para fazer uma Leitura.

Como é bela a comunhão da e em Igreja!

Como fez sentido cantar naquela Missa: «Minha vida tem sentido, cada vez que eu venho aqui…»

Marinha Grande, 4 de Setembro de 2013

Joaquim Mexia Alves

O caminho para Jerusalém

Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África), doutor da Igreja 
Meditações, capítulo 18


O peso da nossa fragilidade faz-nos pender para as realidades deste mundo; o fogo do teu amor, Senhor, eleva-nos e conduz-nos às realidades do alto, para onde subimos pelo impulso do nosso coração, cantando os salmos das elevações; e deixando-nos queimar pelo teu fogo, o fogo da tua bondade, que nos transporta.

Para onde nos levas tu? Para a paz da Jerusalém celeste: «Que alegria quando me disseram: vamos para a casa do Senhor!» (Sl 121,1). Só o desejo de aí permanecer eternamente nos fará chegar. Enquanto estamos neste corpo, encaminhamo-nos para ti. Não temos aqui cidade permanente; procuramos sem cessar a nossa morada na cidade futura (Heb 13,14). Que a tua graça me conduza, Senhor, para o fundo do meu coração, para aí cantar o teu amor, meu Rei e meu Deus. […] E, recordando esta Jerusalém celeste, o meu coração ascenderá para Jerusalém, minha verdadeira pátria, Jerusalém, minha verdadeira mãe (Gal 4,26). Tu és o seu Rei, a sua luz, o seu defensor, o seu protector, o seu pastor; tu és a sua alegria inalterável; a tua bondade é a fonte de todos os seus bens inexprimíveis […], tu, meu Deus e minha misericórdia divina.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

O Evangelho do dia 30 de setembro de 2014

Aconteceu que, aproximando-se o tempo da Sua partida deste mundo, dirigiu-Se resolutamente para Jerusalém, e enviou adiante de Si mensageiros, que entraram numa aldeia de samaritanos para Lhe prepararem pousada. Não O receberam, por dar mostras de que ia para Jerusalém. Vendo isto, os Seus discípulos Tiago e João disseram: «Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu que os consuma?». Ele, porém, voltando-Se para eles, repreendeu-os. E foram para outra povoação.

Lc 9, 51-56

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A vida cristã é uma “luta” contra o mal e contra Satanás

Imagem não corresponde ao dia ainda que paramento devam
ter sido estes.
A luta é uma realidade quotidiana, na vida cristã: no nosso coração, na nossa vida, na nossa família, no nosso povo, nas nossas igrejas. Se não lutarmos, seremos derrotados, mas o Senhor deu esta missão em particular aos anjos: lutar e vencer.
(...)
Satanás apresenta as coisas como se fossem “boas”, mas a sua intenção é “destruir” o ser humano. (...) Tantos projetos, exceto os próprios pecados, mas tantos projetos de desumanização do homem são obra dele; simplesmente porque odeia o homem. É astuto: está escrito na primeira página do Génesis, é astuto.
(...)
Satanás procura sempre destruir o homem: o homem que Daniel via ali, na glória, e que Jesus dizia a Natanael que viria na glória. Desde o início, a Bíblia fala-nos disto: desta sedução de Satanás para destruir.

Papa Francisco - excertos homilia Casa de Santa Marta 29.09.2014

Os anjos sobem e descem

São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense, doutor da Igreja 
11º Sermão sobre o Salmo 90 «Qui habitat» 6, 10-11


«Vereis os anjos de Deus subindo e descendo por meio do Filho do Homem.» Os anjos sobem por si mesmo e descem por nós, ou antes, descem connosco. Estes espíritos bem-aventurados sobem para contemplarem a Deus, e descem para cuidarem de nós e para nos guardarem em todos os nossos caminhos (Sl 90,11). Sobem para Deus, para usufruir da sua presença; e descem para nós, para obedecerem às suas ordens, porque Ele ordenou-lhes que cuidassem de nós. Contudo, ao descerem para nós, não são privados da glória que os torna felizes, continuam a ver o rosto do Pai. […]

Quando sobem à contemplação de Deus, procuram a verdade de que estão cumulados sem interrupção, desejando-a, e desejam-na permanentemente, possuindo-a. Quando descem, exercem de misericórdia para connosco, porque nos observam em todos os nossos caminhos. Com efeito, estes espíritos bem-aventurados são os ministros que Deus nos envia para virem em nosso auxílio (Heb 1,14); e, nesta missão, não é a Deus que servem, mas a nós. Nisso imitam a humildade do Filho de Deus, que não veio para ser servido, mas para servir, e que viveu entre os seus discípulos como se fosse servo deles (Mt 20,28). […]

