[…] desporto é para jovens saudáveis. Uma fé que apenas dá sentido à vida a alguns durante uns anos, não presta. Os apóstolos defendem-se dizendo que desporto é para toda a vida, sendo a alta competição apenas dos mestres, como os mosteiros e eremitérios na religião. Mas no desporto, ao contrário da religião, vitória e fama fazem parte da mística. A falsidade da tese vê-se na vida posterior dos grandes atletas.
Tirando o pequeno punhado de superestrelas que vive da celebridade, à esmagadora maioria dos desportistas, mesmo grandes campeões, espera-os anos de nostalgia, anonimato, até miséria, pois muitos desperdiçaram a juventude sem aprender uma profissão útil. A mística tenta esconder a verdade, celebrando glórias passadas, mas ela por vezes emerge, como no filme Belarmino (Fernando Lopes, 1964) ou nas notícias recorrentes de ex-campeões que vendem as medalhas para comer.
É verdade que estes são precisamente os pontos em que toca o espírito olímpico. Ao contrário dos campeonatos, os Jogos dirigem-se a amadores, pessoas que praticam desporto por desporto, não por obrigação. Participar é mais importante do que vencer ou bater recordes. Esta é a teoria, muito longe da realidade. Repetidamente se ouvem os sumo sacerdotes lamentar a perda do espírito olímpico. Em grande medida, os Jogos são apenas mais um campeonato, para os mesmos profissionais que batem o circuito. Mas o mal estava na origem: se apenas interessa a prática, porquê criar medalhas e podium?
O desporto é uma excelente actividade humana, como a arte ou ciência, mas, como elas, não suporta ser erigida em finalidade de vida. O desporto só é desporto se for praticado por desporto.
João César das Neves in DN online AQUI