Deus ordenou aos seus anjos, não que te retirassem dos teus caminhos, mas que neles te guardassem cuidadosamente, e te conduzissem para os caminhos de Deus. E como, perguntar-me-ás? Os anjos operam com toda a pureza e por simples caridade; mas tu, forçado e advertido pela necessidade da tua condição, desce e condescende com o teu próximo, dando prova de misericórdia para com ele; e depois, sempre à imitação dos anjos, eleva o teu desejo e, com todo o ardor do teu coração, esforça-te por te elevares até à vida eterna.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

O Evangelho do dia 29 de setembro de 2014

Jesus viu Natanael, que vinha ter com Ele, e disse dele: «Eis um verdadeiro israelita em quem não há fingimento». Natanael disse-lhe: «Donde me conheces?». Jesus respondeu-lhe: «Antes que Filipe te chamasse, Eu te vi, quando estavas debaixo da figueira». Natanael respondeu: «Mestre, Tu és o Filho de Deus, Tu és o Rei de Israel». Jesus respondeu-lhe: «Porque te disse que te vi debaixo da figueira, acreditas?; verás coisas maiores que esta». E acrescentou: «Em verdade, em verdade vos digo, vereis o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer sobre o Filho do Homem».

Jo 1, 47-51

No Angelus o Papa convida fiéis a rezar pelo Sínodo e recorda o Beato Álvaro del Portillo

Antes da conclusão da Missa o Santo Padre introduziu a oração mariana do Angelus com uma saudação a todos os peregrinos presentes na Praça de S. Pedro, e especialmente os idosos, vindos de muitos Países.

O Papa dirigiu igualmente uma cordial saudação aos participantes na conferência- peregrinação "Cantar a Fé", organizada por ocasião do trigésimo aniversário do coro da diocese de Roma, tendo-lhes agradecido pela presença e por terem animado com o canto a celebração, juntamente com a Capela Sistina, dando-lhes em seguida esta recomendação:
Continuai a realizar com alegria e generosidade o serviço litúrgico nas vossas comunidades!

Em seguida o Papa recordou o Bispo Álvaro del Portillo, proclamado Beato ontem em Madrid, tendo manifestado o desejo que o seu testemunho cristão e sacerdotal possa suscitar em muitos o desejo de aderir sempre mais a Cristo e ao Evangelho.

A propósito da Assembleia Sinodal que inicia no próximo domingo, subordinada ao tema da família, o Papa dirigiu aos fiéis o seguinte convite:
Convido a todos, indivíduos e comunidades, a rezar por este importante evento e confio esta intenção à intercessão de Maria, Salus Populi Romani.

E por último, o Papa convidou aos presentes a rezar juntos o Angelus, dizendo:
Com esta oração invoquemos a protecção de Maria pelos idosos do mundo inteiro, de modo particular por aqueles que vivem em situações de maiores dificuldades.

E como habitualmente o Papa Francisco concluiu com a sua bênção, desejando a todos bom domingo e bom almoço.

Homilia do Santo Padre na Missa com os idosos e avós na Praça de São Pedro

O Evangelho que acabamos de ouvir é acolhido hoje por nós como o Evangelho do encontro entre os jovens e os idosos: um encontro cheio de alegria, cheio de fé e cheio de esperança. Maria é jovem, muito jovem. Isabel é idosa, mas manifestou-se nela a misericórdia de Deus e há seis meses que ela e o marido Zacarias estão à espera de um filho.

Maria, também nesta circunstância, nos indica o caminho: ir encontrar a parente Isabel, estar com ela naturalmente para a ajudar mas também e sobretudo para aprender dela, que é idosa, a sabedoria da vida. A primeira Leitura faz ecoar, através de várias expressões, o quarto mandamento: «Honra o teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dá» (Ex 20, 12). Não há futuro para um povo sem este encontro entre as gerações, sem os filhos receberem, com gratidão, das mãos dos pais o testemunho da vida. E, dentro desta gratidão a quem te transmitiu a vida, entra também a gratidão ao Pai que está nos céus.

Às vezes há gerações de jovens que, por complexas razões históricas e culturais, vivem de forma mais intensa a necessidade de se tornar autónomos dos pais, a necessidade quase de «libertar-se» do legado da geração anterior. Parece um momento de adolescência rebelde. Mas, se depois não se recupera o encontro, se não se volta a encontrar um equilíbrio novo, fecundo entre as gerações, o resultado é um grave empobrecimento para o povo, e a liberdade que prevalece na sociedade é uma liberdade falsa, que se transforma quase sempre em autoritarismo. Chega-nos esta mesma mensagem da exortação que o apóstolo Paulo dirige a Timóteo e, através dele, à comunidade cristã. Jesus não aboliu a lei da família e da passagem entre gerações, mas levou-a à perfeição. O Senhor formou uma nova família, na qual prevalece, sobre os laços de sangue, a relação com Ele e o cumprimento da vontade de Deus Pai. Mas o amor por Jesus e pelo Pai leva à perfeição o amor pelos pais, pelos irmãos, pelos avós, renova as relações familiares com a seiva do Evangelho e do Espírito Santo. E, assim, São Paulo recomenda a Timóteo – que é Pastor e, consequentemente, pai da comunidade – que tenha respeito pelos idosos e os familiares e exorta a fazê-lo com atitude filial: o idoso «como se fosse teu pai», «as mulheres idosas como se fossem mães» (cf. 1 Tim 5, 1). O chefe da comunidade não está dispensado desta vontade de Deus; antes, a caridade de Cristo impele a fazê-lo com um amor maior. Como fez a Virgem Maria, que, apesar de Se ter tornado a Mãe do Messias, sente-Se impelida pelo amor de Deus, que n’Ela Se está fazendo carne, a ir sem demora ter com a sua parente idosa.

E, deste modo, voltamos a este «ícone» cheio de alegria e de esperança, cheio de fé, cheio de caridade. Podemos pensar que a Virgem Maria, quando Se encontrava em casa de Isabel, terá ouvido esta e o marido Zacarias rezarem com as palavras do Salmo Responsorial de hoje: «Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus, e a minha confiança desde a juventude. (…) Não me rejeites no tempo da velhice, não me abandones, quando já não tiver forças. (…) Agora, na velhice e de cabelos brancos, não me abandones, ó Deus, para que anuncie a esta geração o teu poder, e às gerações futuras, a tua força» (Sal 71/70, 5.9.18). A jovem Maria ouvia e guardava tudo no seu coração. A sabedoria de Isabel e Zacarias enriqueceu o seu espírito jovem; não eram especialistas de maternidade e paternidade, porque para eles também era a primeira gravidez, mas eram especialistas da fé, especialistas de Deus, especialistas da esperança que vem d’Ele: é disto que o mundo tem necessidade, em todo o tempo. Maria soube ouvir aqueles pais idosos e cheios de enlevo, aprendeu com a sabedoria deles, e esta revelou-se preciosa para Ela, no seu caminho de mulher, de esposa, de mãe. Assim, a Virgem Maria indica-nos o caminho: o caminho do encontro entre os jovens e os idosos. O futuro de um povo supõe necessariamente este encontro: os jovens dão a força para fazer caminhar o povo e os idosos revigoram esta força com a memória e a sabedoria popular.

Um homem absolutamente normal

Na mesma altura em que o Papa Francisco decidiu canonizar os Papas João XXIII e João Paulo II, decidiu a beatificação de D. Álvaro del Portillo, o anterior Prelado do Opus Dei. A beatificação ficou marcada para ontem, sábado 27 de Setembro. No momento em que escrevo, centenas de milhares de pessoas, de muitos países, anunciaram a sua participação e esperam-se ainda mais, que vão aparecer – como é normal nestas ocasiões – sem prevenir ninguém.

Álvaro del Portillo foi uma pessoa absolutamente normal, que viveu em circunstâncias únicas, como cada ser humano, com qualidades e traços de personalidade únicos, como todos os seres humanos, mas absolutamente normal. Cada um de nós tem umas impressões digitais irrepetíveis e hoje sabemos que as marcas dos olhos são ainda mais identificativas e que o DNA das células não deixa quaisquer dúvidas. Mas, antes disso, já sabíamos que, da ponta dos cabelos às manias do carácter, não há dois seres humanos iguais. Se multiplicarmos essa variedade pelas peripécias da história individual, compreendemos que a espécie humana é uma colecção de obras-primas. Nenhum de nós é uma cópia. Dito isto, podemos acrescentar que D. Álvaro foi o protótipo de uma pessoa absolutamente normal. Calma, serena, muito acessível, encantadoramente normal.

Cresceu numa família unida, de 8 filhos. Sentiram dificuldades económicas, como acontece com muitas famílias numerosas, mas não perderam tempo com dramatismos. Também isso é uma reacção típica das famílias numerosas. Foi um aluno excelente, coisa absolutamente normal, porque em todas as turmas alguém tem de ser o melhor aluno.

Fez engenharia civil, que na época era um dos cursos mais exigentes. Antes ainda, completou os estudos politécnicos de engenharia civil, para poder começar a trabalhar mais cedo, porque a situação da família não estava fácil.

Trabalhou, fez o curso e arranjou tempo para se empenhar em actividades sociais num bairro pobre. Foi um aluno notável, porque gostava de engenharia e tinha uma inteligência privilegiada.

Aos 22 anos, conheceu o Opus Dei e descobriu, por uma graça nítida de Deus, a sua vocação. Corria o ano de 1935. Pouco depois, desencadeia-se a perseguição aos católicos em Espanha e a Guerra Civil, em 1936. O pai é preso, com a acusação de ser católico (o que era verdade e ele não queria negar). Vários amigos e conhecidos foram presos e mortos pela mesma razão. Ele próprio também foi preso, mas salvou-se de modo imprevisto. Na clandestinidade, Álvaro aprendeu japonês e outras línguas, para poder levar a mensagem do Opus Dei ao Japão e a outros países.

Quando acaba a Guerra Civil espanhola, começa a Guerra Mundial e os sonhos de viajar atrasam-se. Além disso, o Opus Dei precisava de padres e Álvaro e alguns outros fazem os estudos correspondentes para serem ordenados, o que aconteceu em 1944, ainda durante a Guerra Mundial.

O Arcebispo de Madrid, que conhecia muito bem Álvaro e o admirava, comentou-lhe, antes da ordenação: «Hoje, és uma pessoa notável na sociedade, um engenheiro, cheio de prestígio e de estatuto! Mas amanhã passas a ser um simples padre...». Ele respondeu: «Senhor Bispo, há vários anos que eu entreguei o prestígio e o estatuto a Jesus Cristo». O Arcebispo, que contou esta e outras conversas com Álvaro del Portillo, ficou comovido.

Ao Arcebispo e a todos surpreendia a maturidade espiritual de Álvaro, desde o princípio, apesar de a dispersão da Guerra Civil tornar difícil a formação. Álvaro percebeu imediatamente, que o espírito do Opus Dei era um dom do Espírito Santo à Igreja e não uma ideia feliz do Fundador.

Também chama a atenção a sua capacidade de perdoar. De perdoar aquela gente enlouquecida pelo ódio, que matava cristãos como quem mata baratas. Mais tarde, aqueles que não percebiam a novidade evangélica do espírito do Opus Dei e se achavam no dever de organizar calúnias.

A vida de D. Álvaro passou-se quase toda em Roma. O Fundador encarregou-o de explicar o Opus Dei ao Papa (na altura Pio XII), que o admirou muito. Nessa mesma viagem conheceu Mons. Montini, que viria a ser o Papa Paulo VI. João XXIII nomeou-o para cargos importantes no Concílio Vaticano II. Em 1975, D. Álvaro foi eleito para suceder ao Fundador como Presidente Geral do Opus Dei. Acabou por ficar em Roma toda a vida.

É conhecida a estima que tinham por ele Paulo VI e depois João Paulo I e João Paulo II, que o nomeou Prelado do Opus Dei, quando erigiu a Obra em Prelatura Pessoal, e depois o ordenou Bispo.

O processo de beatificação e canonização de D. Álvaro começou no final do pontificado de João Paulo II mas as principais etapas decorreram já com Bento XVI. Pouco depois de ser eleito, o Papa Francisco decidiu a beatificação, para que fosse difundido «o seu exemplo precioso de vida». Para que, diz também o Papa Francisco, nós todos «imitássemos a sua vida humilde, feliz, escondida, silenciosa, e também o seu testemunho decidido da perene novidade do Evangelho».

Dou muitas graças a Deus porque conheci pessoalmente e falei bastantes vezes com este homem que foi beatificado ontem, modelo extraordinário de normalidade. Uma pessoa de uma profundíssima vida de oração e de uma confiança total em Deus.
                                                                                                                                                                                          José Maria C. S. André

Bom Domingo do Senhor!

Mesmo que num primeiro momento Lhe tenhamos dito que não, como fez o primeiro filho do Evangelho de hoje (Mt 21, 28-32), tenhamos a humildade como ele de reconhecer a nossa falta de amor filial e demos seguimento aos Seus pedidos, porque vindos Dele são certamente para nosso bem, mesmo que momentaneamente não o consigamos perceber.

Louvado seja Deus Nosso Senhor e nosso Pai!

Sofrimento humano e mistério da cruz

Costumamos pensar no sofrimento como algo que deve ser evitado a todo o custo, E não há nada que irrite mais determinadas sociedades do que a ideia cristã de que se deveria suportar a dor e o sofrimento, e mesmo entregar-se a eles, a fim de superá-los. Sofrer, dizia João Paulo II, é parte do mistério de ser homem. Por que é assim?

Hoje, o que se pretende é eliminar o sofrimento da face da terra. Para o indivíduo, isso significa evitar a todo o custo a dor. No entanto, precisamos enxergar também que é precisamente dessa forma que o mundo se torna muito duro e muito frio. A dor é parte do ser humano.

Quem quisesse realmente livrar-se do sofrimento, antes de mais nada teria que livrar-se do amor; não há amor sem sofrimento, pois o amor sempre exige certa dose de sacrifício: diante das diferenças de temperamento e dos dramas humanos, sempre trará consigo renúncia e dor.

Quando sabemos que o caminho do amor - esse êxodo, esse sair de si mesmo - é o verdadeiro caminho pelo qual o homem se torna humano, compreendemos também que o sofrimento é o processo pelo qual amadurecemos. Quem aceita interiormente o sofrimento torna-se mais maduro e mais compreensivo com as fraquezas dos outros: mais humano. Quem evita com pertinácia o sofrimento não é capaz de entender os outros: torna-se duro e egoísta. O próprio amor é uma paixão, isto é, algo que acontece connosco. No amor, a primeira experiência é uma alegria, um sentimento geral de alegria; mas, por outro lado, vejo-me arrancado à minha confortável tranquilidade em tenho que deixar-me reformular.

Se compreendermos que o sofrimento é o "lado de dentro" do amor, entenderemos também como é importante aprender a sofrer - e veremos por que, em sentido inverso, a fuga de todo o sofrimento torna a pessoa incapaz de lidar com a vida: cairia num estado de vazio existencial, que só pode estar associado à amargura, à rejeição, e já não permite nenhuma aceitação interior nem nenhum progresso na direção da maturidade.

(Cardeal Joseph Ratzinger in ‘Dios y el mundo’)

OBRIGADO JESUS, OBRIGADO!

Lentamente
deixo que o coração se abra
e o teu Nome tome conta dele.

Que bom ter no coração impresso,
o teu Nome,
Jesus.

Alcança-me a tua Cruz
e eu deixo-me tomar por Ela.

É Santa a tua Cruz,
Jesus,
e é n’Ela que Te encontro
em cada momento de dor,
e é por Ela e n’Ela
que em cada um desses momentos
Tu de “desfazes” em amor.

Nasces para chegar à Cruz,
Jesus,
porque na Cruz,
nos fazes nascer de novo,
na vida que vem do Alto,
e que nunca mais tem fim,
nasces para todos,
e até nasces para mim!

Lentamente
deixo que o coração se abra,
e em cada momento rezado,
a minha oração é assim:
obrigado Jesus, obrigado!

Marinha Grande, 20 de Dezembro de 2013

Joaquim Mexia Alves

«Os cobradores de impostos e as meretrizes vão preceder-vos no Reino de Deus»

São Clemente de Alexandria (150-c. 215), teólogo 
Homilia «Que rico será salvo?», 39-40


As portas estão abertas a todo aquele que, em sinceridade e de todo o coração, se voltar para Deus, e é com alegria que o Pai recebe um filho verdadeiramente arrependido. Qual é o sinal do arrependimento verdadeiro? Não voltar a cair em velhos erros e arrancar do coração, pela raiz, os pecados que nos punham em perigo de morte; quando estes estiverem apagados, Deus virá habitar-nos. Porque, como diz a Escritura, um pecador que se converte e se arrepende dará ao Pai e aos anjos do céu uma imensa e incomparável alegria (Lc 15,10). Foi por isso que o Senhor disse: «Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios» (Os 6, 6; Mt 9,13); «Não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim na sua conversão» (Ez 33,11); «Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve. Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã» (Is 1, 18).

Só Deus, de facto, pode remir os pecados e não imputar erros, ainda que o Senhor Jesus nos exorte a perdoar, em cada dia, aos irmãos que se arrependem. E se nós, que somos maus, sabemos dar coisas boas aos outros (Mt 7,11), quanto não será capaz de dar «o Pai das misericórdias» (2Cor 1,3)? O Pai de toda a consolação, que é bom, cheio de compaixão, de misericórdia e de paciência por natureza, espera os que se convertem. E a verdadeira conversão supõe que deixemos de pecar e que não olhemos mais para trás […]. Lamentemos amargamente, pois, os erros cometidos e peçamos ao Pai que os esqueça. Ele pode, na sua misericórdia, desfazer o que foi feito e, com o orvalho do Espírito, apagar as nossas faltas passadas.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

«João veio até vós, ensinando-vos o caminho da justiça, e não acreditastes nele»

São Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 167; CCL 248, 1025, PL 52, 636

João Baptista ensina com palavras e actos. Verdadeiro mestre, mostra pelo seu exemplo aquilo que afirma com a sua palavra. O saber faz o mestre, mas é a conduta que confere autoridade. [...] Ensinar pelos actos é a única regra daquele que quer instruir. A instrução pelas palavras é sabedoria; mas quando passa pelos actos é virtude. Por conseguinte, a sabedoria é autêntica quando unida à virtude: só então é divina e não humana. [...]

«Naqueles dias, apareceu João, o Baptista, a pregar no deserto da Judeia. Dizia: 'Convertei-vos, porque está próximo o Reino do Céu'» (Mt 3,1-2). «Convertei-vos.» Porque não diz: «Rejubilai»? «Rejubilai antes porque as realidades humanas dão lugar às realidades divinas, as terrestres às celestiais, as temporais às eternas, o mal ao bem, a incerteza à segurança, a tristeza à felicidade, as realidades perecíveis às que permanecerão para sempre. O Reino dos céus está muito próximo. Convertei-vos.» Que a tua conduta de convertido seja evidente. Tu que preferiste o humano ao divino, que quiseste ser escravo do mundo em vez de vencedor do mundo com o Senhor do mundo, converte-te. Tu que fugiste da liberdade que as virtudes conferem porque quiseste sofrer o jugo do pecado, converte-te; converte-te verdadeiramente, tu que, por medo de possuir a Vida, te entregaste à morte.

O Evangelho de Domingo dia 28 de setembro de 2014

«Mas que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, disse-lhe: “Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha”. Ele respondeu: “Não quero”. Mas, depois, arrependeu-se e foi. Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: “Eu vou, senhor”, mas não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai?». Eles responderam: «O primeiro». Disse-lhes Jesus: «Na verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino de Deus. Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; e os publicanos e as meretrizes creram nele. E vós, vendo isto, nem assim fizestes penitência depois, crendo nele.

Mt 21, 28-32

Um santo normal

É hoje beatificado, em Madrid, o bispo D. Álvaro del Portillo, primeiro prelado do Opus Dei: um santo que era surpreendentemente pouco surpreendente.

Finalmente, um santo normal! Não é que os outros sejam anormais mas, com frequência, são figuras tão gigantescas que, na realidade, não servem de modelo para quem é, apenas, um fulano qualquer.

Com efeito, quem se atreve a comparar-se com Francisco de Assis, Teresa de Jesus ou Inácio de Loyola? São todos grandes vultos da história da Igreja e da humanidade, fundadores de novos caminhos de santidade e de apostolado, semelhantes, em importância histórica, aos grandes heróis. Gente magnífica, sem dúvida, que não pode servir de referência para quem é apenas um fiel igual a tantos outros, um mero cidadão comum.

Desses tais foi também São Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei. O Papa Paulo VI, que vai ser beatificado em Outubro próximo e que o conheceu pessoalmente, disse que São Josemaria foi uma das pessoas que recebeu mais graças de Deus e que a elas melhor correspondeu. Ou seja, um dos maiores santos da Igreja. Foi também um precursor do Concílio Vaticano II, a que profeticamente se antecipou, difundindo, a partir de 1928, o chamamento universal à plenitude da vida cristã. Mas já não o foi D. Álvaro del Portillo, primeiro sucessor de Escrivá e primeiro bispo prelado do Opus Dei, que hoje mesmo, 27 de Setembro de 2014, é beatificado em Madrid.

É verdade que os Evangelhos, quando se referem aos primeiros santos, falam da amorosa prontidão da sua resposta afirmativa a Cristo. Mas falam também das dúvidas de fé de Tomé; dos sete demónios de que Madalena esteve possessa; do carreirismo dos intempestivos filhos de Zebedeu, João e Tiago; da néscia impertinência de Filipe; da censurável impaciência de Marta; e, até, da tripla negação de Pedro. Quando chegou a hora da paixão e morte de Cristo, todos fugiram cobardemente, com a única excepção do discípulo adolescente que, com Maria e algumas santas mulheres, permaneceu firme aos pés da Cruz do Senhor.

Álvaro del Portillo era, surpreendentemente, pouco surpreendente. Nos três anos em que com ele convivi, em Roma, não lhe recordo nenhuma genialidade, nenhuma reacção espantosa, nenhum dito absolutamente original, nenhuma acção invulgar. Pelo contrário, parecia ser muito normal para quem era, afinal, o primeiro sucessor de uma figura tão carismática como Escrivá. Mas, sem deixar de ser normal, nunca foi uma pessoa banal. Havia nele, em grau superlativo, o que se pede aos cristãos do Opus Dei: o heroísmo escondido do cumprimento habitual do próprio dever, a inteligência arguta de uma profunda sabedoria cristã, a grandeza discreta da verdadeira caridade, a bondade serena de um coração transbordante de amor a Deus. E, sobretudo, uma imensa afabilidade: um cardeal, que o conhecia, disse que falava sorrindo e sorria falando.

Apesar dos seus pesares, os apóstolos não eram banais. Havia neles a presença de um desígnio sobrenatural a que todos foram fiéis, salvo Judas Iscariotes. Graças a essa sua correspondência, são estrelas do firmamento eclesial, luzes que iluminam o mundo, não obstante a sua bendita normalidade.

Muitas pessoas, ainda que alheias ao Opus Dei, sentem pelo Beato Álvaro del Portillo uma devoção filial. Alguns pais e mães são extraordinariamente heróicos mas, na sua grande maioria, são pessoas simples, discretos protagonistas das alegrias e tristezas da vida familiar. Não há aplauso público para este tipo de heróis, mas não há filho, por ingrato que seja, que não canonize, no altar do seu coração, o santo amor de seus pais.

Talvez o bem-aventurado Álvaro del Portillo não tenha feito nada de muito extraordinário, mas cumpriu heroicamente bem a sua missão. Foi, como Maria, a única criatura que é santíssima, um santo extraordinariamente normal!

P. Gonçalo Portocarrero de Almada in 'i' online AQUI

Álvaro del Portillo, um engenheiro civil nos altares (no 1º aniversário da sua beatificação)

A pessoa que a Igreja Católica vai beatificar no próximo sábado em Madrid chama-se Álvaro del Portillo e era engenheiro civil.

Na verdade, também foi outras coisas, e bem relevantes: um dos primeiros padres do Opus Dei; bispo aos 76 anos; o colaborador mais próximo de S. Josemaria; colaborador do Concílio Vaticano II de 1959 a 1965 e da Cúria Romana até ao fim da vida; sucessor do fundador à frente do Opus Dei e por isso, conhecedor da grande diversidade da Igreja espalhada pelo mundo; amigo próximo de S. João Paulo II.

Era pessoa afável e cálida, com quem dá vontade de estar. Via as coisas com bondade, e dava paz. Era também realista, e de ingénuo não tinha nada. É ele que a Igreja vai beatificar.

Mas a Igreja beatifica os homens para se focar em Deus e não nos homens, pois, afinal, é Deus o grande “responsável” pelo que aconteceu na vida do santo.

Então, para quê conhecer a vida concreta dos santos? Para tropeçarmos nalguma dessas vidas e aí nos revermos. E para nunca mais voltarmos à velha falácia: “eu gostava de ser santo, mas não há condições”. Falso!: mentira disfarçada de humildade. Deus cruzou-se, e cruza-se, hoje, na minha vida, na tua vida, na vida de todos.

Isto é: a “santidade” não é coisa de laboratório, tubos de ensaio e luvas esterilizadas. É sempre drama da vida real, romance de graça e desgraça, queda e perdão, cair e levantar, começar e recomeçar.

Por isso, hoje gostava de falar de Álvaro del Portillo e em concreto: era engenheiro civil. Mas antes devo fazer a costumada “declaração de interesses”: também eu sou engenheiro civil. Dito isto, e apesar disto, creio que há razões importantes para o fazer.

Álvaro del Portillo foi engenheiro civil por insistência, até ao máximo, e por carácter. Explico.

Foi engenheiro civil por insistência. Teve de adiar o começo da licenciatura, para ajudar a sustentar a família trabalhando como técnico de obras públicas. Terminou já com 27 anos, pois, além disso, deu-se a terrível Guerra Civil em Espanha, e dedicava-se, apesar de tão jovem, a ajudar S. Josemaria. Em suma, teve de querer muito para ir até ao fim.

Foi engenheiro civil até ao máximo. Cada vez mais ligado ao fundador, aos 30 anos foi ordenado padre e, como seria previsível, deixou a engenharia como actividade profissional. Porém, assim que soube do início dos doutoramentos nas escolas superiores técnicas, candidatou-se com um projecto sobre a modernização de uma ponte metálica, e foi aprovado em 1965. Tinha 51 anos. Só que, desde 1959, colaborava assiduamente em várias comissões do Vaticano II. Ou seja: quis completar a sua formação técnica, sugando os restos de tempo disponível.

Foi engenheiro civil por carácter. Olhava a vida como engenheiro. Desenhava bem. Era prático, organizado, programava com realismo os objectivos e ponderava possibilidades. Recorria instintivamente a metáforas com pontes, equações, coeficientes, planos, mapas e tecnologia. O jornalista Vittorio Messori testemunha-o assim: “Dava mais vontade de nos confessarmos com ele do que fazer-lhe perguntas. Notava-se que tinha sido engenheiro, perito em pontes e estradas. Atrás do hábito de bispo era perceptível um homem do mundo”.

Aqui é preciso parar. Estamos habituados a que quando Deus chama se abandone tudo. E aqui vemos que, porque Deus chama, se abraça tudo. O mundo, o trabalho, a formação profissional, é também vocação. A que é preciso corresponder.

Talvez à grande maioria dos cristãos Deus peça, sim, que convertam o seu coração e mudem o mundo, mas não que mudem de mundo. Para isso são leigos.

Em Álvaro del Portillo ser engenheiro não foi um aspecto transitório, depois superado, e finalmente esquecido. Não. Foi um cromossoma que Deus pôs no seu DNA e que esteve sempre activamente presente no seu genoma de leigo, sacerdote, bispo, prelado, beato.

O Papa Francisco sugeriu que ao pensar em Álvaro del Portillo sentíssemos o apelo de “imitar a vida humilde, feliz, escondida, silenciosa” de que é exemplo, e também o seu “testemunho decidido da perene novidade do Evangelho”. Rezo ao Senhor – e peço orações a quem se queira associar – entregando-Lhe nas mãos o desejo de que aceitemos o desafio do Santo Padre.

Pe. José Rafael Espírito Santo - Vigário regional do Opus Dei em Portugal
'Observador'

Quando a ignorância se transforma num acto de Fé e amor

Quando não entendermos como os discípulos não entenderam o Senhor no Evangelho de hoje (Lc 9, 43b-45) pode ser uma graça, pois aí estaremos junto d'Ele movidos pela Fé e pelo amor que Lhe temos e essa mesma Fé e amor ajudar-nos-ão quando Ele assim o entender a compreendê-Lo melhor e com mais convicção.

Louvado seja Deus Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento!

JPR

O relativismo e a decadência

No centro do relativismo em que se vai deteriorando a identidade e capacidade dos ocidentais para sustentarem uma posição igual na coexistência em liberdade com as áreas culturais que antes dominaram em regime imperial, parece estar a questão da relação entre valor e preço, em que este serviu de eixo a um credo de mercado que conduziu à crise financeira e económica actual. Os valores são correntemente definidos como instrumentais ou fundamentais, e expressaram-se frequentemente nas coisas, incluindo as pessoas no que toca às funções que desempenham, em qualquer área de actividade, incluindo a económica. Mas não pode, ou não deve, ainda neste último caso, aceitar-se que os valores humanos podem ser secundarizados pelos instrumentais, o que significa sempre que o preço das coisas superou o valor das coisas, que, por isso, o salário não tem que ter em conta a dignidade de quem trabalha, que a medida monetária, isto é, a viabilidade da compra e venda supera todas as restantes exigências. Os países, ou alguns responsáveis, ainda antes de o credo do mercado ser assumido, também viveram como regra nessa condição quando, por exemplo, a escravatura e o transporte de escravos eram um regime legal consentido.

Foram necessárias muitas lutas, sacrifícios, pregações, e possivelmente iluminações das consciências, para entender que o dinheiro é a unidade que mede os valores instrumentais, mas não os valores morais, especialmente os que se aglutinam no conceito de dignidade humana. Da sentença de Kant segundo a qual a pessoa tem dignidade, e não preço, porque este último apenas respeita às coisas intercambiáveis, decorre que a dignidade humana evidencia-se pelo facto de que cada ser é um fenómeno que não se repete na história da humanidade. Escreveu algures Oscar Wilde que "um cínico é um homem que sabe o preço de todas as coisas mas não sabe o valor de nada". A esta percepção responde, em parte, o estado social, já que sem um poder governativo humanista a comunidade não pode funcionar com justiça. Nessa formulação cabe necessariamente o reconhecimento de que, não obstante, no que respeita às pessoas, a convergência de valores humanos e dos valores instrumentais é uma regra frequente. É notado que, se a saúde é suporte do valor essencial da vida, os cuidados médicos e medicamentos são coisas com valor monetário. O mesmo se diga do ensino, da qualificação técnica, e assim por diante. Esta realidade faz com que o Estado social seja composto, ao longo dos tempos, de uma principiologia que aponta para a possibilidade, variável com as épocas, de apoiar com valores monetários a dignidade humana, mantendo sempre a principiologia.

Existem outras formas de apoiar aquela dignidade sem valores monetários que porventura escasseiam, como o serviço ao próximo, a solidariedade, a caridade, o amor oferecido com a gratuidade da doação. Mas o que não é admissível, em face do património imaterial que deu sentido à identidade ocidental, deu fundamento à Declaração Universal dos Direitos Humanos, e espera a consagração da Declaração de Deveres que circula em busca de adesão da ONU, é que a principiologia desapareça dos textos constitucionais, à sombra de uma semântica variável, mas que lhe nega o carácter directivo e a imposição ética. Não é a pobreza que o dispensa, como está demonstrado ao longo dos tempos pelas sociedades pobres, é o facto de colocar o preço das coisas acima do valor das coisas. A decadência ocidental, e não apenas europeia, tem outras causas, designadamente a frequência com que sofreu as guerras internas e que chamou mundiais. Mas, nesta entrada do milénio, é o relativismo que a faz regredir, que divide a Europa entre países ricos e pobres, e que afecta a definição de um futuro possível. Não tem sentido propor e adoptar a responsabilidade pelas gerações futuras, e ignorar o paradigma que antecede a formulação da principiologia do Estado social, que se torna mais exigente à medida que a fronteira da pobreza avança.

Adriano Moreira

(Fonte: DN online em 19.07.2012)